Licitações e Contratos

O pregão com múltiplas sessões e a preclusão nos recursos

Autor

  • é advogado sócio do escritório Jonas Lima Sociedade de Advocacia ex-assessor da Presidência da República especialista em Direito Público pelo IDP e em Compliance Regulatório pela Universidade da Pensilvânia e autor de cinco livros incluindo o bilingue Licitação Pública Internacional no Brasil (jonaslima@jonaslima.com).

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28 de junho de 2025, 14h15

Licitação pública não é um jogo de videogame que pode ser reiniciado em razão de um resultado não satisfatório, no caso, para que se repita recursos tantas vezes quantas forem as sessões complementares no sistema. E o tema deste artigo tem como ponto de partida o exercício da reconsideração pelo próprio pregoeiro, que inviabiliza o encaminhamento do recurso à autoridade superior, diante do artigo 165, §§ 1º e 2º, da Lei nº 14.133/2021. A partir daí se evidencia a preclusão consumativa (o recurso foi utilizado) e lógica (posições foram firmadas sobre o recurso), sendo que, nos certames com sessões múltiplas alguns licitantes insistem em repetições das matérias em recursos na nova sessão da licitação.

Recurso típico e a primeira consequência: o pregoeiro reconsidera

Na dinâmica do artigo 165 da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativo, o recurso interposto pelo licitante, se conhecido, é primeiramente avaliado pelo próprio pregoeiro, que pode, em juízo de retratação, reformar seu ato. Isso tem implicação concreta: se o pregoeiro reconsidera seu próprio ato de aceitar ou desclassificar proposta ou habilitar ou inabilitar licitante, o recurso sequer é encaminhado à autoridade superior (artigo 165, §2º da lei). Esse é o ponto de partida que exige atenção máxima, quando o certame é retomado, nova sessão iniciada no sistema (compras.gov.br ou outro), mas a este novo momento processual não representa uma “tela em branco” recursal.

A armadilha: tentativa de novo recurso sobre fato antigo

Não raros são os casos em que, diante da oportunidade da nova sessão, o licitante tenta se valer de um novo recurso administrativo sobre o mesmo fato anterior que já foi objeto de manifestação e reconsideração do pregoeiro. Ocorre aí uma violação à lógica recursal do procedimento: o recurso original já foi avaliado e solucionado no juízo de reconsideração, e não cabe rediscutir aquela mesma matéria sob nova roupagem. Tal conduta implica em preclusão consumativa e lógica, não devendo o novo recurso ser conhecido.

O modo correto de avançar com as discussões, diante da Lei nº 14.133/2021

Segundo o artigo 165, inciso I, da lei, cabe recurso em face de julgamento das propostas, habilitação ou inabilitação etc, sendo que, pelo parágrafo segundo, se a autoridade que praticou o ato reconsiderar o que havia feito tem-se esgotado o trâmite recursal original. Mas haveria uma saída alternativa, pouco utilizada: o licitante poderia manejar o pedido de reconsideração à autoridade superior, previsto no inciso II do mesmo artigo da lei, um instrumento que não é recurso típico, mas meio excepcional e específico para provocar o segundo grau de jurisdição administrativa, também em razão dos princípios da segregação de funções, do contraditório e da ampla defesa. Isso é abrir novas instâncias dentro do devido processo legal, sem repetir mesmas situações do começo.

Estratégia e técnica: cada etapa com seu remédio

O licitante diligente fica atento à cronologia e especialidade de cada fase do pregão: se ele questionar a decisão na sessão inicial, deve fazê-lo fundamentadamente e dentro do prazo, sendo que, se o pregoeiro reconsiderar o ato, estará encerrado o primeiro ciclo; e se, após reconsideração por aquela autoridade de origem, o licitante discordar, não deve repetir o recurso, mas formular pedido de reconsideração à autoridade superior, com foco em tratar de ilegalidade da reconsideração praticada pela autoridade de origem, mas não deixar o procedimento seguir e, na próxima sessão, repetir o mesmo recurso, “maquiado”, para rediscutir as mesmas situações já tratadas na sessão anterior. A preclusão é relevante.

Segurança jurídica e a impossibilidade de eternização processual

Permitir que, a cada nova sessão se abra nova oportunidade para discutir fatos passados violaria os princípios da segurança jurídica, da isonomia e da razoável duração do processo, em resumo, violações a vários dispositivos constitucionais e legais. O rito existe para disciplinar a marcha do certame, e o respeito aos seus limites é a garantia da sua integridade.

Spacca

Conclusão: é preciso saber a hora de virar a página

A tentativa de “reapresentar” o mesmo recurso em sessão superveniente configura erro técnico com consequências graves. Compete aos pregoeiros decidirem pelo “não conhecimento” de recursos assim interpostos, diante da falta de interesse recursal e da evidente preclusão. Já os licitantes, por sua vez, devem compreender que a multiplicidade de sessões não autoriza a multiplicidade de insurgências sobre o mesmo fato, nos mesmos meios jurídicos. Na licitação, não há espaço para “replay” de argumentos preclusos. O jogo segue e o rito exige que haja maturidade processual.

Autores

  • é advogado, sócio de Jonas Lima Sociedade de Advocacia, ex-assessor da Presidência da República, especialista em Direito Público pelo IDP e Compliance Regulatório pela Universidade da Pensilvânia e autor de cinco livros, incluindo "Licitação Pública Internacional no Brasil".

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