Concessões e gestão associada dos serviços públicos de resíduos sólidos urbanos por convênio de cooperação
26 de junho de 2025, 6h30
Inúmeros são os desafios para se estruturar bons projetos de concessão de serviços de resíduos sólidos urbanos que resultem em contratos assinados e serviços públicos implementados pelo parceiro privado. Dentre esses desafios, destacam-se a dificuldade de viabilizar economicamente a concessão e atrair investidores.

Principalmente para municípios de menor porte, a gestão associada é um instrumento essencial, pois os ganhos de escala proporcionados pela reunião dos entes públicos representam um diferencial para garantir a viabilidade econômica e bons investimentos. Nesse sentido, a Lei 11.445, de 5 de janeiro de 2007, traz duas formas de gestão associada de serviços de saneamento: o consórcio público e o convênio de cooperação.
Apesar das vantagens, a viabilização da concessão de serviços públicos por meio da gestão associada é um grande desafio. Os consórcios públicos, especialmente, demandam trâmites institucionais complexos, desde a sua constituição, passando pelos eventuais ajustes documentais necessários à concessão dos serviços públicos almejados, até a repartição e cumprimento das obrigações assumidas pelos entes consorciados.
Por exemplo, uma situação comum nos projetos de concessão dos entes consorciados que é a necessidade de alterar o contrato de consórcio. Conforme disposto na Lei 11.107, de 6 de abril de 2005, tal alteração demandará aprovações tanto na assembleia geral quanto nas câmaras municipais de cada ente envolvido. Nesse último caso, será necessária toda tramitação habitual de projetos de lei, como apresentação, negociação, convencimento, obtenção de maioria, votação e aprovação.
Caso frustrada a aprovação da lei em um dos municípios, todo o projeto pode ser inviabilizado, especialmente se esse município que seja o “centro de gravidade” do consórcio, polo econômico ou necessário à rota tecnológica do projeto. Problemas de articulação política, oposição ferrenha ou mesmo a falta de interesse de um grupo de vereadores podem prejudicar todos os entes consorciados, suas populações e ao meio ambiente.
Lembrando que, via de regra, a autorização legal para a gestão associada dos serviços públicos também demanda percorrer esse extenso e desafiador caminho. Ou seja, na situação apresentada, pelo menos duas alterações nos ordenamentos legais dos entes envolvidos seriam necessárias para viabilizar a concessão.
Uma alternativa às dificuldades mencionadas é endereçada pelo disposto no §4º do artigo 8º da lei 11.445, de 5 de janeiro de 2007:
“§ 4º Os Chefes dos Poderes Executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios poderão formalizar a gestão associada para o exercício de funções relativas aos serviços públicos de saneamento básico, ficando dispensada, em caso de convênio de cooperação, a necessidade de autorização legal” (Incluído pela Lei nº 14.026, de 2020).
Essa disposição, trazida pelo legislador no Novo Marco do Saneamento, diferencia o convênio de cooperação do consórcio público, no aspecto da necessidade de autorização legal para formalizar a gestão associada, privilegiando uma solução menos burocrática para a sua instrumentalização [1]. Trata-se da possibilidade de atuação conjunta de entes públicos, voltada ao objetivo comum de prestação regionalizada de um serviço de saneamento. Essa modalidade, além de dispensar a aprovação de lei, não demanda a criação de uma pessoa jurídica para a execução desses objetivos de interesse comum.

Cabe ressaltar que essa disposição vai ao encontro de uma perceptível intenção do legislador pátrio de fomentar a concessão dos serviços de saneamento básico, ao diminuir o rigor formal que normalmente é exigido para outros serviços públicos. A Lei 9.074, de 7 de julho de 1995, por exemplo, dispensa da necessidade de lei autorizativa para autorizar a concessão de serviços de saneamento básico:
“Art. 2º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios executarem obras e serviços públicos por meio de concessão e permissão de serviço público, sem lei que lhes autorize e fixe os termos, dispensada a lei autorizativa nos casos de saneamento básico e limpeza urbana e nos já referidos na Constituição Federal, nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e Municípios, observado, em qualquer caso, os termos da Lei no 8.987, de 1995.”
