Opinião

Extinção da punibilidade pelo pagamento nos crimes tributários: da jurisprudência do STJ

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  • é advogado criminalista graduado em Direito pela Unicuritiba (Centro Universitário Curitiba) e especialista em Direito e Processo Penal pela ABDConst (Academia Brasileira de Direito Constitucional).

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29 de junho de 2025, 9h19

A extinção da punibilidade pelo pagamento do débito tributário representa um ponto de interseção essencial entre o Direito Penal e o Direito Tributário. Este artigo analisa os fundamentos doutrinários e jurisprudenciais aplicáveis, com ênfase nas decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça, evidenciando os critérios técnicos que sustentam a estabilidade dessa orientação no ordenamento jurídico brasileiro.

Fundamentação legal e jurisprudencial

A extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo possui base em diversos diplomas legais. O artigo 9º, §2º, da Lei 10.684/2003 dispõe que a punibilidade se extingue com o pagamento integral do tributo, a qualquer tempo. Complementam essa previsão o artigo 34 da Lei 9.249/95 e o artigo 83, §4º, da Lei 9.430/96.

Segundo Bitencourt, o pagamento constitui causa legal de extinção da punibilidade, instituída como meio de regularização fiscal com finalidade político-criminal relevante: “possibilita ao Estado a arrecadação de ingresso de fontes impositivas ocultas (que de outro modo não seriam descobertas) e facilita o retorno do contribuinte à legalidade[1].

A jurisprudência do STJ é pacífica ao reconhecer que o pagamento integral, mesmo que após o recebimento da denúncia, inclusive após o trânsito em julgado da condenação, extingue a punibilidade, por exemplo STJ, RHC Nº 98.508, relator ministro Saldanha Palheiro, 6ª Turma, 13/11/2028; HC nº 362.478/SP, relator ministro Jorge Mussi 5ª Turma, 20/9/2027.

Entendimento este aplicável aos delitos tributários previstos nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90 e aos Crimes contra a Previdência Social, previstos nos artigos 168-A e 337-A do Código Penal.

Ademais, no HC 414.879/SP [2], o STJ aplicou o princípio da analogia in bonam partem a situações que, embora não tipificadas nos moldes estritos da legislação, envolviam finalidade arrecadatória.

A jurisprudência também distingue o pagamento voluntário da mera garantia ou penhora, rejeitando equiparações (cf. STJ, AgRg nos EDcl no AREsp Nº 2621568, Ministro Relator Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, 14/05/2025).

Requisitos jurídicos para reconhecimento da extinção

Nesse sentido, a fim de sistematizar a aplicação da jurisprudência, e o próprio texto legal, estabelece como requisitos para o reconhecimento da extinção da punibilidade: o pagamento integral do tributo e seus acessórios legais, realizado de forma voluntária.

A voluntariedade, aliás, constitui elemento relevante na discussão. A esse respeito, reafirmando tal compreensão, o Tribunal assim decidiu no AgRg nos EDcl no AREsp 2.621.568/RS [3], de relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca:

“4. Com relação ao pleito de suspensão da ação penal tendo em vista a garantia da dívida no processo de falência, o entendimento do Tribunal a quo está em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior, no sentido de que a “garantia do crédito tributário na execução fiscal – procedimento necessário para que o executado possa oferecer embargos — não possui, consoante o Código Tributário Nacional, natureza de pagamento voluntário ou de parcelamento da exação e, portanto, não fulmina a justa causa para a persecução penal, pois não configura hipótese taxativa de extinção da punibilidade ou de suspensão do processo penal” (RHC n. 65.221/PE, relator ministro Rogério Schietti Cruz, 6ª Turma, julgado em 7/6/2016, DJe 27/6/2016).

Adiante, o pagamento deve recair, nos termos legais, sobre o tributo e seus acessórios. Nesse sentido

 “4. O julgado impugnado que afastou a alegação de extinção da punibilidade pelo pagamento integral do débito tributário porquanto “a alegada quitação feita pelo acusado é referente à multa imposta e não a tributo sonegado, única hipótese em que há previsão de extinção da punibilidade pelo integral pagamento, conforme previsto nas legislações tributárias” (e-STJ fl. 185), encontra respaldo na jurisprudência pacífica desta Corte no sentido de que por se tratar de crime formal, é irrelevante o parcelamento e pagamento do tributo, não se aplicando, portanto, a extinção da punibilidade ou o princípio da insignificância” [4].

E na mesma linha, decidiu o STJ no AgRg no REsp nº 2039074, relator ministro Joel Ilan Pacioenik, 5ª Turma, 2/2/2024:

5. “Não é possível a aplicação analógica da norma prevista no art. 9º, § 2º, da Lei n. 10.684/2003 – que prevê a extinção da punibilidade dos crimes tributários em caso de pagamento integral do quantum debeatur -, dada a inexistência de semelhança relevante entre o pagamento e a prescrição, à luz da ratio legis que informa o dispositivo” (RHC n. 81.446/RJ, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 13/6/2017, DJe de 30/6/2017).

5.1. No caso, a extinção da ação de execução fiscal teve por fundamento o decurso do prazo de cinco anos do arquivamento pelo não pagamento do débito e pela ausência de oferecimento ou localização de bens à penhora, hipótese bastante diversa do “pagamento integral dos débitos” oriundo de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, exigidos no § 2º do art. 9º da Lei n. 10.684/2003.

