O critério material do Imposto Seletivo e o fenômeno da bitributação constitucional
27 de junho de 2025, 7h02
A Emenda Constitucional nº 132/2023 trouxe novidades no sistema tributário brasileiro, para além da composição unificada do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que abarca a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Uma dessas exceções foi a criação do Imposto Seletivo (IS), que incidirá sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Embora haja discussão acerca da constitucionalidade e da finalidade do critério material desse tributo, o legislador lhe atribuiu natureza regulatória e indutiva, ou seja, instituiu-se a tributação com a finalidade de proteger a saúde e/ou o meio ambiente, atingindo bens ou serviços considerados prejudiciais,
Entretanto, ainda que o objeto do texto não seja a análise da referida constitucionalidade, a controvérsia é relevante, uma vez que servirá de auferição, mais a frente, para a distinção e permissividade aqui pretendida, que é a inserção pelo enunciado prescritivo da EC nº 123/23 do termo comercialização como componente material do IS.
Isso porque, a amplitude do critério material do IBS [1], que absorveu o ICMS, também comporta a comercialização de mercadorias. Daí, surge o questionamento: Pode incidir o mesmo fato gerador sobre dois tributos distintos, e mais, de competência de entes também distintos?
A dúvida é pertinente por diversos motivos, entre eles o fato de que o IS incidirá ‘por fora’, ou seja, será calculado sobre o preço final da operação, já com o IBS e a CBS incluídos, o que pode elevar excessivamente a carga tributária de determinados produtos, além de, possivelmente, caracterizar o fenômeno da bitributação.
Entende-se por bitributação a instituição de tributos distintos, por diferentes entes federativos, sobre um mesmo fato gerador [2]. Considerando que os estados, o Distrito Federal e os municípios são os titulares da competência para o IBS, enquanto a União é titular do IS, estar-se-ia diante de provável bitributação na hipótese de comercialização de um produto considerado prejudicial à saúde e/ou ao meio ambiente.
Fundamento para a bitributação
Contudo, retorna-se neste momento ao critério finalístico do IS e do IBS para determinar a ocorrência ou não do fenômeno mencionado. É proeminente a discussão doutrinária acerca da função do Imposto Seletivo, se fiscal ou extrafiscal. A primeira (fiscal) relaciona-se à capacidade econômica do contribuinte, em razão de sua característica arrecadatória, desprovida de finalidade indutora. Já a segunda (extrafiscal) decorre de uma finalidade concreta, expressamente delineada pela norma, intimamente vinculada ao objeto definido constitucionalmente, que, no caso do IS, é a prejudicialidade do bem ou serviço à saúde e/ou ao meio ambiente [3].

Dessa forma, pressupõe-se que, conforme o ditame constitucional, o IS constituiu sua função extrafiscal, em razão da concretude e especificidade contida no enunciado prescritivo. Assim sendo, não há outra hipótese que incida o IS, senão os fatos sociais que se relacionem com bens ou serviços nocivos à saúde e meio ambiente. Por outro lado, o IBS detém finalidade distinta, qual seja, fiscal e arrecadatória, uma vez que destina-se a tributação sobre o consumo, em sentido amplo, de bens e serviços,.
A questão, ainda que objeto de discussão, não é nova. Recorda-se o ocorrido, de forma similar, com relação ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Quando há a importação de determinado bem, o denominado ‘desembaraço aduaneiro’ constitui o fato gerador do IPI, de competência da União, bem como do ICMS-Importação, cuja competência é dos Estados.
Da mesma forma, o que distingue os dois impostos é a sua finalidade. Enquanto o IPI possui caráter extrafiscal, com o objetivo de estimular ou desestimular o consumo de determinados produtos, o ICMS limita-se a desempenhar função meramente arrecadatória.
Por essa razão, verifica-se que a dicotomia finalística entre o IBS e o IS constitui fundamento para a permissibilidade da bitributação, tal como já ocorria entre o IPI e o ICMS. Embora, como regra geral, a prática seja vedada, há exceções expressamente previstas na Constituição, como já se admitia anteriormente e agora se reforça com a edição da Emenda Constitucional nº 132/23.
[1] BARBOSA LYRA, João Paulo. Quão Amplo é o Critério Material do Fato Gerador do IBS?. Revista Direito Tributário Atual, [S. l.], n. 59, p. 262–281, 2025. DOI: 10.46801/2595-6280.59.12.2025.2693. Disponível em: https://revista.ibdt.org.br/index.php/RDTA/article/view/2693. Acesso em: 24 jun. 2025
[2] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 689
[3] QUEIROZ CAMARA, de Aristoteles. A função do Imposto Seletivo. Consultor Jurídico, 23 abr. 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-abr-23/a-funcao-do-imposto-seletivo/. Acesso em: 24 jun. 2025
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