Opinião

Eixo sobre reforma tributária: Imposto Seletivo e o novo sistema tributário

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  • é advogada servidora pública do Tribunal de Contas do DF mestre em Direito Tributário e Finanças Públicas pelo IDP/DF especialista em Direito Tributário pela Escola Educacional Damásio/SP com titulação em ESG pela Universidade Panthéon Sorbonne - Paris/França e titulação em Direito Público e Privado 4.0 pela Universidade de Coimbra (Portugal) membro do grupo de estudos Reforma Tributária e Jurisdição Constitucional pelo IDP/DF e membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/ CE.

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28 de junho de 2025, 9h23

A reforma tributária brasileira tem se consolidado como uma das principais propostas para reestruturar o sistema de arrecadação nacional, buscando maior racionalidade, equidade e eficiência na tributação sobre o consumo. Entre os principais instrumentos apresentados no novo modelo, destacam-se a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e o Imposto Seletivo. Esses mecanismos visam a substituir tributos acumulativos e desarticulados, propondo um sistema mais unificado, com base ampla de incidência e regras mais claras para contribuintes e entes arrecadadores.

A CBS e o IBS foram desenhados para simplificar a tributação sobre o consumo, eliminando distorções e ampliando a transparência. No entanto, como apontado por Saife, Malcher e Ferreira (2024), a adoção do IBS, ao buscar uniformidade na arrecadação, suscita debates quanto à sua aplicabilidade em operações específicas, como as que envolvem ativos digitais, o que revela a necessidade de adequações normativas contínuas. Ao lado desses tributos, o Imposto Seletivo surge com função regulatória, direcionado à tributação de bens que geram externalidades negativas, como tabaco e bebidas alcoólicas. A definição técnica e política dos critérios de incidência desse imposto é central para evitar excessos e garantir justiça fiscal.

Além disso, a convivência entre novos tributos pode gerar tensões normativas e operacionais. Como destacam Vantzing e Henkes (2024), a falta de clareza quanto à repartição de competências e à incidência sobre setores estratégicos, como a aviação civil, exige cautela para que não haja aumento de litígios nem impacto negativo em áreas sensíveis da economia. Ainda sob a perspectiva crítica, Borges (2024) alerta para a necessidade de considerar os impactos distributivos da reforma, destacando que a neutralidade tributária só será alcançada se o novo sistema também for sensível às desigualdades sociais e estruturais, inclusive sob a ótica de gênero.

Dessa forma, a análise do eixo temático referente ao Imposto Seletivo e aos novos tributos sobre o consumo se faz necessária para compreender como essas mudanças podem afetar a segurança jurídica, a arrecadação e a estrutura federativa. A proposta da reforma deve ser observada não apenas sob o ponto de vista técnico, mas também em relação aos seus efeitos práticos sobre setores econômicos, grupos sociais e a governança fiscal do país.

Este estudo se torna relevante diante das transformações promovidas pela recente reforma tributária brasileira, especialmente no que tange à implementação da CBS, do IBS e do Imposto Seletivo. Essas mudanças alteram substancialmente o panorama da arrecadação tributária, impactando diretamente a autonomia financeira dos entes federativos e a gestão fiscal local.

A complexidade inerente à coexistência desses tributos e a necessidade de uma coordenação eficaz entre os diferentes níveis de governo geram um cenário que exige análise detalhada, pois lacunas nas normativas podem provocar insegurança jurídica, conflitos tributários e desafios administrativos. Dessa forma, a pesquisa busca preencher essas lacunas, contribuindo para o entendimento técnico e político dos efeitos da reforma.

Além disso, a investigação é justificada pela importância de avaliar os efeitos sociais e econômicos dessas mudanças tributárias, principalmente quanto à tributação seletiva e seus reflexos sobre a população mais vulnerável. Garantir que a reforma respeite os princípios de justiça fiscal e pacto federativo é essencial para a sustentabilidade do sistema.

O objetivo geral visa a analisar os impactos da reforma tributária brasileira, com ênfase na implementação da CBS, do IBS e do Imposto Seletivo, sobre a autonomia financeira dos entes federativos e os desafios relacionados à coordenação e gestão tributária no contexto da descentralização fiscal.

Novo sistema tributário: CBS e IBS

O novo sistema tributário proposto no Brasil está centrado na criação de dois tributos principais sobre o consumo: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de caráter compartilhado entre União, estados e municípios. Ambos seguem a lógica do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), amplamente adotado em sistemas tributários de outros países, buscando promover maior simplicidade, transparência e neutralidade econômica.