Assim, a circunstância de, posteriormente, ter sido extinta a execução fiscal ajuizada, diante da caracterização da prescrição intercorrente do crédito tributário, não afeta a persecução penal.”

Parcelamento do tributo

Spacca

O parcelamento do débito tributário possui natureza jurídica diversa, gerando apenas a suspensão da pretensão punitiva (Lei 10.684/2003, artigo 9º). A extinção da punibilidade está condicionada ao adimplemento integral. Tal entendimento foi reafirmado no julgamento do STJ APn 459/AC, relator ministro Luiz Fux, Corte Especial, 17/12/2010).

Bitencourt destaca que mesmo parcelamentos concedidos após o recebimento da denúncia têm o condão de suspender a ação penal, desde que em conformidade com os regimes legais específicos, como os previstos nas Leis 9.964/2000, 10.684/2003 e 11.941/2009.

No mesmo sentido, é pacífico o entendimento de que a mera garantia do crédito tributário não equivale ao pagamento para fins de extinção da punibilidade. O simples oferecimento de fiança bancária, seguro-garantia ou penhora de bens não supre a exigência legal de adimplemento integral do tributo.

A esse respeito, o STJ decidiu no AgRg nos EDcl no AREsp 2.621.568/RS [5] e no AgRg no HC 463.615/SP [6] que a constituição de garantia não possui o mesmo efeito jurídico do pagamento efetivo para fins penais, sendo inaplicável, nesses casos, a causa extintiva da punibilidade.

Implicações do pagamento do tributo sobre crimes conexos: lavagem de capitais e organização criminosa

Importante destaque deve ser dado ao Informativo nº 805 do STJ, de 2 de abril de 2024, que analisou o AgRg no RHC 161.701/PB, relatoria do ministro Sebastião Reis Júnior, julgado por maioria pela 6ª Turma em 19/3/2024. O destaque do informativo apresenta a seguinte síntese:

“Crime contra a ordem tributária. Pagamento antes da constituição definitiva do crédito. Extinção da punibilidade no juízo de origem. Crimes conexos. Lavagem de capitais. Autonomia dos delitos. Acessoriedade limitada. Não ocorrência do crime de lavagem de dinheiro pela atipicidade dos fatos narrados como suposto delito antecedente. Organização criminosa. Ausência elemento do núcleo do tipo. Atipicidade das condutas.”

No caso, os agentes foram denunciados pelos crimes de sonegação fiscal, lavagem de capitais e organização criminosa. O pagamento integral do tributo e da multa ocorreu após o recebimento da denúncia, razão pela qual o juízo de primeiro grau declarou extinta a punibilidade em relação ao crime tributário, mas manteve a acusação quanto aos demais delitos conexos.

Os réus impetraram Habeas Corpus com pedido de trancamento da ação penal também em relação aos crimes de lavagem de capitais e organização criminosa. O STJ entendeu que, diante da inexistência de crime antecedente, restava afastada a tipicidade da lavagem de dinheiro, em razão do princípio da acessoriedade limitada.

Destacou-se no acórdão que: “a não existência de crime antecedente exclui a própria tipicidade do delito de lavagem de capitais. Como consequência, ausente a materialidade delitiva, está configurado o constrangimento ilegal. A mesma razão de decidir se aplica, neste caso, ao delito de organização criminosa” [7].

Considerações finais

A análise jurisprudencial revela um cenário de estabilidade e coerência no STJ quanto à aplicação da extinção da punibilidade pelo pagamento. A doutrina sustenta esse entendimento, destacando sua função político-criminal de estímulo à regularização fiscal e de limitação do poder punitivo estatal, bem como seus efeitos práticos ainda aos crimes acessórios.

 

 


Referências

[1] Bitencourt, Cezar Roberto. Oliveira, Luciana de. Crimes contra a ordem tributária. 2. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2023. p. 63 apud Miguel Ángel Iglesias Río, La regularización fiscal en el delito de defraudación tributaria, op. cit., p. 234-235; Luis Regis Prado. Direito Penal econômico. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 286.

[2] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 414879, Decisão monocrática. Ministro Relator Ribeiro Dantas, Dje 11/09/2017.

[3] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg nos EDcl no AREsp nº 2621568, Acórdão. Ministro Relator Reynaldo Soares da Fonseca, 14/05/2025.

[4] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no HC 946417/SC, Acórdão. Ministro Relator: Reynaldo Soares da Fonseca, DJE 23/12/2024.

[5] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg nos EDcl no AREsp nº 2621568, Acórdão. Ministro Relator Reynaldo Soares da Fonseca, 14/05/2025.

[6] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no nº HC 463615, Acórdão. Ministro Relator Antonio Saldanha Palheiro, 16/12/2024.

[7] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no RHC nº 161.701/PB, Acórdão. Ministro Sebastião Reis Júnior, 05/04/2024.

Autores

  • é advogado criminalista, graduado em Direito pela Unicuritiba (Centro Universitário Curitiba) e especialista em Direito e Processo Penal pela ABDConst (Academia Brasileira de Direito Constitucional).

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