Território Aduaneiro

Barreiras comerciais à exportação: nem sempre o preço é o problema

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  • é sócia do Veirano Advogados advogada aduaneira doutora em Direito do Comércio Internacional professora de pós-graduação e ex-conselheira titular no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

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24 de junho de 2025, 16h18

Nos últimos meses, as discussões sobre o comércio internacional ganharam novos contornos. Como já explorado nesta coluna, questões geopolíticas, medidas unilaterais e apologias à uma nova globalização (ou desglobalização) passaram a fazer parte das manchetes dos mais diversos veículos de comunicação.

Para além da escalada tarifária e das implicações das guerras no Leste Europeu e no Oriente Médio sobre preços e oferta de mercadorias, um tema que também teve sua relevância reforçada foi o das barreiras não tarifárias ao comércio. Afinal, a competitividade internacional não depende apenas de preços — embora seja fator indiscutivelmente importante —, mas de acesso a mercados.

Prova disso foi o ocorrido com as exportações de frango brasileiro em maio de 2025. Embora o país seja o maior exportador mundial e terceiro maior produtor de frango, a notícia de que se verificou caso de gripe aviária no Rio Grande do Sul fez com que, imediatamente, 20 países suspendessem a entrada do produto brasileiro em seus territórios, entre eles União Europeia, China, África do Sul e Argentina. Ato reflexo, o mês de maio de 2025 apresentou queda de 13% em relação às exportações de frango de maio de 2024 e, até o momento, as estatísticas de exportação de junho indicam queda de 21,23% em relação ao mesmo mês de 2024 [1].

Barreiras não tarifárias

Barreiras comerciais nada mais são do que ferramentas de política comercial utilizadas pelos países para proteção de empresas e indústrias dentro do território nacional. Esses mecanismos são comumente classificados em duas categorias: as barreiras tarifárias e as barreiras não tarifárias.

Enquanto as primeiras, como o próprio nome já indica, tratam de valores cobrados na forma de tributos e encargos aos bens importados no destino, as segundas possuem contornos mais amplos, abarcando todo o tipo de obstáculo de acesso a mercado que não seja pecuniário.

Dentre os principais exemplos de barreiras não tarifárias tem-se as medidas sanitárias e fitossanitárias — como no caso do frango anteriormente indicado — e as medidas técnicas — normalmente sob forma de barreiras regulatórias e de avaliação de conformidade. Além dessas, tem-se ainda as chamadas cotas de importação — que limitam a quantidade de entrada de certos produtos —, os subsídios e as medidas de defesa comercial — que embora sejam cobradas sob forma de alíquota fixa ou ad valorem, não possuem natureza tributária, mas administrativa para neutralização de práticas desleais de comércio com foco específico e tecnicamente justificado.

Para se ter noção da relevância desses temas, 40% das disputas levadas ao Órgão de Solução de Controvérsias da OMC entre 1995 e 2024 versavam sobre barreiras não tarifárias sob forma de medidas técnicas, sanitárias e fitossanitárias ou defesa comercial [2].

Desafio às exportações brasileiras

Por muito tempo, a discussão em torno de temas não tarifários ficou restrita aos países mais desenvolvidos. Em que pese os recentes retrocessos, essa segmentação se dava, em maior parte, pelo fato de que estes já teriam ultrapassado as brigas tarifárias e concentravam suas preocupações em restrições técnicas e “disfarçadas” que acabavam comprometendo ou dificultando a entrada de seus produtos nos mercados estrangeiros, independentemente de serem competitivos em termos de preço e qualidade.

Spacca

Essas medidas restritivas são comumente denominadas de “behind the border measures”, em alusão a barreiras ocultas e impostas por regulamentos internos e não alfandegários.

O Brasil, por muito tempo, não se debruçou de forma incisiva sobre essa temática, já que sua participação no comércio global sempre foi bastante tímida (cerca de 1% do total) e que, por muito tempo, o mercado interno era o responsável pela sustentação do PIB.

No entanto, com o desenvolvimento da agroindústria e de alguns setores industriais, a exportação passou a ser crescentemente incentivada. Dados oficiais do Banco Central indicam que as exportações cresceram 61% entre 2000 e 2024 — superando o crescimento das importações, que foi de 56% no período —, e assim, contribuindo de forma visível para estabilizar uma balança de pagamentos positiva.

Por outro lado, com o aumento das vendas internacionais — e o aproveitamento de suas vantagens econômicas — vieram também restrições e preocupações com acesso a mercados.

