Portal Nacional de Contratações Públicas: janela de vidro para o dinheiro público
28 de junho de 2025, 13h26
Imagine uma casa de vidro onde todos os moradores precisam realizar suas atividades à vista de qualquer pessoa que passe na rua. Incômodo? Talvez. Mas necessário quando se trata de atividades realizadas com dinheiro público.

Esta é uma metáfora [1] para entendermos a importância do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) — que funciona como um repositório nacional de dados sobre contratações públicas —, já que gerir recursos públicos sem transparência e publicidade, usualmente, gera ineficiência e, até mesmo, abre espaço à corrupção.
Nesses termos, importante compreender que “a publicidade e a transparência são conceitos complementares” e que funcionam como “o fio condutor, o catalisador, o gatilho que assegura a ampla divulgação das atividades estatais de modo a coibir o desperdício de recursos públicos — seja pela ineficiência, seja pela adoção de posturas antiéticas.” [2]
Não é por acaso que a Constituição estabeleceu no caput do seu artigo 37 o princípio da publicidade como um “mandamento de transparência para todos aqueles que lidam com a coisa pública”. [3] Afinal, quando estamos falando de dinheiro público, nada mais justo que saibamos exatamente como, quando, onde, por que e por quem ele está sendo utilizado.
Objetivo do portal
Diante disso, o PNCP não se trata apenas de mais um sistema governamental, seu objetivo é reunir e concentrar informações diversas sobre contratações públicas em um só lugar. Informações como planos de contratação anuais, catálogos eletrônicos de padronização, editais de credenciamento e de pré-qualificação, avisos de contratação direta e editais de licitação e respectivos anexos, atas de registro de preços, contratos e termos aditivos, notas fiscais eletrônicas, etc. Tudo em um formato aberto e acessível a qualquer cidadão. É como se fosse o Instagram das licitações, só que com filtros para identificar gastos públicos.
Trata-se de um portal, portanto, que representa a evolução da administração pública, utilizando tecnologia para promover interação segura e eficiente entre os diversos agentes envolvidos nas contratações públicas. Isto é, uma ferramenta que garante espaço ao diálogo e ao desenvolvimento de contratações públicas mais eficientes, assegurando uma adequada prestação de serviços públicos e participação do cidadão no exercício do controle sobre a administração pública.
Nesses termos, pode-se afirmar que a principal finalidade do PNCP é “a centralização obrigatória de dados digitalizados para facilitar e ampliar a divulgação de informações pertinentes às contratações públicas e unificar cadastros, para uso interno e externo da administração pública” [4], permitindo, por consequência, maior transparência e acesso à informação.
Desafios do portal
Agora, em que pese a disciplina posta na nova regra geral de licitações e contratos administrativos sobre o caráter nacional do PNCP e, portanto, sua imposição a todos os entes da federação, a implementação dessa exigência tem sido marcada por desafios, conforme apontado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), no Acórdão 53/2025 — Plenário.[5]
A título de exemplo, de acordo com a avaliação da Corte de Contas, o índice de falha nas publicações, que já era de 73,3%, aumentou para 86,4%, evidenciando um problema crítico na efetivação do princípio da transparência.
Nesse ponto, o trabalho do TCU observou que a intenção de transformar o PNCP em um repositório nacional de dados qualificados sobre contratações públicas pode restar comprometida pelos problemas detectados na auditoria, seja em razão de lacunas informacionais, seja em razão de erros de preenchimento, que dificultam a transparência e comprometem o controle social e institucional.
Parece que a casa de vidro ainda tem muitas janelas embaçadas.
Reforçando essa constatação, outra fiscalização do Tribunal de Contas da União [6], que foi responsável por verificar o Grau de Maturidade dos órgãos e das entidades da administração pública quanto à implementação da Nova Lei de Licitações, identificou que 61,4% das entidades e órgãos públicos encontram-se em nível insuficiente de adequação à nova lei.
O problema, portanto, não parecer ser o PNCP, mas um problema de governança das contratações, ou melhor dizendo, da falta dela.
Governança de contratações
Em relação à governança das contratações, parte-se da compreensão do que disciplina o parágrafo único do artigo 11, da Lei 14.133/2021, que impõe à alta administração dos entes federados a responsabilidade de implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, com o intuito de: alcançar os objetivos estabelecidos no caput do artigo 11, promover um ambiente íntegro e confiável, assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias, e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações [7].
Como se pode notar, a Lei 14.133/2021 atribuiu à alta administração a responsabilidade de implementar processos e estruturas voltados “à efetiva entrega de benefícios às partes interessadas, com simultânea otimização de riscos e de recursos”, [8] o que, como visto, não tem sido cumprido.
Tal resultado, portanto, acende o alerta quanto à necessidade de que os entes federativos efetivamente implementem as disposições da Lei 14.133/2021, especialmente em razão da possibilidade de responsabilização da alta administração pela omissão na estruturação dos mecanismos de governança das contratações e do risco de sancionamento pelos órgãos de controle em razão de irregularidades nos seus processos de contratação. [9]
Assim, sugere-se a implementação de governança das contratações, a partir de metodologia técnica [10], baseada em processo de gestão de riscos e nas recomendações e diretrizes dos órgãos de controle, considerando as categorias de riscos orientadas pelo Plano de Gestão de Riscos da Operacionalização da Nova Lei de Licitações (PGRONLL): [11] regulamentação; sistemas; pessoas; estrutura e processos.
