Contrato de integração vertical e a reforma tributária do consumo para o agronegócio
27 de junho de 2025, 8h00
A reforma tributária sobre o consumo em andamento
Como já amplamente divulgado, tivemos a promulgação e publicação da Emenda Constitucional nº 132/2023, a qual, entre outras alterações, inaugura a reforma tributária sobre o consumo, cabendo destacar, em breve síntese, a extinção dos tributos PIS/Cofins, ICMS e ISS, com a substituição pelo IBS e CBS, denominados em geral como IVA-dual brasileiro.
Embora existam diferenças entre tais tributos, em regra, ambos estão disciplinados por lei complementar [1], cabendo destacar o advento da Lei Complementar nº 214/2025.
A reforma tributária e o regime diferenciado ao agronegócio [2]
O texto constitucional aprovado e regulamentado por lei complementar, reconhece ao setor do agronegócio, acertadamente, um regime diferenciado [3] a fim de buscar, mesmo que, parcialmente, respeitar suas peculiaridades e relevância do ponto de vista da produção de alimentos e energia renovável e limpa, razão pela qual estabelece alguns pilares estruturantes deste regramento.
O primeiro deles diz respeito à redução de alíquota no percentual de 60% para alimentos destinados ao consumo humano (artigo 135, da LC 214/25), produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura (artigo 137, da LC 214/25) e insumos agropecuários e aquícolas (artigo 138, LC 214/25).
Por sua vez, ainda estabelece que haverá alíquota zero para a venda de produtos destinados à alimentação humana que compõem a Cesta Básica Nacional de Alimentos (artigo 125, LC 214/25), bem como redução da alíquota em 100% sobre o fornecimento dos produtos hortícolas, frutas e ovos (artigo 148, LC 214/25).
Ainda entre as bases deste tratamento diferenciado e favorecido, temos a previsão de que os produtores rurais pessoas física e/ou jurídica que auferir receita inferior a R$ 3,6 milhões no ano calendário e o produtor rural integrado não serão contribuintes do IBS e CBS, embora exista a opção de se tornarem contribuintes regular (artigo 164 e ss LC 214/25). Na hipótese de não contribuinte, há previsão de crédito presumido para quem adquirir de tais produtos e serviços.
Lembramos, ainda, da previsão do artigo 110, da Lei Complementar nº 214/25, de redução a zero da alíquota de IBS e CBS no fornecimento e importação de “tratores, máquinas e implementos agrícolas, destinados a produtor rural não contribuinte”.
Para encerrar, convém destacar a previsão de suspensão para produtos agropecuários “in natura”, destinados à industrialização por pessoas jurídicas preponderantemente exportadoras (artigo 82, LC 214/215), bem como o regime favorecido para os biocombustíveis (artigo 225, CF e artigo 172 e ss, LC 214/25).
Produtor rural integrado e a reforma tributária
Como já dito, a Emenda Constitucional nº 132/2023, estabeleceu no artigo 9º, que:
“Art. 9º A lei complementar que instituir o imposto de que trata o art. 156-A e a contribuição de que trata o art. 195, V, ambos da Constituição Federal, poderá prever os regimes diferenciados de tributação de que trata este artigo, desde que sejam uniformes em todo o território nacional e sejam realizados os respectivos ajustes nas alíquotas de referência com vistas a reequilibrar a arrecadação da esfera federativa.
(…)
§4º O produtor rural pessoa física ou jurídica que obtiver receita anual inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais), atualizada anualmente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), e o produtor integrado de que trata o art. 2º, II, da Lei nº 13.288, de 16 de maio de 2016, com a redação vigente em 31 de maio de 2023, poderão optar por ser contribuintes dos tributos de que trata o caput.
§5º É autorizada a concessão de crédito ao contribuinte adquirente de bens e serviços de produtor rural pessoa física ou jurídica que não opte por ser contribuinte na hipótese de que trata o § 4º, nos termos da lei complementar, observado o seguinte (…)”
Temos, assim, em patamar constitucional, a previsão de que, dentro da previsão por lei complementar de regimes diferenciados de tributação, caberia estabelecer que o “produtor integrado de que trata o art. 2º, II, da Lei nº 13.288, de 16 de maio de 2016, com a redação vigente em 31 de maio de 2023, poderão optar por ser contribuintes dos tributos de que trata o caput”.

Equivale dizer: o produtor rural – física ou jurídica – integrado, não seria, em regra, contribuinte do IBS e CBS. Segundo dispõe a própria legislação, tratar-se-ia daquele produtor “agrossilvipastoril, pessoa física ou jurídica, que, individualmente ou de forma associativa, com ou sem a cooperação laboral de empregados, se vincula ao integrador por meio de contrato de integração vertical, recebendo bens ou serviços para a produção e para o fornecimento de matéria-prima, bens intermediários ou bens de consumo final” (artigo 2º, II, da Lei nº 12.388/2016) [4].
