Reeleições em mesas diretoras legislativas e a instabilidade provocada por interpretações divergentes
26 de junho de 2025, 19h21
A insegurança jurídica é um dos sintomas mais crônicos e silenciosos da crise institucional que atravessa o país. Quando o Supremo Tribunal Federal, cuja missão precípua é unificar a interpretação constitucional, emite sinais contraditórios sobre o mesmo tema, o princípio da segurança jurídica é o primeiro a ser sacrificado. O caso da reeleição sucessiva de presidentes de câmaras municipais, especialmente em relação ao marco temporal fixado pelo STF, oferece um retrato perfeito desse cenário.
Em 2020, o Supremo julgou a ADI 6.524, que vedou a recondução para os mesmos cargos da mesa diretora do Senado e da Câmara dos Deputados dentro da mesma legislatura. O entendimento foi estendido posteriormente a órgãos legislativos estaduais e municipais por meio da ADI 6.688 e da ADPF 959, com a definição de que é permitida apenas uma única reeleição consecutiva ao mesmo cargo, independente da legislatura.
A Corte modulou os efeitos dessas decisões para que o marco temporal fosse 7 de janeiro de 2021. Isso significa que eleições para composição das mesas realizadas antes dessa data não seriam consideradas para fins de inelegibilidade. A exceção seria apenas se houvesse antecipação fraudulenta com intuito de burlar a decisão.
Conflito de decisões no Ceará
No município de Canindé, a presidente da Câmara foi eleita para os biênios 2021-2022, 2023-2024 e novamente para 2025-2026. A primeira eleição ocorreu em 1º de janeiro de 2021, ou seja, antes do marco temporal de 7 de janeiro de 2021. Portanto, nos termos das ADIs 6.688, 6.674 e da ADPF 959, esse primeiro mandato não deveria ser computado para fins de inelegibilidade.
Contudo, uma decisão da 2ª Vara Cível de Canindé afastou a parlamentar da presidência, alegando violar os precedentes do STF. O relator no TJ-CE indeferiu o pedido de efeito suspensivo, mantendo o afastamento. A matéria chegou ao STF, que deu razão à parlamentar. O ministro Luiz Fux julgou procedente a reclamação, afirmando que a eleição de 1º de janeiro de 2021 não podia ser considerada para inelegibilidade. Assim, a eleição de Karlinda para o biênio 2025-2026 foi considerada válida.
Em Pindoretama, a vereadora Maria Gorete Cavalcanti Bastos Sobrinha foi eleita presidente da Câmara para os biênios 2021-2022, 2023-2024 e 2025-2026 igualmente ao município vizinho. A eleição inicial ocorreu também em 2021. No entanto, nesse caso, o STF, por meio do ministro Nunes Marques, considerou a terceira eleição como inconstitucional, por supostamente violar os precedentes sobre a limitação de uma reeleição. Ambos os casos se referem a eleições sob o mesmo contexto temporal e com estrutura jurídica idêntica. A diferença? O entendimento de diferentes ministros. E em especial da 1ª e 2ª Turma.
A existência de decisões contraditórias sobre o mesmo tema, dentro do mesmo tribunal, não é uma novidade. A estrutura de turmas autônomas, com ministros adotando interpretações divergentes mesmo após a existência de teses fixadas, tem gerado um quadro crônico de instabilidade. Esse descompasso interno mina o princípio da única voz institucional da Corte. Quando o STF decide por modulação de efeitos e posterior unificação de entendimentos, não pode, em seguida, permitir que interpretações conflitantes prosperem sob sua própria jurisdição.
Autonomia x princípios constitucionais
A controvérsia também reflete o eterno embate entre a autonomia dos entes federados e a necessidade de uniformidade de princípios constitucionais. Os ministros que votam pela rigidez da interpretação o fazem amparados no princípio republicano e na alternância de poder. Por outro lado, quem adere à modulação da jurisprudência vê ali um gesto de segurança jurídica e respeito às expectativas geradas por atos anteriores.

Sem contar do próprio mérito das decisões de limitação de reeleição de mesas diretoras desafiarem a autonomia do Poder Legislativo, que legitimamente decidiu por manter aquele representante seja por dois ou três mandatos. Tudo foi vencido pela justificativa do princípio da simetria aplicado verticalmente desde o emblemático caso de impedimento da reeleição do então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.
Centenas de câmaras municipais no país seguem o mesmo padrão dos casos de Canindé e Pindoretama. As cidades não são separadas apenas por 58 quilômetros, mas também são separadas entre 1ª e 2ª Turma de um Supremo que escancara a insegurança jurídica entre vizinhos. A depender do relator sorteado ou da turma que julgar, os efeitos jurídicos de uma mesma eleição podem ser diametralmente opostos. Isso cria instabilidade política, judicialização excessiva e um sentimento generalizado de injustiça e arbitrariedade.
A Corte Suprema não pode ser vista como um conjunto de vozes em disputa permanente. A interpretação constitucional deve ser una, clara e previsível. O caso das reeleições nas mesas diretoras municipais demonstra como a ausência de coerência interna pode ter impactos devastadores para o funcionamento institucional dos poderes locais. Se o STF diz que o marco é 7 de janeiro de 2021, não cabe considerar como impeditivo um mandato iniciado em 1º de janeiro daquele ano. Do contrário, tudo vira exceção, inclusive a própria jurisprudência.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!