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A delicada estabilidade das stablecoins

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  • é sócio de Warde Advogados professor do Ibmec do Insper e da LegalBlocks doutor (USP) mestre (FGV) e bacharel (USP) em Direito engenheiro de Computação (ITA) e ex-analista da CVM onde também atuou como assessor do colegiado.

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25 de junho de 2025, 11h06

Se algum dia estivermos viajando para outro país, será que poderemos pagar nosso café da manhã com uma stablecoin? Essa possibilidade singela levanta sérias questões para investidores e empreendedores da criptoeconomia, reguladores e instituições financeiras tradicionais.

Se um banco está sujeito a uma corrida de saques em um cenário de pânico, os emissores de stablecoins também estão. Igualmente, as regras de prevenção à lavagem de dinheiro e outros deveres que acompanham as operações de câmbio – e que as tornam mais demoradas e onerosas – também precisam ser consideradas para essa nova modalidade de ativo.

A sustentabilidade – e a estabilidade – dessas moedas depende diretamente da confiança do mercado nos ativos de lastro e na transparência da operação. No caso das stablecoins centralizadas, é preciso confiar que a empresa emissora realmente possui os ativos em reserva, como é o caso da Tether, que afirma possuir títulos do mercado americano e tem uma capitalização de mercado de US$ 155 bilhões, conforme a plataforma CoinMarketCap.

Por sua vez, a stablecoin USDC, emitida pela Circle é atualmente a segunda maior em valor de mercado, com mais de US$ 61 bilhões. O valuation da Circle quase quadruplicou nos três primeiros dias como empresa listada em Nova York, atingindo US$ 25 bilhões.

Semelhança com figuras (e riscos) conhecidos e sua regulação

Algumas vantagens das stablecoins usualmente destacadas são a possibilidade de realizar pagamentos internacionais em segundos, com custos de transação significativamente menores e, o mais importante, sem a incidência de IOF em determinadas estruturas comerciais.

Porém, as fricções com os sistemas de pagamento atuais não vêm apenas da tecnologia de pagamento em si (o sistema de mensagens bancárias Swift pode enviar dinheiro para todo o mundo em segundos), mas de operações acessórias: atendimento ao cliente (cadastro, estornos, cartões etc.), gestão de risco e fraude, e compliance (conheça seu cliente – KYC e prevenção à lavagem de dinheiro), que retardam todo o processo.

Até o presente, as stablecoins alcançam velocidade ao negligenciar essas operações acessórias, mas será que poderão realmente competir como instrumentos de pagamento se tiverem que cumprir as mesmas regras?

Spacca

Nesse contexto, as regras aplicáveis podem variar conforme a natureza que seja atribuída às stablecoins: são um depósito bancário? Um money market fund (MMF)? Um cash ETF?

As stablecoins situam-se em uma zona cinzenta entre uma moeda eletrônica para pagamentos, um depósito bancário e um valor mobiliário. Os emissores têm passivos como um banco, mas não concedem empréstimos. Elas são negociáveis e investem em ativos como MMFs, mas reguladores dos EUA decidiram que não são valores mobiliários se as moedas puderem ser totalmente resgatadas a qualquer momento e não repassarem os rendimentos dos investimentos aos detentores.

Assim como um emissor de stablecoin, um MMF capta recursos de investidores, aplicando-os em ativos de curto prazo e emitindo aos investidores um passivo que promete resgatar a qualquer momento e ao par. A diferença crucial é que os bancos — pelo fato de poderem manter reservas fracionárias — criam dinheiro quando concedem empréstimos, algo que os emissores de stablecoins não fazem.

MMFs e veículos similares já foram rotulados de shadow banks no passado, e por um bom motivo, por possuírem passivos sujeitos a corridas de saque – um risco mais acentuado em um banco e essa, e não a forma como criam dinheiro, é a essência de um banco.

No Brasil, temos os emissores de moeda eletrônica (uma modalidade de instituição de pagamento). Contudo, como as stablecoins são referenciadas em moeda estrangeira, não bastaria aplicar as regras domésticas para emissores de moeda eletrônica, que são restritas ao real brasileiro. Assim, as regras de câmbio podem se aplicar (conforme indicado na Consulta Pública BCB nº 111/2023).

O Projeto de Lei nº 4.308/2024, em tramitação no Congresso Nacional, estabelece que apenas instituições autorizadas pelo Banco Central poderão emitir tokens lastreados em moeda estrangeira, exigindo reservas integrais, auditorias regulares e transparência na divulgação de informações sobre o lastro.

Instituições tradicionais entram em cena

O banco de investimentos Standard Chartered previu que poderia haver cerca de US$ 2 trilhões em stablecoins em circulação até o final de 2028, ante os cerca de US$ 250 bilhões atuais. Há previsões ainda mais otimistas.

Stripe e Visa estão aprofundando seus investimentos no setor, o japonês Sony Bank está testando seu próprio token para pagamentos. Recentemente, o Wall Street Journal divulgou que Walmart e Amazon avaliaram a possibilidade de emitir suas próprias stablecoins. A Société Générale-Forge, braço cripto da empresa francesa de serviços financeiros Société Générale, vai lançar uma nova stablecoin atrelada ao dólar norte-americano, chamada USD CoinVertible (USDCV).

Os bancos têm se preparado para um cenário de crescente adoção de stablecoins sob uma regulação mais favorável, o que pode drenar seus depósitos e transações atuais. Cogita-se que as stablecoins possam acelerar operações  mais rotineiras, como pagamentos transfronteiriços.

A questão em aberto é se o “dinheiro tokenizado” continuará a ser mais eficiente, seguro e rápido uma vez que seja regulado. Para alguns, a integração entre o mercado cripto e as finanças tradicionais é como um cavalo de Troia. Para outros, é o alvorecer de um mercado financeiro global mais eficiente, seguro e genuíno.

Autores

  • é advogado, professor do Insper e da LegalBlocks, doutor (USP), mestre (FGV) e bacharel (USP) em Direito e Engenheiro de Computação (ITA) e ex-analista da CVM, onde também atuou como assessor do colegiado.

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