Dessa forma, em tese, a concessão dos serviços públicos de resíduos sólidos urbanos por meio do convênio de cooperação prescindiria da necessidade de criação de uma pessoa jurídica específica e da aprovação de lei, tanto para a formalização da gestão associada quanto para a autorização para a concessão.
De modo geral, a ausência de obrigatoriedade de autorização legal para formalizar a gestão associada e da criação de uma pessoa jurídica são os grandes diferenciais do convênio de cooperação. Outros aspectos comuns aos consórcios públicos, a exemplo do regramento das obrigações entre os entes conveniados através de um contrato de programa, devem ser observados, conforme principia o §4º do artigo 1º da lei 11.107 de 6 de abril de 2005:
“Art. 1º Esta Lei dispõe sobre normas gerais para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios contratarem consórcios públicos para a realização de objetivos de interesse comum e dá outras providências.
…
§4º Aplicam-se aos convênios de cooperação, no que couber, as disposições desta Lei relativas aos consórcios públicos.” (Incluído pela Lei nº 14.026, de 2020)
Dos convênios de cooperação pactuados
Ao analisarmos a prática dos convênios de cooperação, é importante verificar como esses instrumentos têm sido utilizados pelos entes públicos, especialmente na gestão associada dos serviços públicos de resíduos sólidos urbanos.
Por motivos como a falta de articulação entre os entes públicos ou mesmo desinteresse em conceder o serviço público, razões que merecem um estudo específico, observa-se que há poucas concessões de resíduos sólidos urbanos realizadas por meio de gestão associada, sob o regime jurídico do Novo Marco do Saneamento, na maioria consórcios públicos.
No âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), por exemplo, que possui a maior carteira de projetos do setor, reunindo os projetos de concessão apoiados por fundos como o FEP [2] e FDIRS [3], bem como os estruturados por bancos públicos, há dois consórcios com contratos de concessões de serviços de resíduos sólidos urbanos já assinados [4]. Quanto aos convênios de cooperação, os exemplos ainda são escassos.
No estado do Mato Grosso, o município de Guarantã do Norte tem firmado convênios de cooperação com municípios circunvizinhos, a fim de viabilizar a destinação dos resíduos sólidos urbanos desses ao aterro sanitário que é operado por concessionária contratada em 2021, sob o regime de concessão administrativa pelo município. Conforme disposto no convênio de cooperação, cabe ao município conveniado transportar seus resíduos ao aterro e remunerar diretamente a concessionária, nas condições dispostas no contrato de programa [5]. Até o momento, tudo indica que a concessão está operando normalmente [6].
No que tange a outros serviços de saneamento básico, como água e esgoto, há mais exemplos. Os estados de Goiás [7] e Sergipe [8], por exemplo, já firmaram convênios de cooperação com municípios para a delegação da prestação, regulação e fiscalização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, sob a égide do Novo Marco do Saneamento. Cabe destacar que ainda estão ocorrendo, em alguns estados, estudos e processos licitatórios para realizar concessões regionalizadas para os serviços de água e esgoto.
Da jurisprudência
Em relação à jurisprudência, cumpre destacar o recorte das decisões posteriores à entrada em vigor da Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020, pois o Novo Marco do Saneamento trouxe novos contornos à pactuação de convênios de cooperação para a gestão associada de serviços de saneamento. Principalmente, concentram-se decisões que tratam incidentalmente sobre o tema.
