Opinião

Israel, a (i)legalidade da operação Rising Lion e o uso da força para fins imperialistas

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  • é pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisa em Direito Internacional (Gepdi/CNPq) vinculado à Universidade Federal de Uberlândia atualmente em intercâmbio junto à Saint Mary’s University (Halifax/Canadá).

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29 de junho de 2025, 6h02

No último dia 13 de junho, Israel lançou a chamada Operation Rising Lion contra o Irã, atacando mais de cem alvos naquele Estado, incluindo instalações nucleares, fábricas de mísseis, sistemas de defesa aérea, infraestruturas energéticas, instituições estatais e a emissora nacional Iraniana. A estimativa é que os ataques tenham, até o dia 15 de junho, matado 224 e ferido 1.277 pessoas, sendo que 90% das mortes teriam sido de civis, segundo autoridades iranianas [1].

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soldado segurando bandeira de Israel

Segundo a carta enviada pelo ministro de Relações Exteriores de Israel para a presidente do Conselho de Segurança da ONU, o objetivo da operação era “neutralizar a ameaça iminente e existencial dos programas de armas nucleares e misseis balísticos do Irã”. Como fator determinante para o lançamento da operação, o ministro cita os “desenvolvimentos críticos” no programa de armas nucleares Iraniano, se referindo ao enriquecimento do urânio, somado à confirmação, por parte de “inteligência confiável”, de que o Irã teria acelerado seus “esforços clandestinos para desenvolver armas nucleares” [2].

As acusações de Israel são feitas em meio à publicação de uma resolução [3] da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA, na sigla em inglês), apresentada por França, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos, que declarou que o Irã estava agindo em desacordo com suas obrigações sob o Tratado de Não-Proliferação pela primeira vez em quase 20 anos. Além disso, as acusações são feitas ao mesmo tempo em que as partes do antigo Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA, na sigla em Inglês) tentavam negociar um novo acordo que regularia o programa nuclear Iraniano em troca de um alívio nas sanções impostas sobre o Irã [4].

Em reação à ofensiva de Israel, o Irã também submeteu uma carta para o Conselho de Segurança descrevendo o ataque de Israel como um “ato de agressão deliberado, premeditado e em larga-escala” e realizado em total coordenação com os Estados Unidos. Segundo o Irã, a agressão de Israel seria uma violação à sua soberania e integridade territorial e estaria em violação à Carta da ONU. Em contrapartida, uma vez ilegalmente atacado, o Irã afirmou seu direito de agir em legítima defesa sob o Artigo 51 da Carta da ONU [5].

Israel, na tentativa de enquadrar suas ações dentro da linguagem oferecida pelo Direito Internacional, sustentou que a operação foi lançada como “a measure of last resort… after diplomacy proved ineffective”. [6] Embora a Carta não mencione o Artigo 51 da Carta da ONU, ou o conceito de legítima defesa, Israel afirma que estaria agindo para defender sua segurança e sua própria existência. Ademais, Israel afirma que a agressão Iraniana representa uma ameaça existencial à Israel e uma grave ameaça à paz e segurança internacional e que, sendo este o caso, Israel continuaria tomando todas as medidas necessárias para proteger a si e a seus cidadãos em total acordo com o direito internacional. [7]

Levando os argumentos de Israel à sério: a operação é legal?

A operação Rising Lion pode ser analisada a partir de diferentes regimes no Direito Internacional. A partir do Direito Internacional Humanitário, por exemplo, é possível questionar a legalidade dos ataques realizados por Israel a certos alvos, como à emissora nacional Iraniana, já que este não é um objeto que pode ser facilmente justificado como um objetivo militar claro [8]. No entanto, a análise aqui proposta se centrará na legalidade do uso da força, no campo do jus ad bellum.

No Direito Internacional, conforme prescrito pela Carta da ONU, a regra geral do jus ad bellum é que o uso da força é proibido [9]. Logo, a sua permissão não é presumida, mas sim garantida apenas nas situações excepcionais previstas pelo Direito Internacional. Nenhuma destas exceções é explicitamente citada pelo Estado de Israel em sua carta ao Conselho de Segurança, que acaba justificando seu uso da força em uma retórica de defesa de sua segurança de sua existência. Apesar disso, é possível perceber que Israel tenta articular institutos da legítima defesa a fim de justificar de alguma forma a legalidade de sua operação (tenta mostrar a necessidade da operação, fala em defesa de sua segurança, explica que foi uma medida de último recurso, etc.) [10].