Sem barreiras

Se as barreiras ao comércio, legítimas ou não, fazem parte dos desafios a serem enfrentados pelos exportadores, um governo que visa incentivar suas empresas a explorarem o mercado internacional precisam buscar formas de apoiar e interceder, quando necessário.

Inicialmente, a atuação do governo brasileiro nesse sentido ficava restrita à frente diplomática, buscando negociações e ajustes bilaterais para resolver impasses. Na maior parte dos casos, essa sempre foi uma alternativa interessante e bem sucedida, mas cujo acesso é restrito a grandes empresas que possuem fácil acesso ao governo e equipes treinadas para fornecer insumos técnicos necessários.

Com o passar do tempo — e aumento das exportações — viu-se a necessidade de ampliar as frentes de trabalho, principalmente no tocante à comunicação dos casos junto às autoridades e canais de acesso para formalização de denúncias, de modo a permitir que todo o tipo de empresa, independentemente, de tamanho, setor ou experiência com exportação, pudesse ter seu caso mapeado e endereçado.

Foi neste contexto que, em foi criado, por meio do Decreto nº 10.098/2019, o Sistema Eletrônico de Monitoramento de Barreiras às Exportações (SEM Barreiras). Esta ferramenta, que nasceu como uma forma de parceria público-privada, visa estabelecer um canal de comunicação oficial e permanente entre exportadores e órgãos governamentais de forma a permitir respostas mais rápidas, transparentes e democráticas aos entraves comerciais enfrentados pelos produtos brasileiros no exterior.

O sistema é gerido por um comitê que envolve, de acordo com a norma, as seguintes autoridades administrativas: (1) Secretaria de Política Externa Comercial e Econômica do MRE; (2) Secretaria de Comércio Exterior do MDIC; e (3) Secretaria de Comércio e Relações Internacionais e o Secretário de Defesa Agropecuária do Mapa.

Considerando os desafios atuais, na última semana, o Comitê Gestor do SEM Barreiras, ao aprovar o Plano de Ação 2025-2026 — que consolidou o processo de modernização tecnológica do sistema e divulgou o novo manual para usuários do setor privado —, divulgou a inclusão de Anvisa e Inmetro como convidados permanentes do Grupo Executivo, permitindo maior participação e atuação desses órgãos.

Segundo dados oficiais do governo, a atuação via Sem Barreiras tem trazido conquistas significativas para os exportadores brasileiros, dentre elas, o aperfeiçoamento das regras de tratamento de rotulagem nutricional junto ao Peru (2023), beneficiando US$ 34 milhões em exportações;  a revogação da exigência de Declaração Jurada de Composição de Produto (DJCP) para têxteis e calçados na Argentina (2023), facilitando cerca de US$ 400 milhões em vendas externas e; mais recentemente, a eliminação da exigência da Argentina de certificação obrigatória para placas cerâmicas (2024), evitando prejuízos estimados em US$ 37,6 milhões [3].

Origens e setores

Em 2024, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) publicou a terceira edição de seu Relatório de Barreiras Comerciais [4], no qual destaca que as medidas identificadas e que afetam as exportações brasileiras foram importas, primordialmente por: União Europeia (18 medidas); China (sete), Japão (sete), Argentina (seis); Arábia Saudita (cinco); México (cinco); Índia (cinco); Estados Unidos (quatro); Colômbia (três) e Uruguai (três).

Dentre os principais tipos de barreiras comerciais identificadas, chama a atenção que 26% correspondem a medidas sanitárias e fitossanitárias, 20% a regulamentos técnicos e de conformidade e 10% a medidas/restrições relacionadas a sustentabilidade [5].

No que concerne os setores afetados, apesar das dificuldades de mapeamento, se utilizarmos as estatísticas de disputadas levadas à OMC como parâmetro, é possível verificar que praticamente todos os casos em que o Brasil atuou como pleiteante tiveram como objeto denúncias de barreiras não tarifárias. Destas, seis versam sobre restrições às exportações brasileiras de frango, 6 sobre produtos da indústria siderúrgica, quatro sobre açúcar e três sobre aeronaves. Além desses, mais 6 casos tratam de barreiras impostas sobre outras exportações da agroindústria [6].

Ainda que a quantidade de casos que sejam efetivamente reportados à OMC e virem contenciosos seja bastante restrita, os assuntos e setores trazidos nessas disputas refletem de forma bastante fiel alguns — e talvez os principais — setores brasileiros afetados por barreiras externas.

