Opinião

Exigência de Cadastur para fruição do Perse: inquietações sobre a (in)segurança jurídica

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24 de junho de 2025, 17h19

Em 11 de junho de 2025, o Superior Tribunal de Justiça firmou, no Tema 1.283, o entendimento de que a exigência de cadastro prévio no Cadastro dos Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur) é legítima para a fruição dos benefícios do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). A decisão suscita importantes reflexões acerca da segurança jurídica e da aplicação dos precedentes qualificados.

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Pessoa em plateia de show ergue o celular para filmar o palco

O Perse, instituído pela Lei nº 14.148/2021 (18 de março de 2021), teve como principal objetivo mitigar os impactos econômicos da pandemia no setor de eventos e turismo, prevendo a redução a zero por cento das alíquotas de PIS, Cofins, IRPJ e CSLL (artigo 4º). É relevante notar que o referido artigo 4º, que concedia o benefício fiscal, foi inicialmente vetado, tendo seu veto derrubado pelo Congresso Nacional em 18 de março de 2022.

Apesar da previsão legal, o benefício fiscal foi alvo de diversas alterações legislativas e regulamentações infralegais, como a Portaria ME nº 7.163/2021, que inovou ao instituir a exigência de cadastro prévio no Cadastur. Diante do que muitos contribuintes consideraram uma extrapolação do poder regulamentar do Executivo, diversos mandados de segurança foram impetrados com o fito de assegurar a fruição dos benefícios fiscais independentemente dessa exigência.

Decisão do STJ e (in)certeza da modulação

O recente julgamento do Tema 1.283 pelo STJ reconheceu a legalidade do requisito do Cadastur. Contudo, a decisão levanta questões cruciais sobre sua aplicação prática e a possível modulação dos efeitos. Embora as decisões proferidas pelos tribunais superiores possuam, via de regra, caráter vinculante e aplicação imediata (artigo 1.040 do CPC), a ausência de trânsito em julgado ainda permite a interposição de recursos, o que poderia levar à modulação.

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A modulação dos efeitos de uma decisão que representa uma alteração paradigmática, capaz de impactar uma vasta gama de contribuintes, é uma prática consolidada nos tribunais superiores. Todavia, observa-se uma inovação na postura do Judiciário em relação aos critérios de modulação. Até o julgamento do Tema 1.079 pelo Superior Tribunal de Justiça, a modulação de efeitos era comumente restrita ao critério temporal, fixando-se a data de início da produção de efeitos da decisão. No entanto, no Tema 1.079, o STJ estabeleceu um critério adicional, exigindo que os contribuintes tivessem obtido, até a data do início do julgamento do tema, uma decisão favorável na esfera judicial ou administrativa para que pudessem ser alcançados pela modulação.

No contexto do Perse, a expectativa é de que a decisão sobre a exigibilidade da inscrição no Cadastur seja aplicada imediatamente, com a ressalva para os casos em que o contribuinte realizou a inscrição em período posterior, em conformidade com as alterações legislativas. Ilustrativamente, se um sujeito passivo da obrigação tributária pleiteia, em sede de mandado de segurança, a aplicação dos efeitos da Lei nº 14.148/2021 desde a vigência do seu artigo 4º (18 de março de 2022), mas formalizou sua inscrição no Cadastur somente em agosto de 2022, a concessão do pedido seria parcial – limitada ao período da inscrição até o termo final do Perse.

Insegurança jurídica persiste

A despeito da decisão do STJ, a situação gera insegurança jurídica para as pessoas jurídicas que, desde a promulgação da lei em 2021, realizaram planejamentos estratégicos, foram submetidas a uma série de requisitos infralegais e, agora, questionam o próprio encerramento do Perse por meio de um ato declaratório executivo contraditório ao próprio entendimento da autoridade administrativa competente.

Questiona-se se os contribuintes com pleitos em andamento serão efetivamente favorecidos pela decisão do STJ e, crucialmente, se as instâncias inferiores realizarão a devida análise do momento da inscrição no Cadastur para reconhecer o direito à redução a zero das alíquotas de PIS, Cofins, IRPJ e CSLL. Adicionalmente, há incerteza sobre a celeridade procedimental, pela autoridade administrativa, quanto à restituição dos valores referente aos tributos alvo do Programa, recolhidos indevidamente durante o trâmite das ações judiciais.

Estas são questões que, até o presente momento, carecem de respostas claras, mas que impulsionam o debate sobre se o Poder Judiciário, ao proferir suas decisões, considera de forma aprofundada o impacto contábil e fiscal direto sobre os contribuintes beneficiados por programas como o Perse. A primazia da segurança jurídica exige que tais ponderações sejam transparentes e previsíveis, evitando que a interpretação da lei se torne um fator de imprevisibilidade para o planejamento empresarial.

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