PREVIDÊNCIA EM PAUTA

Presidente do INSS defende mediação e alerta para impacto da revisão da vida toda

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22 de junho de 2025, 9h56

Para o presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Gilberto Waller Júnior, “a consensualidade é o futuro”. Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, ele defendeu as soluções alternativas para conflitos, como a mediação, e disse que o órgão está atento ao julgamento da revisão da vida toda no Supremo Tribunal Federal, que vai gerar grande impacto na autarquia.

Gilberto Waller Júnior, presidente do INSS

O julgamento tem sido marcado por idas e vindas. Em dezembro de 2022, os ministros decidiram que os aposentados podiam usar as contribuições previdenciárias anteriores ao início do Plano Real, em 1994, no cálculo de seus benefícios.

Em março de 2024, o tribunal voltou atrás e entendeu que a revisão não era válida. O novo posicionamento, contudo, não encerrou a controvérsia. Duas correntes seguem em disputa no STF — uma que busca pôr fim a qualquer discussão sobre o tema e outra que defende a aplicação da revisão com limitações, mesmo após a decisão contrária. A análise está suspensa após um pedido de vista da ministra Cármen Lúcia.

“Acho que a norma de Direito Previdenciário não se assemelha à norma de Direito Penal, de se aplicar a norma mais benéfica diante do conflito de tempo. A própria Constituição traz esse requisito para fins de conflito de normas penais e não para normas previdenciárias ou normas trabalhistas”, afirma Waller Júnior quando questionado sobre o julgamento no Supremo.

Além da revisão da vida toda, outro tema sensível para o INSS são os descontos ilegais feitos por associações diretamente nos contracheques dos aposentados. O presidente da autarquia defendeu a necessidade de mudanças legislativas.

“O desconto associativo está previsto na Lei 8.213/1991. Precisa verificar se o Congresso vai decidir pela manutenção ou não. Se decidir pela manutenção, teremos que reestruturar um novo projeto, um novo programa. Se entender que não, que a relação é privada, que as associações cobrem suas mensalidades via boleto, cartão de crédito, débito em conta ou outra forma”, disse ele, que assumiu o cargo no início de maio, em meio à divulgação dos descontos indevidos.

Sobre a altíssima judicialização (o INSS lidera o polo passivo do país, com mais de 4,2 milhões de casos pendentes, segundo o Conselho Nacional de Justiça), Waller Júnior diz que o número de processos tem relação com o tamanho do instituto e com as transformações da Previdência.

“A Lei da Previdência foi publicada em 1991 e vem passando por grandes transformações. Essas mudanças legislativas e a questão, por exemplo, da revisão da vida toda, se aplica a norma mais benéfica ou não. Tudo isso acaba implicando num grande número de ações judiciais com teses jurídicas até se conseguir uma pacificação depois de anos e anos de luta”, disse.

Leia a seguir a entrevista:

ConJurO INSS lidera, já há alguns anos, o ranking no polo passivo de processos judiciais. Qual a avaliação do sr. a alta litigância da autarquia?
Gilberto Waller — Na verdade, ele é um dos órgãos com maior litigância devido ao seu tamanho. Nós temos 90 milhões de segurados, o que corresponde a mais de um terço da nossa população. Temos 41 milhões de beneficiários. O INSS não é responsável somente pelo pagamento de benefícios previdenciários, mas também por alguns benefícios que não são de natureza da Previdência, como, por exemplo, o BPC LOAS (benefício de prestação continuada), que é um benefício assistencial. Nós temos o seguro-defesa, o seguro-desemprego. Acaba que com isso, pelo seu tamanho, pela quantidade de segurados e pessoas que o órgão acaba atingindo, tem esse volume enorme de ações, infelizmente.

ConJurNa sua opinião, o que leva a essa litigiosidade? É o atraso na análise dos pedidos, os deferimentos ou os dois juntos?
Gilberto Waller — A Lei da Previdência foi publicada em 1991 e vem passando por grandes transformações. Essas mudanças legislativas e a questão, por exemplo, da revisão da vida toda, se aplica a norma mais benéfica ou não. Tudo isso acaba implicando num grande número de ações judiciais com teses jurídicas até se conseguir uma pacificação depois de anos e anos de luta.