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Para fins jurídicos, o uso da força em legítima defesa é considerado legal apenas quando cumpre com certas condições. Em primeiro lugar, é preciso que antes da resposta em legítima defesa, o Estado tenha sido alvo de um ataque armado, como afirmado múltiplas vezes pela Corte Internacional de Justiça: In the case of individual self-defence, the exercise of this right is subject to the State concerned having been the victim of an armed attack [11]. Além disso, o exercício do uso da força em legítima defesa deve ser necessário e proporcional em relação ao ataque sofrido [12].

No passado, a corte já demonstrou que diversas atitudes mais iminentes do que aquelas que Israel alegou que estavam sendo realizadas pelo Irã não garantiam, por si só, o direito de usar força em legítima defesa, como por exemplo o treinamento e transporte de tropas [13]. Aliás, certos argumentos levantados por Israel lembram argumentos que foram utilizados por Uganda para invocar o direito à legítima defesa, e descartados pela corte, por sublinharem interesses de segurança nacional e possuírem uma natureza preventiva [14]. Nesse sentido, é muito difícil dizer que a operação israelense teria qualquer legalidade à luz dos padrões definidos pela Corte Internacional de Justiça, já que não houve um ataque armado prévio Iraniano, nem nada perto disso.

A fim e a cabo, o uso da força israelense acaba dependendo de uma argumentação que justifique a legalidade de uma legítima defesa preventiva, que estaria sendo utilizada para prevenir possíveis futuros ataques armados que poderiam ser lançados pelo Irã, que de alguma forma estariam conectados com seu programa nuclear. Essa linha argumentativa não é totalmente estranha àqueles que acompanham o Direito Internacional, pois se assemelha ao argumento utilizado pelo governo de George Bush para sustentar sua doutrina preemptiva, que justificaria o uso da força diante de ameaças iminentes.

Esta doutrina preemptiva, como afirmado por Antony Anghie, expandiria até mesmo a doutrina de legítima defesa antecipatória e permitiria que um Estado agisse em legítima defesa quando confrontado por ameaças emergentes, com base em seu julgamento subjetivo de que poderia eventualmente sofrer um ataque armado [15].

A doutrina preemptiva foi fortemente criticada por muitos Estados, assim como pela doutrina, por sua inconsistência com o Direito Internacional e com os propósitos e os princípios das Nações Unidas. Afinal, como denunciado por Anghie a 20 anos atrás, aceitar sua plausibilidade, seria legalizar ofensivas nas quais Estados poderiam tomar ações preventivas contra seus rivais sob o argumento de que seu rival estaria se armando [16]. Qualquer semelhança entre a preocupação expressada por Anghie e a atual operação Rising Lion pode não ser apenas mera coincidência.

Operação Rising Lion e a dinâmica da diferença

Em um outro nível, é preocupante pensar como a articulação da doutrina preemptiva reflete retóricas utilizadas ao longo da história do Direito Internacional que propunham sua reconstrução a fim de justificar atitudes imperialistas. O próprio Antony Anghie é autor de profundas reflexões sobre como a articulação da noção de soberania, e a elaboração de doutrinas com ela relacionada, têm perpetuado interesses imperialistas desde a colonização, com a tentativa de autores como Francisco de Vitória de desenvolver teses que legitimassem a dominação colonial, até a guerra ao terror estadunidense, que buscou emplacar uma rearticulação da legítima defesa para perpetuar interesses imperialistas disfarçados de interesses de segurança nacional [17].

O conceito da dinâmica da diferença, proposto por Anghie, visa explicar o interminável processo no qual poderes imperialistas manufaturam uma falsa diferença entre duas culturas, na qual uma seria a universal e civilizada e a outra a particular e não-civilizada, e desenvolvem doutrinas a fim de normalizar a cultura aberrante [18]. Esta diferença é utilizada, então, como premissa para justificar a missão civilizatória, pautada no padrão civilizatório da cultura superior, na qual esta cultura irá ao resgate da cultura inferior, a fim de superar a diferença existente entre elas através da imposição de seu padrão civilizatório sobre o outro [19].