Spacca

A CBS deverá substituir os atuais PIS e Cofins, agregando sua arrecadação em uma única base não cumulativa. Já o IBS substituirá o ICMS e o ISS, representando um esforço de uniformização da tributação subnacional. Essa mudança visa a superar as distorções provocadas pela guerra fiscal e os conflitos de competência entre os entes federativos, contribuindo para uma base de arrecadação mais estável e previsível. Segundo Saife, Malcher e Ferreira (2024), o novo arranjo tributário exige atenção especial em setores emergentes, como os que envolvem criptoativos, nos quais a ausência de regulamentação consolidada pode gerar insegurança jurídica e evasão fiscal.

O modelo também busca assegurar que a arrecadação ocorra no destino do consumo, e não na origem da produção, o que tende a beneficiar estados menos industrializados e municípios de menor porte. Essa mudança é vista como um avanço na redistribuição da carga tributária, embora dependa da definição precisa de alíquotas, regras de transição e compensação entre os entes, especialmente nos primeiros anos de vigência.

Apesar dos avanços propostos, é preciso considerar os riscos envolvidos. Como analisado por Vantzing e Henkes (2024), há setores como o da aviação civil que podem ser impactados de forma desproporcional pela nova configuração tributária, especialmente se não houver sensibilidade quanto às especificidades operacionais e margens de rentabilidade dessas atividades. Assim, a calibragem da incidência tributária deve ser acompanhada de estudos setoriais que orientem ajustes normativos e regulatórios.

Além disso, Borges (2024) levanta um ponto crucial ao afirmar que a neutralidade prometida pela reforma pode falhar se não forem adotadas medidas de correção de desigualdades sociais e regionais. A reforma precisa ser acompanhada de mecanismos redistributivos e de políticas compensatórias que preservem a justiça fiscal, sob risco de manter ou até aprofundar as desigualdades já existentes no sistema de consumo.

Outro aspecto central do novo sistema é a necessidade de governança integrada e interoperabilidade entre os entes federados na gestão do IBS, dado seu caráter compartilhado. Essa configuração exige a criação de um Comitê Gestor Nacional, com representação equitativa entre União, estados e municípios, responsável pela regulamentação, fiscalização e distribuição das receitas. A efetividade dessa instância será determinante para garantir o equilíbrio federativo e a previsibilidade no repasse de recursos, especialmente para os entes com menor capacidade arrecadatória.

A tecnologia também desempenhará papel estratégico na operacionalização do novo modelo. Sistemas digitais de emissão de notas fiscais, interoperabilidade de dados e transparência em tempo real da arrecadação serão fundamentais para viabilizar a aplicação de alíquotas uniformes, evitar a bitributação e assegurar o cumprimento das obrigações acessórias. A simplificação prometida pela reforma dependerá da maturidade técnica dos sistemas fiscais e da capacitação das administrações tributárias, principalmente nos municípios. A reforma tributária visa a simplificar tributos e fortalecer o equilíbrio entre os entes federativos.

Convivência entre CBS, IBS e IS

A integração da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e do Imposto Seletivo no contexto da reforma tributária brasileira apresenta desafios complexos, especialmente no que tange à definição clara de suas competências e bases de incidência. Enquanto a CBS e o IBS têm como objetivo a simplificação e unificação da tributação sobre o consumo, o IS mantém uma função específica de controle e regulação, incidindo sobre produtos que causam efeitos negativos à saúde pública e ao meio ambiente.

Um dos principais desafios está na delimitação precisa dos produtos que serão atingidos pelo Imposto Seletivo, evitando-se a sobreposição ou dupla tributação em relação à CBS e ao IBS. Essa definição exige critérios técnicos rigorosos, que permitam a aplicação do imposto de forma justa e eficiente, sem comprometer a coerência do sistema tributário como um todo. A ausência de normas claras pode gerar insegurança para os contribuintes e dificultar a gestão tributária pelos entes federativos.

Além disso, a coordenação entre os diferentes níveis de governo é essencial para garantir que a coexistência desses tributos não prejudique o pacto federativo nem o equilíbrio financeiro das unidades da federação. A experiência internacional indica que a harmonização entre impostos gerais e seletivos depende de mecanismos institucionais eficazes para evitar conflitos e garantir transparência na arrecadação.

Por fim, é fundamental que a tributação seletiva considere os impactos econômicos e sociais, prevenindo a incidência excessiva sobre bens essenciais ou produtos consumidos por parcelas vulneráveis da população. O uso do IS como instrumento regulatório deve estar alinhado a políticas públicas que promovam a saúde e a sustentabilidade, sem comprometer a equidade fiscal.