Não sendo contribuinte, por conseguinte, teríamos entre outras consequências, a impossibilidade da tomada de crédito de tais tributos – IBS/CBS – nas aquisições em geral, por força da não cumulatividade, como também inexistência de apuração e o respectivo recolhimento de tais tributos. Estariam, portanto, mesmo que, parcialmente, à margem da tributação sobre o consumo pelo IBS e CBS.
Todavia, a fim de impedir a distorção na cadeia e respeitar a não cumulatividade, houve previsão de crédito presumido, como enuncia o § 5º “É autorizada a concessão de crédito ao contribuinte adquirente de bens e serviços de produtor rural pessoa física ou jurídica que não opte por ser contribuinte na hipótese de que trata o § 4º, nos termos da lei complementar”.
Em regulamentação de referida previsão constitucional, a Lei Complementar nº 214/25, ao tratar do produtor rural integrado, estabelece, em especial, que:
“Art. 164. O produtor rural pessoa física ou jurídica que auferir receita inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais) no ano-calendário e o produtor rural integrado não serão considerados contribuintes do IBS e da CBS.
(…)
Art. 165. O produtor rural ou o produtor rural integrado poderão optar, a qualquer tempo, por se inscrever como contribuinte do IBS e da CBS no regime regular.
§1º Os efeitos da opção prevista no caputdeste artigo iniciar-se-ão a partir do primeiro dia do mês subsequente àquele em que realizada a solicitação.
(…)
§2º A opção pela inscrição nos termos do caputdeste artigo será irretratável para todo o ano-calendário e aplicar-se-á aos anos-calendário subsequentes, observado o disposto no art. 166 desta Lei Complementar.
(…)
Art. 166. O produtor rural ou o produtor rural integrado poderão renunciar à opção de que trata o art. 165 na forma do regulamento, observado o disposto no § 5º do art. 41 desta Lei Complementar.
Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, o produtor rural ou o produtor rural integrado deixarão de ser contribuintes do IBS e da CBS a partir do primeiro dia do ano-calendário seguinte à renúncia da opção, observado o disposto no art. 164 desta Lei Complementar.
(…)
Art. 168. O contribuinte de IBS e de CBS sujeito ao regime regular poderá apropriar créditos presumidos dos referidos tributos relativos às aquisições de bens e serviços de produtor rural ou de produtor rural integrado, não contribuintes, de que trata o art. 164 desta Lei Complementar.
(…)
§2º Na hipótese de bem ou serviço fornecido por produtor integrado, o valor da operação de que trata o inciso I do § 1º deste artigo será o valor da remuneração do produtor integrado determinado com base no contrato de integração (…).”
Sob a perspectiva da Lei Complementar, podemos concluir, de início, quanto ao produtor rural integrado: (1) – em regra, não é contribuinte do IBS/CBS; (2) – poderá, no entanto, optar por se tornar contribuinte regular, aplicando-se, de forma irrenunciável, para todo o ano calendário; (3) – como não contribuinte, ao fornecer bem ou serviço, gerará crédito presumido sobre o valor da operação, que será a remuneração do produtor integrado, segundo contrato de integração.
Numa análise inicial, tudo para muito simples, ou seja, o produtor rural integrado não contribuinte: (1) – não precisará apurará crédito e débito de IBS/CBS; e (2) – quem adquirir o serviço ou bem (integrador) terá direito ao crédito presumido sobre o valor da remuneração estabelecida em contrato de integração.
Todavia, estes regramentos não são suficientes para esclarecer todos os efeitos fiscais relacionados ao IBS e CBS quando se trata de um contrato de integração, até porque, como posto, houve somente a previsão de que um dos participantes do contrato de integração vertical não seja contribuinte. E, como é de conhecimento, trata-se de um negócio jurídico onde “as partes contratantes se unem visando conciliar recursos (riscos) e esforços (expertise), pela distribuição justa de resultado” [5].
É preciso compreender como se darão os reflexos tributários na relação jurídica contratual de integração vertical, sobretudo, em face do integrador, uma vez que este contrato não está fora do regime regular, embora receba, dentro da cadeia do agronegócio, o regramento do regime diferenciado.
Um primeiro aspecto. O integrador – contribuinte regular do IBS/CBS – ao adquirir insumos que serão direcionados ao produtor rural integrado não contribuinte: (1) – gozará do diferimento do artigo 138 da Lei Complementar ou seria uma hipótese de não incidência? (2) – nesta hipótese, a transferência ao produtor rural integrado não contribuinte encerra a cadeia deste diferimento?; (3) – no caso de eventuais bens e serviços adquiridos pelo integrador para emprego no contrato de integração em face do integrado não contribuinte, o crédito de IBS/CBS do regime não cumulativo é mantido ou deve ser estornado?
