Greve e demurrage: precedente importante na condenação da União pelos atrasos da Receita
25 de junho de 2025, 17h13
A recente condenação da União à restituição de valores pagos a título de demurrage, em razão da greve dos auditores da Receita Federal e da consequente retenção de carga além do prazo legal, representa um importante precedente para o comércio exterior brasileiro. A decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) consolida o entendimento de que, quando a demora no desembaraço aduaneiro decorre de ato estatal, o importador tem direito à reparação financeira, afastando o ônus de suportar custos que não lhe são imputáveis.
A demurrage, ou sobre-estadia, é uma indenização devida ao armador pelo descumprimento do prazo de devolução do contêiner após expirado o “free time”. Não se trata de penalidade contratual, mas de compensação automática. A cobrança independe de culpa e decorre do simples inadimplemento da obrigação de devolução dentro do prazo estipulado. Essa lógica é reforçada pela Resolução Normativa nº 18/2017 da Antaq, que prevê a suspensão da contagem da demurrage quando o atraso se der por força maior ou fato imputável ao transportador, ao terminal ou ao depot.
Por muito tempo, o Judiciário considerou a greve e os atrasos na fiscalização como riscos inerentes à atividade empresarial. Porém, a jurisprudência mais recente começa a afastar essa visão. No caso julgado pelo TRF-4, a Receita Federal, por meio de operação-padrão, reteve carga por mais de 30 dias. A empresa comprovou os custos com demurrage, que chegaram a R$ 61 mil, e obteve sentença favorável reconhecendo o direito à restituição com base na responsabilidade objetiva do Estado por omissão administrativa específica — descumprimento do prazo de 8 dias previsto no artigo 4º do Decreto 70.235/1972.
Esse entendimento converge com decisões anteriores do Tribunal de Justiça de São Paulo e com o julgamento do Recurso Especial nº 1.340.041-SP, no qual o Superior Tribunal de Justiça reconheceu que a retenção de contêiner pela autoridade aduaneira, por ser alheia à vontade do importador, configura força maior e torna ilegítima a cobrança da demurrage. A decisão do STJ reforça o dever de exclusão da responsabilidade do importador em situações em que o evento gerador do atraso lhe é totalmente estranho, como uma greve.
Momento é positivo para repetição de indébito

Esses precedentes trazem maior equilíbrio contratual às relações com armadores, impondo a revisão de cláusulas-padrão e fortalecendo o posicionamento dos operadores logísticos brasileiros diante de entraves alfandegários. Para além do contencioso judicial, a jurisprudência oferece fundamentos consistentes para a adoção de estratégias pré-litigiosas. Empresas impactadas por retenções devem notificar formalmente o armador e o agente de carga, pleiteando a suspensão da cobrança com base na resolução da Antaq e nas decisões judiciais. A documentação deve evidenciar que o atraso decorreu de ato estatal, sem interferência ou negligência do importador.
Persistindo a cobrança, a via judicial se torna viável. O momento é oportuno para ações de repetição de indébito com base em fundamentos já validados por cortes superiores. Ainda que a jurisprudência esteja em consolidação, os sinais são claros: não cabe transferir ao importador os prejuízos causados por falhas estruturais da administração aduaneira, em especial neste momento em que a greve da Receita Federal já se torna notória.
Empresas que antes arcavam silenciosamente com os custos da ineficiência estatal agora encontram respaldo jurídico para reagir. Trata-se de um passo importante rumo à previsibilidade e à racionalização dos custos logísticos, com impacto direto na competitividade do setor.
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