Opinião

Princípio da anterioridade ao revés: a proteção da arrecadação contra reduções tributárias na Emenda Constitucional nº 132/2023

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25 de junho de 2025, 16h17

O novo artigo 156-A da Constituição, introduzido pela Emenda Constitucional nº 132/2023, estabelece que qualquer alteração na legislação federal que reduza a arrecadação do IBS e, consequentemente, da CBS, deverá ser compensada pela elevação da alíquota de referência pelo Senado. Além disso, fixa que tal redução somente entrará em vigor a partir da produção de efeitos do referido ajuste. Confira-se:

“Art. 156-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios.

§ 9º Qualquer alteração na legislação federal que reduza ou eleve a arrecadação do imposto:

I – deverá ser compensada pela elevação ou redução, pelo Senado Federal, das alíquotas de referência de que trata o § 1º, XII, de modo a preservar a arrecadação das esferas federativas, nos termos de lei complementar;

II – somente entrará em vigor com o início da produção de efeitos do ajuste das alíquotas de referência de que trata o inciso I deste parágrafo.”

A Lei Complementar nº 214/2025 reproduz esse comando constitucional. Dispõe, expressamente, que alterações na legislação federal que impliquem redução de arrecadação, como aquelas decorrentes de critérios de devolução por meio do cashback (artigo 19, §1º, I) e dos regimes diferenciados, específicos ou favorecidos de tributação (artigo 19, §1º, II), deverão ter como contrapartida o correspondente aumento da alíquota de referência.

Adicionalmente, o §2º do artigo 19 estabelece que, promulgada a lei federal que reduza a arrecadação, o Comitê Gestor ou o Poder Executivo deverá, no prazo de 60 dias, submeter ao Tribunal de Contas da União (TCU) os cálculos do impacto financeiro-orçamentário. O TCU, por sua vez, dispõe de 60 dias para analisar os dados e, se for o caso, solicitar ajustes. Após isso, o Comitê Gestor ou o Poder Executivo disporá de 30 dias para implementar os ajustes indicados, e, finalmente, o TCU contará com mais 30 dias para decisão definitiva. Concluído esse ciclo, o Senado terá prazo adicional de 30 dias para implementar as novas alíquotas de referência.

Prazo de ajuste da alíquota

Em um cenário no qual todos os prazos sejam utilizados em sua extensão máxima, o intervalo entre a promulgação da lei que reduz tributos e o efetivo ajuste da alíquota de referência poderá alcançar até 210 dias.

Spacca

Portanto, a redução da tributação sobre determinados bens ou serviços, como, por exemplo, pela ampliação da cesta básica nacional ou pela melhoria dos critérios de cashback, resulta, necessariamente, na elevação da alíquota de referência, com o objetivo de recompor a arrecadação pública.

Contudo, tal ajuste da alíquota de referência não é imediato. Por se tratar de majoração tributária, está sujeito, além do trâmite procedimental de até 210 dias, às limitações constitucionais ao poder de tributar, notadamente a anterioridade nonagesimal (para a CBS) e a anterioridade anual e nonagesimal (para o IBS).

Ocorre, portanto, uma situação paradoxal: ao se editar uma lei que reduz a carga tributária, seus efeitos ficam suspensos até a conclusão de um longo trâmite burocrático de até sete meses (210 dias) para a aprovação da nova alíquota de referência ajustada. Não bastasse, a produção de efeitos da alíquota de referência majorada, condição para entrada em vigor da lei federal que reduziu tributos (artigo 156-A, §9º, II), ainda se submete à observância do princípio da anterioridade.

Redução da tributação

Dessa forma, um princípio que integra as limitações constitucionais ao poder de tributar, concebido historicamente como garantia do contribuinte contra elevações repentinas da carga tributária passa, no novo desenho constitucional, a operar também como obstáculo à sua redução.

Não se ignora que uma das diretrizes da reforma tributária se pauta na contenção da proliferação de regimes especiais, benefícios e incentivos fiscais. Contudo, o próprio inciso que estabelece tal vedação (artigo 156-A, §1º, X) ressalva as exceções expressamente previstas na Constituição, reconhecendo, portanto, que há hipóteses legítimas de redução da tributação.

Diante desse cenário, impõe-se a indagação: será constitucional uma emenda à Constituição que subverte a própria razão de ser das limitações constitucionais ao poder de tributar, utilizando-as como mecanismos de proteção da arrecadação estatal, em detrimento da redução da carga tributária em favor do contribuinte?

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