Opinião

Em compasso de espera pelo 'registrador casamenteiro'

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29 de junho de 2025, 11h25

Há um ano, o Registro Civil brasileiro regozijou-se com a nova redação proposta para o artigo 1.533 pelo anteprojeto de revisão do Código Civil, ao permitir que o oficial de registro civil das pessoas naturais, ou seu preposto, se investido das funções de juiz de paz, seja a autoridade celebrante do casamento. Essa previsão, quando for aprovada e entrar em vigor, irá encerrar uma grande dificuldade que os cartórios enfrentam há tempos: convencer pessoas com idoneidade moral, livres de preconceitos e com desenvoltura para exercer o munus público de celebrar casamentos civis.

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Projeto propõe alterar mais de 1.100 artigos do Código Civil

O artigo 226 da CF/88 estabeleceu como premissa que o casamento é civil e gratuita a sua celebração. O artigo 98 da CF/88 dispôs sobre a criação da justiça de paz, remunerada, composta de cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos e competência para celebrar casamentos, verificar o processo de habilitação e exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas em lei.

Em que pese a previsão constitucional e a Recomendação nº 16/2008 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para que os Tribunais de Justiça enviassem projeto de lei às assembleias legislativas para agilizar a implementação da justiça de paz, o fato é que isso não ocorreu e as celebrações civis têm sido realizadas pelo que se pode identificar como juiz de casamento, já que a pessoa é nomeada especificamente para essa finalidade.

Note-se que a comissão de elaboração do anteprojeto não sugeriu algo inédito, e sim normatizou na lei civil a realidade de alguns estados [1] em que o registrador ou seu preposto já podem celebrar o casamento civil com base em provimentos dos Tribunais de Justiça. E essa autorização é consequência direta desses tribunais reconhecerem a dificuldade de se encontrar interessados aptos a realizar uma atividade tão solene e significativa, de forma adequada e gratuita.

Com a aprovação do anteprojeto, alguns estados perceberam a importância dessa regulamentação, a inexistência de qualquer ônus para o poder público e a ausência de impedimentos legais à celebração de casamentos pelo registrador civil. Nesse sentido, o Código de Normas Extrajudiciais da Paraíba, Provimento CGJ nº 100/2025, recentemente estabeleceu:

“Art. 569-B. O Juiz competente para celebrar o casamento civil, nos termos do art. 221 da Lei Complementar Estadual nº 96/2010 (Lei de Organização Judiciária do Estado da Paraíba – LOJE/PB), poderá delegar a função ao titular e/ou substituto do Ofício do registro civil das pessoas naturais da sua respectiva circunscrição” (grifo da articulista).

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A previsão na lei civil irá consolidar essa solução jurídica e dará fim não só a dificuldade de se encontrar pessoas aptas a presidir gratuitamente o casamento civil, mas também prevenir riscos de uma ausência injustificada do celebrante ou uma cerimônia mal conduzida, por indevidas manifestações homofóbicas, com preconceito racial, etário ou religioso por exemplo, o que pode ocasionar danos às partes e a responsabilização objetiva do Estado.

Resistência e espera

Cabe lembrar que em 2023, noticiou-se o caso de uma juíza de paz do Distrito Federal que, durante a celebração do casamento, referiu-se a um casal homoafetivo como “marido e mulher”. E no ano passado foi amplamente divulgado que dois juízes de paz nomeados pelo TJ-CE se recusaram a celebrar um casamento homoafetivo em determinada comarca, alegando “escusa de consciência religiosa”. Houve intervenção por parte do CNJ, em face do absurdo da situação, pois além da conduta ser discriminatória, trata-se de um ato civil, não religioso.

Dificilmente essas situações ocorreriam se o registrador conduzisse a cerimônia pois, além de ser um profissional do Direito aprovado em concurso público e, portanto, conhecedor dos direitos individuais, também seria o maior interessado em prevenir litígios.

Agora, mais de um ano após a apresentação da versão final do anteprojeto, verifica-se que alguns tribunais continuam resistentes à ideia e mantêm interpretações equivocadas, como a de que o registrador presidir o casamento civil configuraria cumulação indevida do múnus público com a titularidade da delegação. Assim, os cartórios localizados nesses estados aguardam ansiosamente a alteração da lei civil, para que finalmente os oficiais de registro e seus substitutos possam exercer mais essa atribuição sem restrições.

 


[1] Rio de Janeiro, Espírito Santo, Pernambuco e Rio Grande do Norte.

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