É importante destacar que a coexistência entre CBS, IBS e Imposto Seletivo demanda um sistema de governança tributária robusto, capaz de promover o monitoramento contínuo dos efeitos econômicos e fiscais dessas tributações. A implementação de plataformas integradas de gestão e fiscalização pode contribuir para a redução de falhas na arrecadação e para o combate à evasão e elisão fiscal, assegurando maior eficiência administrativa.

Outro ponto relevante é a necessidade de capacitação técnica dos órgãos fazendários dos entes federativos para lidar com a complexidade do novo modelo tributário. A uniformização dos procedimentos de arrecadação e controle, aliada ao intercâmbio de informações entre os níveis de governo, reforça a segurança jurídica e a transparência, elementos essenciais para a confiança dos contribuintes e para a estabilidade do sistema.

Além disso, a estruturação adequada das políticas compensatórias e a definição clara dos critérios para repasse dos recursos arrecadados são fundamentais para mitigar eventuais perdas financeiras, especialmente para estados e municípios com menor capacidade contributiva. Isso garante que a reforma tributária não agrave as desigualdades regionais nem comprometa os serviços públicos essenciais.

A consolidação da convivência harmoniosa entre esses tributos deve ser acompanhada por avaliações periódicas dos seus impactos fiscais, sociais e econômicos, permitindo ajustes regulatórios e estratégicos que assegurem a evolução do sistema tributário em consonância com os objetivos de justiça fiscal, eficiência e sustentabilidade.

Conclusão

A implementação da reforma tributária brasileira, por meio da instituição da CBS, do IBS e do Imposto Seletivo, representa uma significativa reestruturação do arcabouço fiscal nacional, com o objetivo de promover a simplificação do sistema tributário sobre o consumo e a uniformização das bases arrecadatórias. Essa reorganização pretende otimizar a arrecadação e aprimorar a distribuição dos recursos entre os entes federativos, fortalecendo o pacto federativo.

Todavia, a efetividade dessa reforma está condicionada à elaboração de normativas claras e detalhadas, bem como à coordenação intergovernamental para mitigar riscos de bitributação e sobreposição fiscal. O estabelecimento de mecanismos institucionais eficientes para a cooperação entre União, estados e municípios é crucial para a manutenção da autonomia subnacional e a prevenção de conflitos jurídicos e administrativos.

É imperativo que o desenho do sistema tributário considere os impactos distributivos e socioeconômicos, assegurando que a carga tributária não onere excessivamente as camadas populacionais vulneráveis ou setores estratégicos da economia. A aplicação do IS deve ser respaldada por critérios técnicos rigorosos que justifiquem sua função regulatória e minimizem distorções econômicas.

Em síntese, a consolidação da reforma tributária brasileira demanda a conjugação de esforços legislativos, técnicos e administrativos, com ênfase no diálogo federativo e no fortalecimento da capacidade institucional, visando a construção de um sistema tributário mais eficiente, equitativo e sustentável.

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Referências bibliográficas

BORGES, L. A Reforma Tributária Do Consumo Sob Uma Perspectiva De Gênero. Revista de Direito Tributário da APET, [S. I.], 2024. Disponível aqui.

SAIFE, L. S.; MALCHER, R. V. C.; FERREIRA, L. C. S. O IBS E A REFORMA TRIBUTÁRIA: UMA ANÁLISE DO IMPOSTO ÚNICO FRENTE ÀS OPERAÇÕES ENVOLVENDO O BITCOIN. Revista Foco, [S.I.], 2024.

VANTZING, W. P.; HENKES, J. A. Uma Análise Da Reforma Tributária Em Tramitação No Congresso Nacional E As Possíveis Consequências Na Aviação Civil. Revista Brasileira De Aviação Civil & Ciências Aeronáuticas, [S.I.], 2024. Disponível aqui

Autores

  • é advogada, servidora pública do Tribunal de Contas do DF, mestre em Direito Tributário e Finanças Públicas pelo IDP/DF, especialista em Direito Tributário pela Escola Educacional Damásio/SP, com titulação em ESG pela Universidade Panthéon Sorbonne - Paris/França e titulação em Direito Público e Privado 4.0 pela Universidade de Coimbra (Portugal), membro do grupo de estudos Reforma Tributária e Jurisdição Constitucional pelo IDP/DF e membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/ CE.

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