Opinião

Extinção em lote de execuções fiscais de pequeno valor: do Tema 1.184 da Repercussão Geral

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24 de junho de 2025, 11h20

É ponto bem averiguado que as execuções fiscais são o calcanhar de Aquiles do Poder Judiciário brasileiro.

Segundo levantamento divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça, tais processos correspondem a 31% de todos os casos pendentes na Justiça brasileira [1].

Sensível ao problema, o Supremo Tribunal Federal decidiu o Tema 1.184 da repercussão geral e aprovou a seguinte Tese na sessão plenária de 19 de dezembro de 2023:

“1. É legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência de interesse de agir tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitada a competência constitucional de cada ente federado. 2. O ajuizamento da execução fiscal dependerá da prévia adoção das seguintes providências: a) tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa; e b) protesto do título, salvo por ‘motivo de eficiência administrativa, comprovando-se a inadequação da medida. 3. O trâmite de ações de execução fiscal não impede os entes federados de pedirem a suspensão do processo para a adoção das medidas previstas no item 2, devendo, nesse caso, o juiz ser comunicado do prazo para as providências cabíveis.”

Ecoando esse julgamento, o CNJ aprovou, na primeira sessão ordinária de 2024, regras para a extinção das execuções fiscais de pequeno valor (Resolução nº 547).

O Tribunal de Justiça de São Paulo aderiu prontamente ao esforço para reduzir o estoque de executivos fiscais e:

  1. criou o Núcleo de cooperação judiciária para tratamento adequado da alta litigiosidade tributária;
  2. subscreveu Portaria Conjunta com o Conselho Nacional de Justiça, a Advocacia-Geral da União, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e o Tribunal de Justiça da Bahia, a fim de racionalizar e aprimorar o fluxo de execuções fiscais promovidas pela PGFN nas Justiças estaduais;
  3. celebrou acordos de cooperação técnica com o Conselho Nacional de Justiça, a Procuradoria-Geral do Estado, o Tribunal de Contas do Estado e uma centena de Prefeituras, no contexto do programa intitulado “Execução Fiscal Eficiente”;
  4. editou o Provimento CSM nº 2.738 para disciplinar a aplicação do Tema 1.184 e da Resolução nº 547 às execuções fiscais que tramitam nos 1º e 2º graus da Justiça estadual.

Resultados

Em São Paulo, resultados alvissareiros já se fazem sentir: de janeiro de 2024 a maio de 2025, foram extintos mais de 5,7 milhões de execuções fiscais [2].

Se os números atingidos são impressionantes, cabe registrar que o desate “atomizado” de milhões de processos onera bastante a máquina judiciária e por certo não representa o mecanismo processual mais consentâneo com os princípios da eficiência, da economia e da celeridade.

As normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo preveem estratégia processual benfazeja, capaz de proporcionar a “molecularização” das decisões proferidas em execuções fiscais de pequeno valor. Trata-se dos julgamentos em lote.

Rezam as Normas de Serviço:

“Art. 295. Sempre que o número de execuções fiscais em tramitação recomendar, deverão os ofícios de justiça, em relação aos feitos que estejam na mesma fase e contenham pedidos/providências idênticos, proceder ao processamento dos autos em lotes, conforme o art. 314 e fluxo aprovado pela Corregedoria Geral da Justiça.

Art. 314. Despachos de mero expediente, decisões interlocutórias e sentenças resumidas poderão ser proferidos num único ato que aprecie vários processos na mesma fase e contenham pedidos idênticos.

Parágrafo único. O ofício de justiça separará e relacionará os processos, submetendo-os à apreciação judicial, formalizando-se os atos praticados em expediente administrativo digital, de modo a permitir fácil consulta. O número do expediente administrativo digital e o resumo do ato judicial deverão constar na movimentação unitária de cada um dos processos, físicos ou digitais, relacionados no expediente digital.”

Bem empregado esse expediente, é possível colocar termo, num único ato decisório, a dezenas, centenas ou até milhares de execuções fiscais [3].

Cautela na extinção de execuções

Para que o mecanismo funcione a contento, é indispensável que o lote de processos seja elaborado com cautela e precisão, a fim de evitar a extinção de execuções que escapem às hipóteses estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal. Inadmissível seria, por exemplo, a inclusão no lote de um ou mais feitos cujo valor iguale ou supere os R$ 10 mil previstos no artigo 1º, § 1º, da Resolução CNJ nº 547.

Spacca

Extintas em lote as execuções fiscais, não cabe impugnação individualizada nos autos originais e o Tribunal julgará por lista a apelação interposta pelo credor (artigo 5º do Provimento CSM nº  2.738).

Aspecto relevante, que merece especial atenção, é o ônus de o recorrente apontar, com clareza, por que tais ou quais execuções integrantes do lote se apartam das hipóteses autorizadoras de extinção.

Manutenção de decreto extintivo

Se o Tribunal se vir diante de afirmação recursal genérica, como “diversos processos que integram o lote não estiveram paralisados por mais de ano” ou “muitas das execuções extintas têm valor expressivo”, terá que improver o apelo e manter o decreto extintivo. Afinal, emanado do poder público, o ato de triar processos que integrarão o lote goza de presunção de legalidade e legitimidade.

Mais ainda. Caso o recorrente aponte alguns processos, indicando por que claudicou o magistrado ao extingui-los, e reserve alegação vaga quanto às demais execuções do lote, só restará ao Tribunal prover em parte a apelação, ordenando a retomada do curso das execuções que efetivamente se apartam do Tema 1.184/STF e mantendo a extinção dos demais processos.

Em apelação de minha relatoria, foi essa a solução encontrada pela Turma:

Execuções fiscais. Tema 1.184 da repercussão geral. Julgamento em lote, conforme dispõem os arts. 295 e 314 das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça. Apelante que especifica apenas 9 processos que escapam às hipóteses previstas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Conselho Nacional de Justiça, empregando afirmações genéricas quanto aos demais feitos. Presunção de correção do ato de elaboração do lote, quanto às execuções restantes. Recurso provido em parte para afastar apenas a extinção das execuções apontadas pelo Município [4].”

Em suma, a Suprema Corte abriu caminho para colocar-se ponto em milhões de executivos fiscais que se mantêm ativos sem proveito algum. Existe mecanismo para evitar a necessidade de milhões de sentenças e acórdãos proferidos em execuções fiscais de pequeno valor. É preciso selecionar com cautela os processos que integrarão o lote e, uma vez proferida sentença, passa a ser do recorrente o ônus de apontar ao Tribunal por que, a seu ver, tais ou quais execuções se apartam das hipóteses previstas no Tema 1.184 da repercussão geral.

 


[1] “Justiça em Números 2024”, disponível aqui

[2] Total divulgado aqui

[3] Na Apelação nº 0002155-69.2024.8.26.0281, por exemplo, o Tribunal de Justiça examinou sentença que extinguira, de um só golpe, mais de seis mil execuções fiscais (18ª Câmara de Direito Público, j. 15/05/2025, rel. Desembargadora Beatriz Braga).

[4] Apelação nº 0003656-04.2024.8.26.0590, 18ª Câmara de Direito Público, j. 10/06/2025.

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