Até onde vai o direito de punir o franqueado?
27 de junho de 2025, 15h19
A recente controvérsia envolvendo uma grande rede de franquias com ampla atuação no setor alimentício reacendeu o debate sobre os limites da autonomia privada e a possibilidade de controle judicial de cláusulas penais estipuladas em contratos empresariais, em especial nos contratos de franquia.

No caso específico, vieram a público relatos de franqueados que, ao pretenderem a rescisão contratual, teriam se deparado com regras contratuais que previam penalidades significativamente onerosas, incluindo multas elevadas, vedação ampla de concorrência e exigência de indenizações mesmo diante de inadimplementos tidos como de baixa gravidade.
A ampla repercussão nas redes sociais e na imprensa especializada gerou intenso debate público, culminando em manifestações de juristas e entidades do setor sobre a validade, proporcionalidade e a finalidade das penalidades previstas nesses contratos.
Embora o contrato de franquia seja uma relação entre pessoas jurídicas, sob o manto da autonomia privada e da livre iniciativa, é inegável que a franqueadora ocupa posição economicamente superior, detendo o controle sobre o know-how, marca, logística e gestão do sistema de franquia.
Em contrapartida, o franqueado, muitas vezes pessoa física ou pequeno empresário, se insere na relação com menor poder de barganha e dependente da informação fornecida pela franqueadora.
É uma relação assimétrica
E, nesse contexto, o controle judicial das cláusulas penais ganha especial relevo, já que o artigo 413 do Código Civil confere ao magistrado a prerrogativa de reduzir equitativamente a penalidade quando a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o valor da penalidade for manifestamente excessivo.
Em outras palavras, o juiz pode intervir para evitar que uma empresa seja penalizada de forma desproporcional, estando alinhado com a ideia de que os contratos devem respeitar o bom senso, a justiça e a confiança mútua entre as partes — valores protegidos por leis que proíbem abusos e reforçam a importância de um contrato ter utilidade social e equilíbrio entre os envolvidos.
O Superior Tribunal de Justiça tem reiterado entendimento no sentido de que, mesmo em contratos empresariais, é possível o controle judicial de cláusulas quando configurada a abusividade ou onerosidade excessiva.
A Lei de Franquias (Lei nº 13.966/2019), embora preveja autonomia contratual, impõe deveres de transparência, informação e lealdade. Os contratos, portanto, devem refletir equilíbrio real entre os riscos e benefícios da relação e a imposição de penalidades exacerbadas, além de comprometer a viabilidade econômica do franqueado, pode caracterizar abuso de direito, violando o princípio da boa-fé.
Em tempos em que muitos pequenos empreendedores ingressam em redes de franquia com grandes expectativas e se deparam com regras contratuais difíceis de compreender ou negociar, é fundamental refletir sobre os limites da liberdade de contratar quando há um desequilíbrio evidente entre as partes.
Imagine um franqueado que, após investir economias de uma vida, deseja sair do contrato e se depara com uma multa de valor impagável ou com uma cláusula que o impede de trabalhar no mesmo setor por anos. É nesse tipo de cenário que o Judiciário precisa atuar para garantir que as penalidades previstas não se tornem um instrumento de opressão, e o papel dos tribunais é garantir que os contratos cumpram sua função social, promovam justiça nas relações comerciais e respeitem o direito de iniciativa de ambos os lados.
O ponto central é permitir que a autonomia privada se manifeste de forma responsável, transparente e proporcional, na medida em que as franquias seguem sendo um modelo relevante de crescimento econômico no Brasil. O desafio é o de manter o equilíbrio, uma vez que nem toda a penalidade é injusta como nem todo contrato merece blindagem judicial irrestrita.
Nesse contexto, em um mercado cada vez mais dinâmico, a busca por relações comerciais mais equilibradas não é apenas uma demanda jurídica, mas também um imperativo econômico e social, pois a construção de um ambiente contratual mais justo é uma tarefa coletiva: do legislador, do julgador e dos operadores do direito.
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