Em 2021, o Supremo Tribunal Federal considerou constitucional a lei estadual paulista que prevê, dentre outros aspectos, a possibilidade de gestão associada de serviços de saneamento entre municípios e a Agência Reguladora, inclusive mediante convênio de cooperação:
“Registro que a lei impugnada refere-se também à autorização do Chefe do Poder Executivo do Município titular do serviço e a instrumentos de delegação, inclusive precedidos de convênios de cooperação ou contratos de consórcio público quando a legislação assim o exigir, como se observa da redação dos seus arts. 6º, §2º, 11, 44, §4º, 45, 47 e 48….
Na esteira da jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, entendo que a lei impugnada na presente ação direta, em verdade, prestigia a eficiência, a boa gestão, a implementação de políticas públicas em garantia dos direitos sociais fundamentais e a continuidade dos serviços públicos, mediante uma disciplina regulatória que não afronta o desenho das competências federativas estabelecido na Constituição Federal.” (STF – ADI: 4.028 SP, relator.: Rosa Weber, data de julgamento: 23/11/2021, Tribunal Pleno, data de publicação: 1/12/2021)
Na ADPF 863, julgada em 2022 pelo STF, alguns dispositivos do convênio de cooperação firmado entre o estado de Alagoas e a região metropolitana de Alagoas foram considerados inconstitucionais por limitarem o poder decisório dos municípios envolvidos, em linha com outras decisões da corte. No julgado, foi entendido que o poder decisório do ente público municipal deve ser preservado, ainda que dentro do arranjo do convênio de cooperação para a gestão associada de serviços de saneamento. Trata-se de decisão que observou com rigor a autonomia municipal e deve servir de guarida dessa, em futuras pactuações.
Conclusão
É incontestável que os entes públicos precisam com urgência viabilizar o correto manejo de resíduos sólidos urbanos. A gestão associada dos serviços de saneamento é uma forma de garantir ganhos de escala e atrair investimentos privados para municípios que, individualmente, possuiriam dificuldades nessa empreitada.
Segundo dados do Islu [9], é principalmente nos municípios com menos de 100 mil habitantes que se concentram os casos de deficiências na cobertura da coleta e destinações incorretas de resíduos sólidos. Isso corrobora a defesa de um modelo de concessão desses serviços por meio da gestão associada.
Embora ainda haja poucas iniciativas do gênero, o convênio de cooperação pode ser um instrumento conveniente, diante da menor complexidade para sua formalização. Adicionalmente, ressalta-se que uma maior segurança jurídica do instrumento pode ser alcançada com a atuação de instituições como os Ministérios Públicos, que vêm acompanhando e fomentando soluções para o setor [10].
REFERÊNCIAS
ABREMA. Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente. Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana (ISLU), 2024. Disponível em: https://www.abrema.org.br/download/96465/?tmstv=1733785954. Acesso em: 3 de Junho de 2025.
AQUIBADÃ. https://aquidaba.se.gov.br/sites/aquidaba.se.gov.br/files/DESO%20-%20CONV%C3%8ANIO%20DE%20COOPERA%C3%87%C3%83O.pdf. Acesso em: 3 de Junho de 2025.
BRASIL. Conselho Nacional do Ministério Público. Gestão de resíduos : estratégias de atuação interinstitucional. Conselho Nacional do Ministério Público. – Brasília: CNMP, 2023. Acesso em: 3 de Junho de 2025.
BRASIL. Decreto nº 10.918, de 29 de dezembro de 2021. Dispõe sobre o Fundo de Desenvolvimento da Infraestrutura Regional Sustentável, de que trata o art. 32 da Lei nº 12.712, de 30 de agosto de 2012, 2012. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/decreto/d10918.htm. Acesso em: 3 de Junho de 2025.
BRASIL. Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017. Dispõe sobre a participação da União em fundo de apoio à estruturação e ao desenvolvimento de projetos de concessões e parcerias público-privadas, 2017. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13529compilado.htm. Acesso em: 3 de Junho de 2025.
BRASIL. Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos. Disponível em: https://ppi.gov.br/projetos/. Acesso em: 3 de Junho de 2025.