ConJurQue medidas têm sido adotadas para reverter esse cenário?
Gilberto Waller — A ideia é tentar, de maneira consensual, resolver esses litígios. Nós temos um grupo de trabalho com Ministério Público e Defensoria Pública, que atua fortemente para diminuir as demandas. Junto ao judiciário, o INSS também vem tentando a consensualidade e melhorando a aplicação, internamente, das teses vencedoras para poder atuar, administrativamente, da mesma maneira.

ConJurHá entendimentos dos tribunais que trazem grande impacto, a exemplo no caso da revisão da vida toda. Como o INSS responde às novas jurisprudências?
Gilberto Waller — Há um grupo sobre a diminuição de litígios, onde a gente vem trabalhando. A gente trabalha também junto aos órgãos judiciais. Se uma tese já se pacificou, estamos verificando o que podemos fazer administrativamente para absorver aquele tipo de trabalho e evitar novas demandas judiciais.

ConJur O que tem sido feito pela autarquia para reduzir sua fila de requerimentos?
Gilberto Waller — Tivemos uma fila derivada, principalmente, das greves, tanto das perícias quanto dos servidores. A maior parte da fila é para os benefícios por incapacidade e de prestação continuada. O que temos feito? Nossos servidores têm trabalhado fora do horário, com um contraturno. Temos trabalhado inclusive aos sábados e domingos para poder atender nossos segurados.

ConJurHá requerimentos que ultrapassam mais de 180 dias de espera. Quais são as metas para reduzir esse tempo?
Gilberto Waller — Dependendo do tipo de benefício: 48, 60 ou 90 dias são os prazos que a gente tem como meta. Mas a ideia é reduzir principalmente na questão da perícia médica e dos benefícios por incapacidade. Então, por isso, as nossas agências estão abrindo aos finais de semana quase exclusivamente para fazer essa análise dos benefícios de prestação continuada e benefícios por invalidez, que é, na verdade, onde está nosso maior gargalo.

ConJurEssa demora na análise dos pedidos é uma das explicações para a judicialização excessiva? 
Gilberto Waller — O que a gente verifica é que há pessoas que pedem lugares na fila por mais de uma vez. Então, esses 2,7 milhões [que aguardam] não são necessariamente pessoas, mas vagas ocupadas por pessoas que têm dois ou três pedidos. Isso ocorre principalmente quando ela tem representante legal, porque não há a vinculação do CPF, e sim do representante legal dela.

ConJurJá há alguma política ou medida com relação a isso que o senhor possa antecipar?
Gilberto Waller — Não. A gente detectou essa situação e agora vamos tentar verificar no sistema como fechar a possibilidade da pessoa fazer mais de um agendamento.

ConJurUm estudo recente do Ipea mostrou que até 2060 o número de beneficiários deve dobrar em relação ao número de contribuintes. Como o INSS vê essa tendência e o que que pode ser feito para tornar o regime sustentável no futuro?
Gilberto Waller — Temos que diferenciar os tipos de benefícios os quais o INSS é responsável pelo concessão e pagamento. Benefícios assistenciais, a gente não fala em contrapartida. BPC, por exemplo, não falamos em contrapartida. A questão da Previdência, e que a gente tem que observar, é que cada vez mais a expectativa de vida vai aumentando, cada vez mais a projeção de tempo pós trabalho da pessoa aumenta, e isso acaba gerando uma certa instabilidade no sistema. A gente precisa, na verdade, trazer quais são os critérios, principalmente de benefícios por tempo de serviço. A gente tem que trazer a garantia de que ele efetivamente pague a contribuição no período para que possa ter o atendimento quando completar o seu tempo e idade.

Agora, os benefícios que são por invalidez, a gente tem um trabalho que é necessário, que é o de reabilitação, principalmente com invalidez que seja temporária, com a possibilidade dele se reabilitar e voltar para o mercado, para que esse benefício por invalidez não seja permanente. Uma outra preocupação que a gente tem são aqueles benefícios temporários, como, por exemplo, o salário maternidade. A gente tem um julgamento recente do Supremo, que fala que precisa ter uma contribuição previdenciária no período. Isso acaba trazendo um risco a esse sistema contributivo, porque efetivamente o seguro social é você pagar a seguridade e depois ter o retorno quando precisar da aposentadoria.

ConJurQue outras teses em curso no Poder Judiciário o senhor acha que podem produzir impactos no INSS? 
Gilberto Waller — A mais acompanhada foi a revisão da vida toda, e a gente ainda está com um rescaldo em julgamento: se naqueles casos que já foram julgados, o INSS tem que pagar ou não. Isso é um impacto enorme nas contas previdenciárias e esse talvez seja o caso de maior atenção hoje para a gente.