Por sua vez, como segundo aspecto. Diante do contrato de integração o produto rural não contribuinte, receberá, conforme referido negócio jurídico e a previsão na Lei nº 13.288/2016, a remuneração como distribuição justa dos resultados. Segundo estabelece o artigo 168, da Lei Complementar, o integrador poderá gozar de crédito presumido a ser apurado com fundamento em referida remuneração estipulada em contrato.
Como terceiro aspecto, é preciso lembrar que, em tese, o produtor rural integrado não é contribuinte nesta qualidade. Isto é: se o produtor, no exercício da atividade rural, tiver, excluindo o contrato de integração, receita bruta acima de R$ 3,6 milhões, em tese, será contribuinte de IBS/CBS, gozando, portanto, de um regime híbrido, que exigirá controles e apurações por rateio de custo ou proporcional à receita. Ou, poder-se-ia alegar que, a partir do momento que é um produtor rural integrado, todas as suas operações estariam fora do IBS/CBS?
Ainda um quarto aspecto. Juntamente com todas as peculiaridades voltadas ao contrato de integração para o produtor rural integrado, pode ser que ele seja associado a uma cooperativa. Como é de conhecimento, há previsão para que as cooperativas optem por um regime específico de IBS/CBS (artigo 271 e ss). Um contrato de integração vertical firmado entre produtor rural associado e cooperativa, teria desdobramentos distintos dos demais hipóteses? Por exemplo, o artigos 271, § 1º, II, da Lei Complementar estabelece que a operação de fornecimento de bem material a associado não sujeito ao regime regular ficaria sujeita à alíquota zero, desde que a cooperativa anule os créditos por ela apropriados referente ao bem fornecido. Isto se aplicaria aos bens e serviços que a cooperativa destina ao seu produtor rural integrado associado?
Vê-se, assim, de forma breve e sem ingressar em toda a complexidade que pode envolver o fluxo do processo produtivo em um contrato de integração, muitos são os aspectos a serem analisados para fins de incidência do IBS/CBS, bem como tomada de crédito.
Vale lembrar, ainda, que o produtor rural poderá optar, mesmo no caso de ser integrado, em ser contribuinte regular. Neste sentido, os desdobramentos fiscais desta relação jurídica seguirão outros caminhos? Haverá distorção? Qual a melhor alternativa do ponto de vista de economia e eficiência tributária [6]?
Considerações finais
O que se pode afirmar, com toda certeza, é que muitos serão os aspectos que merecerão detida reflexão diante deste novo cenário jurídico tributário que começa a vigorar, paulatinamente, resultando na necessidade de, conhecendo os antigos problemas e desafios, diante da nova estrutura jurídica, buscar soluções que, em especial, cumpra os princípios e pilares desta reforma tributária, como a simplicidade, cooperação, justiça fiscal, bem como exoneração das exportações e não cumulatividade plena.
[1] – Art. 156-A e art. 195, V, § 15 a 19, da Constituição Federal.
[2] Sobre o tema vários artigos desta nossa coluna no CONJUR: Reforma tributária, produtor rural e tributação da CBS e do IBS; Reforma tributária e agronegócio; Reforma tributária, alimentos e cesta básica; Reforma tributária e vetos ao Fiagro; Tributação da produção de sementes: antes e depois da reforma; Reforma tributária, carnes na cesta básica e alíquota zero; Tributação do imóvel rural no contexto da reforma tributária; ‘Contribuições e fundos estaduais’, reforma tributária e agronegócio; A reforma tributária e o diálogo com o agronegócio; Imposto Seletivo ou, para os íntimos, “Imposto do Pecado”; A proposta de reforma tributária e o impacto no agronegócio; Reforma tributária, biocombustíveis e o incentivo à sustentabilidade.
[3] Sobre o tema: CALCINI, Fábio Pallaretti. Tributação no Agronegócio. Londrina: THOTH, IBDA, CONJUR, 2023.; CALCINI, Fabio Pallaretti. Tributação e Agronegócio: Diretrizes para uma interpretação adequada da legislação “in” Quarta com Tributo. REBOUÇAS, Daniele Fukui. GONÇALVES, Cristiano. TAVARES, Vitor. MALUF, Rafael. Rio de Janeiro: Lumen Juris/OAB/MT, 2024. P. 21-26. Vol. 3.; Cf ainda: aqui;
[4] Sobre o tema da integração em nossa coluna do CONJUR: CALCINI, Fábio Pallaretti. Tributação da renda para o produtor rural no contrato de integração; Crédito presumido de PIS/Cofins e os contratos de integração;
[5] – CASTRO, André Fernando Vasconcelos de. a Tributação do contrato de integração vertical na atividade agroindustrial. Dissertação de Mestrado. PUC/SP, 2025. p. 32.
[6] Sobre o tema: CASTRO, André Fernando Vasconcelos de. a Tributação do contrato de integração vertical na atividade agroindustrial. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 2025.
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