Na regulação desta relação entre desiguais, são permitidas ações que, a priori, seriam consideradas ilegais, mas que, por conta das doutrinas produzidas especialmente para regular esta relação entre culturas diferentes e hierarquizadas, passam a ser aceitadas se praticadas pelo sujeito civilizado contra o (ainda) não-civilizado. Assim, relações assimétricas são legitimadas e ações são legalizadas: o civilizado apenas pode usar força ilegalmente contra o não civilizado; o civilizado apenas pode possuir armas nucleares; o civilizado apenas pode atacar objetivos não-militares; o civilizado apenas pode não participar dos tratados sobre não-proliferação nuclear; e assim por diante.

É preocupante perceber como a Operação Rising Lion e a retórica articulada pelo Estado de Israel se assemelham a outras retóricas imperialistas ao longo da história do Direito Internacional. A ironia da retórica que justifica a utilização ilegal da força sobre um outro Estado porque este outro Estado está desenvolvendo um programa nuclear, ao mesmo tempo em que o Estado que ataca, não apenas também possui um programa nuclear, como já possui armas atômicas, é marcante e não passa despercebida.

 


[1] ASSOCIATED PRESS. The Latest: Death toll growns as Israel and Iran trade attacks for third day. In: ASSOCIATED PRESS. World News. 15 de Junho de 2025. Disponível aqui.

[2] MINISTER OF FOREIGN AFFAIRS. Letter from 17 June 2025. Disponível aqui.

[3] MURPHY, Francois. IAEA board declares Iran in breach of non-proliferation obligations. In: REUTERS. Reuters. 12 de Junho de 2025. Disponível aqui.

[4] SECURITY COUNCIL REPORT. Iran: Emergency Briefing. 19 de Juno de 2025. Disponível aqui

[5] Ibidem.

[6] MINISTER OF FOREIGN AFFAIRS. Letter from 17 June 2025. Disponível  aqui.

[7] Ibidem.

[8] Aqui vale lembrar a discussão ao redor da legalidade do ataque por parte da OTAN à Estação RTS na Sérbia durante a década de 1990. Esta discussão foi feita por este autor que vos escreve, em coautoria com a Professora Tatiana Squeff em: CARRIJO, Augusto Guimarães; DE AFR CARDOSO, Tatiana. Attacks Directed At Media Sources During Armed Conflicts. Cadernos Eletrônicos Direito Internacional sem Fronteiras, v. 5, n. 2, p. e20230212-e20230212, 2023.

[9] ONU. Carta da ONU, 26 de Junho de 1945. Artigo 2.4.

[10] MINISTER OF FOREIGN AFFAIRS. Letter from 17 June 2025. Disponível aqui.

[11] CIJ. Military Activities in and Against Nicaragua (Nicaragua v. United States of America). Judgment of 27 June 1986. Para. 195; CIJ. Oil Plataforms (Islamic Republic of Iran v. United States of America) Judgment of 6 November 2003. para. 51.

[12] CIJ. Oil Plataforms (Islamic Republic of Iran v. United States of America) Judgment of 6 November 2003.

[13] CIJ. Case Concerning Armed Activities on the Territory of the Congo (The Congo v. Uganda). Judgment of 19 December 2005.

[14] CIJ. Case Concerning Armed Activities on the Territory of the Congo (The Congo v. Uganda). Judgment of 19 December 2005.

[15] ANGHIE, Antony. The Bush Administration Preemption Doctrine and the United Nations. ASIL Proceedings, v. 98, 2004.

[16] ANGHIE, Antony. The Bush Administration Preemption Doctrine and the United Nations. ASIL Proceedings, v. 98, 2004.

[17] ANGHIE, Antony. The evolution of international law: colonial and postcolonial realities. Third world quarterly, v. 27, n. 5, p. 739-753, 2006.

[18] ANGHIE, Antony. Imperialism, sovereignty and the making of international law. Cambridge University Press, 2007.

[19] ANGHIE, Antony. Imperialism, sovereignty and the making of international law. Cambridge University Press, 2007.

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