Reflexões Trabalhistas

Direito do Trabalho: negociações coletivas e novas tecnologias

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27 de junho de 2025, 8h00

O universo do Direito do Trabalho se alterou profundamente desde as primeiras formas de preocupação com a proteção dos trabalhadores. Atualmente, as transformações são imprevisíveis e incontroláveis e não há lei que possa estabelecer de forma definitiva uma adequação do trabalho às dinâmicas que as novas tecnologias impõem às empresas e aos trabalhadores. Os controles oriundos da lei, já se demonstrou, são superados e ultrapassados em curto espaço de tempo.

Diante disso, pergunta-se qual seria o instrumento mais adequado para acompanhar, de um lado, as necessidades do trabalho do ponto de vista da empresa e, de outro lado, uma forma de proteção social aos trabalhadores, empregados ou não empregados, dando-lhes suporte jurídico capaz de minimizar os conflitos trabalhistas. Outro questionamento possível diz respeito à estrutura sindical que suportamos há mais de 80 anos, se teria ela capacidade para atuar de modo consistente e legítimo a fim de estabelecer instrumentalização suficientemente eficaz para evitar conflitos e disputas judiciais intermináveis.

As transformações trabalhistas, impulsionadas pelo desenvolvimento tecnológico, também chamado capitalismo de plataforma, aumentaram a precarização da mão de obra e, de forma nítida, dispersaram os trabalhadores com interesses multifacetados, levando o Direito do Trabalho para uma individualização crescente fruto da gamificação do trabalho.

As discussões que envolvem a prestação de serviços de trabalhadores por meio de plataformas digitais e a natureza jurídica do vínculo de trabalho trouxeram o questionamento frequente da própria existência do Direito do Trabalho. De fato, os trabalhadores foram levados pela oportunidade de trabalho rápido e fácil (gig economy) com a uberização ou plataformização na prestação de serviços (ou outro nome que se queira dar), transformando-se, de modo extremamente veloz, como principal elemento desagregador do modelo clássico de proteção nas relações trabalhistas, especialmente porque, focada em geral na relação contratual individual, apregoa-se a liberdade de contratar com preponderância absoluta do exercício da autonomia da vontade.

Desse modo, a sustentação da importância do Direito do Trabalho, visto pelo conteúdo da relação jurídica de trabalho na perspectiva individual, em especial após a reforma trabalhista de 2017, tende a apresentar certa fragilidade pois, de maneira objetiva, a reforma da lei impõe sua aplicação. O esvaziamento dos conteúdos norteadores do sistema de proteção trabalhista é consequência que passa por questionamentos que colocam em dúvida a prevalência do modelo trabalhista do século passado e dos princípios históricos que deram origem à sua formação.

Diante da diversidade e pulverização de situações trabalhistas, fomentadas especialmente pelas novas tecnologias, há flagrante dificuldade de acolhimento no modelo tradicional protecionista no campo trabalhista stricto sensu. A defesa do Direito do Trabalho, nessa perspectiva, poderia enfraquecer sua prevalência nas novas relações contratuais e seria superado, com certa facilidade, pela aplicação da lei que trata dos direitos e garantias individuais.

Nova morfologia do trabalho

Dessa feita, talvez seja o momento (já tardio) de o direito coletivo se apresentar de modo mais efetivo e abraçar o protagonismo de introdução de novas dimensões nas relações de trabalho e, desse modo, valorizar a identidade do Direito do Trabalho sob a perspectiva de negociações coletivas transformadora e de resultados efetivos.

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Entretanto, para as entidades sindicais, é enorme o desafio que passa pela necessária reorganização sindical e que envolveria a revisão de padrões de comportamentos conservadores e octagenários.

Talvez, a primeira missão do movimento sindical seja a de assumir que o sindicalismo deve abranger os trabalhadores em geral, afastando-se da noção de categoria, historicamente criada ou inventada para proteger dirigentes sindicais, mas que serviu para dividir forças, criando, no movimento que deveria ser uno, divisões de classe, muitas vezes no mesmo local de trabalho, perenizando a desigualdade entre iguais. O sindicalismo de categoria representa um auto- abandono da própria classe trabalhadora.

A organização sindical deve ficar atenta ao que Ricardo Antunes [1] chama de “nova morfologia do trabalho” que

“compreende desde os operariados industrial e rural clássicos, em relativo processo de encolhimento […] até os assalariados de serviços, os novos contingentes de homens e mulheres terceirizados, subcontratados, temporários em processo de ampliação. Já a nova morfologia pode presenciar, simultaneamente, a retração do operariado industrial de base tayloriano-fordista e a ampliação, segundo a lógica da flexibilidade toyotizada, das novas modalidades de trabalho, das quais são exemplos as trabalhadoras de telemarketing e call center, os motoboys que morrem nas ruas e avenidas, os digitadores que laboram (e se lesionam) um nos bancos, os assalariados do fast food, os trabalhadores jovens dos hipermercados etc.”

De outro lado, as negociações coletivas deveriam abandonar a tradição de negociação utilizada com certa frequência para corrigir o passado (que já não existe mais) e que torna supérfluo qualquer avanço que se obtenha. As negociações deveriam primar pela visão de futuro, (que também ainda não existe, dirão alguns), mas que poderão encetar, com certa previsibilidade, condições que possam se adequar o trabalho e as funções às dinâmicas das evoluções tecnológicas, garantindo a participação e o envolvimento no crescimento pessoal dos trabalhadores de tal modo que as qualificações profissionais não se percam no tempo e os trabalhadores estejam sempre aptos a novos desafios dos avanços tecnológicos.

A dinâmica do direito coletivo do trabalho poderia ir além do que já vem fazendo, recuperando a identidade do Direito do Trabalho dando-lhe maior sustentação e ampliando de forma significativa seu campo de aplicação, valorizando o futuro das relações trabalhistas.

 


[1] Os sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho.3ª ed. São Paulo: Boitempo, 2025. p.261.

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