ConJurQual sua avaliação sobre a mudança no posicionamento do STF?
Gilberto Waller — Acho que a norma de Direito Previdenciário não se assemelha à norma de Direito Penal, de se aplicar a norma mais benéfica diante do conflito de tempo. A própria Constituição traz esse requisito para fins de conflito de normas penais e não para normas previdenciárias ou normas trabalhistas.

ConJurA revisão impactará a judicialização do INSS?
Gilberto Waller — Com certeza. É um impacto enorme, não só judicial como financeiro.

ConJur Com relação aos descontos associativos ilegais, qual é a estimativa de prejuízo para o órgão e quais medidas vêm sendo adotadas para proteger os segurados de novas fraudes?
Gilberto Waller — A respeito dos descontos associativos, eles estão suspensos até uma melhor análise sobre se vale a pena ou não o Estado ficar no meio dessa mediação quanto ao desconto associativo, porque é uma relação privada. O INSS, na verdade, simplesmente facilitava a cobrança desse valor. O que a gente fez? Todos os acordos foram suspensos. Se porventura o Congresso Nacional entender que tem que continuar fazendo esse desconto associativo, outras regras precisam ser feitas. Controles maiores precisam ser feitos. Na verdade, uma forma mais rigorosa tem que ser analisada para celebrar este acordo de cooperação técnica. Principalmente evitar que empresas que são laranjas ou fantasmas se sentem à mesa do INSS e assinem um contrato ou acordo de cooperação técnica.

ConJurHá algum diálogo nesse sentido para a mudança na lei?
Gilberto Waller — Isso é um debate que está primeiro sendo feito no Congresso, porque o desconto associativo está previsto na Lei 821/1991. Precisa verificar se o Congresso vai decidir pela manutenção ou não. Se decidir pela manutenção, teremos que reestruturar um novo projeto, um novo programa. Se entender que não, que a relação é privada, que as associações cobrem suas mensalidades via boleto, cartão de crédito, débito em conta ou outra forma.

ConJurQual é o impacto do avanço da informalidade sobre a autarquia? Há alguma projeção?
Gilberto Waller — A informalidade, a pejotização, o MEI… Tudo acaba impactando nas contas da Previdência, porque essas pessoas não contribuem. Seguro social quer dizer: você contribui para, depois de um período, quando tiver certa idade ou uma invalidez, esse seguro venha a repor. Se você não tem a contribuição pela informalidade, se você não tem a contribuição pela pejotização, você tem um impacto nas contas da Previdência, porque depois com 60 ou 65 anos, quando você quiser se aposentar, você não fez aquela contribuição primeiro. Isso gera impacto. A gente precisa adaptar essa nova realidade para o seguro social.

ConJurExiste alguma política ativa no INSS para ampliar a base de contribuintes entre os informais?
Gilberto Waller — Por enquanto não tem nenhum estudo nesse sentido, mesmo porque são contribuintes facultativos.

ConJurFalando de soluções, o que está sendo feito em termos tecnológicos para para poder melhorar o serviço prestado?
Gilberto Waller — Temos um dilema a ser tratado. O INSS foi muito para o digital. Hoje, você faz o pedido pelo Meu INSS, enquanto 70% das agências estão fechadas. Verificamos que isso não facilitou o atendimento ao nosso segurado. Nosso segurado tem um perfil diferente. Ele tem um perfil que precisa do contato presencial. Quando ele encontra uma agência fechada, ele recorre a uma pessoa para intermediar o seu benefício. O que a gente precisa é facilitar o contato do INSS com o segurado. Então, ao invés de a gente investir muito no meio digital, a gente precisa investir muito no atendimento humanizado. É preciso humanizar o atendimento do seguro social. O seguro social tem que ser a casa do aposentado e da pensionista.