GOIÁS. Disponível em: https://goias.gov.br/agr/wp-content/uploads/sites/43/2024/05/Convenio-n-06-2020.pdf. Acesso em: 3 de Junho de 2025.
GUARANTÃ DO NORTE. Termo Convênio de Cooperação Técnica 005-2023 Disponível em: https://diariooficial.guarantadonorte.mt.gov.br/publicacoes/6265/. Acesso em: 3 de Junho de 2025.
RADAR PPP. Aterro Sanitário de Resíduos Sólidos – Segunda Concessão (Guarantã do Norte). Disponível em: https://radarppp.com/resumo-de-contratos-de-ppps/aterro-sanitario-de-residuos-solidos-segunda-concessao-guaranta-do-norte/. Acesso em: 3 de Junho de 2025.
VANZELLA, Rafael; BORGES, Jéssica. 13. Notas Sobre a Prestação Regionalizada dos Serviços Públicos de Saneamento Básico In: POZZO, Augusto. O Novo Marco Regulátorio do Saneamento Básico. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais, 2021. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/o-novo-marco-regulatorio-do-saneamento-basico/1188259493. Acesso em: 3 de Junho de 2025.
[1] VANZELLA, Rafael; BORGES, Jéssica. 13. Notas Sobre a Prestação Regionalizada dos Serviços Públicos de Saneamento Básico In: POZZO, Augusto. O Novo Marco Regulátorio do Saneamento Básico. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais, 2021. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/o-novo-marco-regulatorio-do-saneamento-basico/1188259493. Acesso em: 3 de Junho de 2025.
[2] BRASIL. Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017. Dispõe sobre a participação da União em fundo de apoio à estruturação e ao desenvolvimento de projetos de concessões e parcerias público-privadas, 2017. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13529compilado.htm. Acesso em: 3 de Junho de 2025.
[3] BRASIL. Decreto nº 10.918, de 29 de dezembro de 2021. Dispõe sobre o Fundo de Desenvolvimento da Infraestrutura Regional Sustentável, de que trata o art. 32 da Lei nº 12.712, de 30 de agosto de 2012, 2012. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/decreto/d10918.htm. Acesso em: 3 de Junho de 2025.
[4] BRASIL. Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos. Disponível em: https://ppi.gov.br/projetos/. Acesso em: 3 de Junho de 2025.
[5] GUARANTÃ DO NORTE. Termo Convênio de Cooperação Técnica 005-2023 Disponível em: https://diariooficial.guarantadonorte.mt.gov.br/publicacoes/6265/. Acesso em: 3 de Junho de 2025.
[6] RADAR PPP. Aterro Sanitário de Resíduos Sólidos – Segunda Concessão (Guarantã do Norte). Disponível em: https://radarppp.com/resumo-de-contratos-de-ppps/aterro-sanitario-de-residuos-solidos-segunda-concessao-guaranta-do-norte/. Acesso em: 3 de Junho de 2025.
[7] GOIÁS. Disponível em: https://goias.gov.br/agr/wp-content/uploads/sites/43/2024/05/Convenio-n-06-2020.pdf. Acesso em: 3 de Junho de 2025.
[8] AQUIBADÃ. https://aquidaba.se.gov.br/sites/aquidaba.se.gov.br/files/DESO%20-%20CONV%C3%8ANIO%20DE%20COOPERA%C3%87%C3%83O.pdf. Acesso em: 3 de Junho de 2025.
[9] ABREMA. Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente. Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana (ISLU), 2024. Disponível em: https://www.abrema.org.br/download/96465/?tmstv=1733785954. Acesso em: 3 de Junho de 2025.
[10] BRASIL. Conselho Nacional do Ministério Público. Gestão de resíduos : estratégias de atuação interinstitucional. Conselho Nacional do Ministério Público. – Brasília: CNMP, 2023. Acesso em: 3 de Junho de 2025.
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