Naquilo que diz respeito à categoria “sistemas”, refere-se aos riscos de desenvolvimento e suporte dos sistemas de tecnologia da informação e comunicação necessários a dar suporte às contratações públicas, bem como aos riscos próprios ao Portal Nacional de Contratações Públicas, seja o de sua evolução e sustentação, seja o de integração de órgãos e entidades.
Risco de falhas nas publicações
Diante disso, implementar boas práticas de governança é responder aos índices de falha nas publicações no PNCP, sendo que os eventos que afetem a sua evolução, sustentação e integração, são riscos que devem ser levados em consideração no processo de operacionalização da Lei 14.133/2021, isto é, devem ser identificados, avaliados, classificados, tratados e devidamente monitorados, dentro de um adequado processo de gestão de riscos.
Pode-se concluir, portanto, que transparência não é uma opção, é necessidade. E, o PNCP representa um avanço significativo na modernização da administração pública brasileira, mas sua efetividade depende diretamente da qualidade da governança das contratações.
E, se pensarmos em um “direito fundamental à administração pública eficiente e eficaz, proporcional cumpridora de seus deveres, com transparência, motivação, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação social e à plena responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas”, [12] mais que uma obrigação legal, a implementação correta do PNCP é um imperativo ético e democrático.
Da mesma forma, a transparência nas contratações públicas não é apenas uma questão de cumprimento legal, mas de legitimidade democrática. Quando um gestor público resiste à transparência, é como se dissesse: “confie em mim, mas não olhe o que estou fazendo”. E, convenhamos, isso nunca termina bem.
[1] Sobre as metáforas, Daniel Solove destaca que são importantes ferramentas utilizadas para compreensão compartilhada de determinados temas, eis que permite as pessoas compreender e reagir prontamente à temática de uma forma palpável, potente e convincente. SOLOVE, Daniel J. The Digital Person: Technology and Privacy in the Information Age. NYU Press, 2004. p. 28. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=2899131. Acesso em 02 jan. 2025. Em igual sentido, Steven Winter sintetiza que a metáfora é um processo cognitivo pelo qual a mente projeta um mapeamento conceitual de um domínio de conhecimento para outro. WINTER, Steven L. A Clearing in the Forest: Law, Life, and Mind, The University of Chicago Press, 2003. p. 65.
[2] FERRAZ, Leonardo de Araújo. A transparência como ferramenta de legitimação do agir estatal por meio do impulsionamento da eficiência e integridade governamentais. In: ZENKNER, Marcelo; CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de (coord.). Compliance no setor público. Belo Horizonte: Fórum, 2020. p. 109.
[3] TOMELIN, Georghio; FARIA, Rafael. Artigo 54. In. DAL POZZO, Augusto; CAMMAROSANO, Márcio; ZOCKUN, Maurício (coord). Lei de licitações e contratos administrativos comentada: Lei 14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuters, 2021. p. 301.
[4] ANDRADE, Leticia Queiroz de. Artigos 174 a 176. In. DAL POZZO, Augusto; CAMMAROSANO, Márcio; ZOCKUN, Maurício (coord). Lei de licitações e contratos administrativos comentada: Lei 14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuters, 2021. p. 741.
[5] BRASIL. Tribunal de Contas da União – TCU. Aplicação da nova lei de licitações pela administração pública apresenta falhas. Disponível em: Aplicação da nova lei de licitações pela administração pública apresenta falhas – Notícias | Portal TCU Acesso em: 10 mar. 2025.
[6] BRASIL. Tribunal De Contas Da União – TCU. Acórdão 1917/2024 – Plenário. Rel. Benjamin Zymler. Data da sessão: 18/09/2024.
[7] ZILIOTTO, Mirela. Public Procurement Governance and Innovative Solutions, IMODEV, International Journal of Open Governments, vol. 12, 2023. p. 68-72. Disponível em: <http://ojs.imodev.org/index.php/RIGO>. Acesso em: 19 maio 2024.
[8] BRASIL. Tribunal De Contas Da União – TCU. Índices De Governança E Gestão De Órgãos E Entidades Da Administração Pública Federal De 2021 (IGG2021). Brasília: TCU, 2021. Disponível aqui.
[9] BRASIL. Tribunal De Contas Da União – TCU. Acórdão 1270/2023 – Plenário. Rel. Vital do Rêgo. Data da sessão: 21/06/2023.
[10] Sobre o tema conferir PIRONTI, Rodrigo; MOURA, Eduardo; ZILIOTTO, Mirela; TRASMONTANO, João. A nova lei de licitações para novos prefeitos. E-book. Disponível em: <E-Books – Pironti+Moura>. Acesso em: 25 de maio de 2025.
[11] BRASIL. Identificação e Avaliação de Riscos. Plano de Gestão de Riscos da Operacionalização da Nova Lei de Licitações (PGRONLL). Disponível em: < Identificação e avaliação de riscos na NLLC — Portal de Compras do Governo Federal>. Acesso em: 25 de maio de 2025.
[12] FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2013. p. 26.
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