Barreiras brasileiras

Como dito anteriormente, a política comercial brasileira sempre priorizou barreiras tarifárias como forma de proteção da indústria nacional. Junto a isso, a defesa comercial passou a ganhar relevância. Todavia, barreiras técnicas, sanitárias e fitossanitárias nunca foram temas de destaque, para o bem ou para o mal.

Isso não significa, no entanto, que não existam casos reais em que o mercado brasileiro se valeu dessas medidas para favorecer empresas nacionais. Um exemplo claro foi a polêmica tomada de três pinos instituída compulsoriamente como o padrão técnico brasileiro – e único no mundo – por meio da Lei nº 11.337/2006.

Ainda que possam existir argumentos técnicos e de segurança que suportem a medida, fato é que ela aumentou significativamente o grau de dificuldade para que produtos eletrodomésticos e outros eletrônicos pudessem entrar no Brasil, ao menos em um primeiro momento.

A partir de então, produtores estrangeiros com estoque sobressalente não puderam mais enviar seus produtos ao Brasil, já que somente poderiam entrar bens cuja tomada atendesse aos novos padrões e estivessem certificados. Ou seja, além do aumento do custo de produção para os bens destinados ao Brasil, a medida impedia desvios de comércio, favorecendo os fabricantes nacionais, principalmente aqueles localizados na Zona Franca de Manaus.

Avaliando mecanismos de identificação de barreiras comerciais semelhantes ao modelo brasileiro no exterior, verifica-se que existem outros casos de barreiras comerciais não tarifárias impostas pelo Brasil.

Segundo a análise da União Europeia, a lista atual de barreiras denunciadas/identificadas e que teriam sido impostas pelo Brasil conta com 18 itens, com destaque para barreiras sanitárias e fitossanitárias sobre produtos de origem vegetal e animal [7].

Por sua vez, o relatório de 2025 do governo dos Estados Unidos indica barreiras brasileiras consideradas indevidas sobre produtos como equipamentos pesados, biocombustíveis, vinhos, produtos de telecomunicação e carne de porco [8].

Barreiras são um desafio permanente

Se o atual caso da crise aviária e as barreiras dela decorrentes sobre as exportações brasileiras trazem uma lição é a de que sempre haverá barreiras. Elas vêm e vão, mudam de roupagem, de justificativa legal, mas são um desafio permanente às exportações.

O mercado brasileiro verifica essa situação principalmente nos setores em que é altamente competitivo – justamente por serem as barreiras não-tarifárias as únicas capazes de ameaçar o acesso dos produtos a mercados estrangeiros.

O caso das exportações de frango é emblemático — embora não seja o único — e a posição de maior exportador global traz ao Brasil desafios e entreves constantes.

A experiência releva que existem diversas estratégias que podem atenuar os desafios da exportação, como diversificação de mercados, priorização de destinos com acordos comerciais assinados, gestão de risco e uso de ferramentas de monitoramento, adaptação de produtos e processos e priorização de certificações e padrões internacionais.

Embora essas sejam ferramentas mitigadoras com potencial de trazer certo conforto, sabe-se que as barreiras são parte inerente do comércio internacional e que representam um dos maiores desafios a serem enfrentados, impactando também empresas grandes, competitivas e estruturadas.

Neste contexto, torna-se relevante conhecer as autoridades governamentais e as ferramentas disponíveis para que o exportador receba o apoio necessário e que contramedidas e negociações possam ser estabelecidas de forma célere. E, neste sentido, a popularização e otimização do uso do Sistema SEM Barreiras deve ser um ponto de destaque.

 


[1] Dados oficiais da balança comercial publicados pelo MDIC (link).

[2] WTO. Dispute settlement activity — some figures. Disponível no link.

[3] MDIC. Comércio Exterior – Combate às barreiras não tarifárias ganha novo impulso. 17/06/2025. Disponível no link.

[4] CNI. Relatório de Barreiras Comerciais Identificadas pelo Setor Privado Brasileiro. 3ª Ed. 2024. Disponível no link.

[5] Sobre questão de barreiras ambientais, abordamos a questão do Mecanismo de ajuste de carbono na fronteira (CBAM) no artigo publicado nesta coluna em

[6] WTO. Disputes by member. Disponível no link.

[7] European Comission. Acess2Markets – Trade Barriers. Disponível no link.

[8] US Trade Representative. 2025 National Trade Estimate Report on Foreign Trade Barriers. Disponível no link.

Autores

  • é sócia do Veirano Advogados, doutora em Direito do Comércio Internacional, advogada e consultora especializada em Comércio Internacional e Direito Aduaneiro, professora de pós-graduação e ex-conselheira titular do Carf.

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