ConJur Como o INSS tem buscado humanizar o atendimento?
Gilberto Waller — O INSS, há algum tempo atrás, preferiu fechar suas agências. Hoje temos 70% das agências fechadas, sem atendimento ao público, e optou-se pelo atendimento digital e agendado, a fila eletrônica. Apesar de ser amplamente utilizado pelos nossos aposentados e pensionistas, isso traz um problema. O nosso segurado, quando procura a Previdência, está numa situação de quase dependência, seja pela sua idade, pelo tempo que já contribuiu, por alguma doença, ou outra situação. Se o INSS fecha a porta, afirma que o atendimento presencial não existe e está limitando o segurado a uma forma de atendimento. Isso faz com que ele procure outra pessoa para poder atuar junto ao INSS. Acho que isso não é o devido. Isso efetivamente pode trazer um prejuízo, inclusive para o segurado, porque ele terá que pagar para alguém atuar em uma situação que ele poderia efetivamente tratar de forma direta. Então, nossa ideia agora é que a gente trabalhe mais neste atendimento humanizado, que o segurado entenda que aquela é a casa dele.

ConJur Na prática, o que isso acarretará?
Gilberto Waller — A gente precisa, paulatinamente, começar a reabrir essas agências para fazer o atendimento presencial. Na questão do desconto associativo, quando abrimos o atendimento presencial nas agências dos Correios, verificamos que atingimos outras pessoas que a gente não alcançava pelo meio digital. E essas pessoas, na sua grande maioria, saem satisfeitas porque foram atendidas por alguém. Porque elas olhavam no aplicativo ou ligavam no 135 e não tinham certeza se tinham feito certo ou não. São pessoas que precisam de um amparo, de empatia, olho no olho, ter a certeza de que não está sendo subtraído. Quando você fecha esse atendimento presencial, você traz o intermediário e também entidades não muito honestas que vem a trapacear o nosso aposentado e pensionista. Isso é grave.

ConJur O fechamento de 70% de unidades do INSS decorre da pandemia ou de alguma política interna?
Gilberto Waller — Já era uma política a digitalização. Com a pandemia acabou se agravando essa situação. A gente precisava continuar funcionando, então migrou-se para o serviço digital, assim como a grande maioria dos serviços também foi. É importante termos o serviço digital, mas ele não é o perfil do nosso usuário. O perfil do nosso usuário são nossos avós e pais, que ainda têm insegurança de mexer com mecanismo digital. Quando a pessoa está insegura, ela vai procurar um terceiro. Pode ser um filho, um irmão, a esposa ou o marido; mas pode ser também um intermediário que queira simplesmente passar a perna nele.

ConJur Tendo em vista a fraude dos descontos, quais são as medidas que o INSS tem adotado ou pretende adotar para poder esclarecer a população sobre golpes?
Gilberto Waller — Lembramos que o INSS não procura o segurado por WhatsApp, SMS, e-mail, entre outras formas. O INSS é procurado, e geralmente pelo aplicativo, pelo 135 ou quando você vai na agência. Ao mesmo tempo, a gente vem melhorando as campanhas de comunicação para poder informar o nosso usuário. Também estamos nos comprometendo a fazer uma campanha de educação financeira e de segurança da informação para os nossos segurados. Isso de forma gratuita para que ele possa acessar e tomar mais cuidado com o que ele assina ou em quem ele confia.

ConJur Voltando para a questão dos litígios, existe algum diálogo com as outras instituições, principalmente do sistema de Justiça, para lidar melhor com o acervo do INSS?
Gilberto Waller — O litígio é ruim para todos: para o segurado, para o Judiciário, para o INSS. O que a gente precisa é sentar e tentar, de forma consensual, resolvê-lo. É mostrar as teses, verificar efetivamente aquilo que a gente pode melhorar administrativamente e aquilo que também a gente pode fazer para evitar a judicialização, como a gente está fazendo agora com os descontos associativos. Se a gente espera o boom de ações, a litigiosidade máxima, para começar esse procedimento, teríamos, no mínimo, mais três milhões de pessoas dentro da Justiça. E é isso que a gente não quer. Por isso, estamos fazendo acordos com Ministério Público, Defensorias e Judiciário para poder evitar ao máximo o  litígio.

ConJur Com relação à pauta habitual do INSS, o que que que tem sido feito para evitar a judicialização?
Gilberto Waller — Na pauta habitual, via Procuradoria Geral Federal, temos verificado os temas que são mais sensíveis, que efetivamente a gente precisa atuar e aqueles que a gente precisa, na verdade, mudar a forma interna de procedimentos ao internalizar algo que a gente tá fazendo errado. A Procuradoria Geral Federal também está trazendo uma ferramenta para dentro de solução consensual, com propostas de acordo antes da judicialização. Acho que é importante. A consensualidade é o futuro.

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