Embargos de declaração para sanar ausência de fundamentação e superar óbices ao REsp
22 de junho de 2025, 16h21
A interposição do recurso especial no Superior Tribunal de Justiça é um dos principais instrumentos de uniformização da interpretação da lei federal no Brasil. No entanto, o seu cabimento e processamento são cercados por diversas restrições, muitas delas sumuladas pelo próprio STJ, que visam a evitar que a Corte atue como terceira instância revisora de fatos e provas. Dentre esses óbices, destaca-se a Súmula 7 do STJ, que impede a análise de recurso especial que demande o reexame de provas.
Nesse cenário, os embargos de declaração emergem como ferramenta crucial, especialmente quando opostos antecedentemente ao recurso especial, suprindo os requisitos de prequestionamento e delimitando a lide aos preceitos legais.
Para buscar atingir o objetivo de garantir o exame do recurso, uma questão importante é arguir a ausência de fundamentação do acórdão proferido pelo tribunal de origem. A correta utilização desse recurso não só busca a nulidade do julgado por vício intrínseco, mas também pode pavimentar o caminho para a análise do recurso especial pelo STJ, superando as barreiras processuais que, de outra forma, o inviabilizariam.
Nulidade por prestação jurisdicional incompleta ou ausência de fundamentação
A Constituição, em seu artigo 93, inciso IX, impõe o dever de fundamentação de todas as decisões judiciais, sob pena de nulidade. Essa exigência não se limita à mera indicação de dispositivos legais ou à reprodução de ementas, mas sim à exposição clara e congruente dos motivos que levaram o julgador a formar seu convencimento, permitindo às partes compreenderem o raciocínio e, consequentemente, exercerem plenamente o direito ao contraditório e à ampla defesa. Note-se:
“Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
(…)
IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;”
Um acórdão que carece de fundamentação adequada é, portanto, um acórdão nulo. A norma processual civil, no artiago 489, §1º especificou o que não se considera fundamentação em uma decisão judicial. Veja-se:
“Art. 489. São elementos essenciais da sentença:
(…)
- 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.”
Dessa forma, a decisão judicial que esteja maculada por um desses vícios, é considerada nula.

Essa nulidade, de ordem pública, pode ser arguida a qualquer tempo e grau de jurisdição. É nesse ponto que os embargos de declaração se mostram essenciais. Ao apontar a ausência de fundamentação, o embargante não busca a alteração do mérito da decisão, mas sim a sua integração ou esclarecimento, ou, no caso de vício insanável, a declaração de sua nulidade.
Vale trazer o entendimento do STJ de que tal instituto estaria sujeito à preclusão, uma vez que a ausência de arguição da nulidade nos embargos de declaração, impede que a Corte Superior aprecie a nulidade arguida, como se verifica no julgamento do REsp 1.809.204/DF, relatado pelo ministro Mauro Campbell Marques, em julgamento da 1ª Primeira Seção, realizado em 10/02/2021 e publicado no DJe 24/02/2021.
Assim, com a devida arguição em embargos de declaração da evidente omissão que acarretará a nulidade do julgado, caso não sanada, além do Superior Tribunal de Justiça ter a oportunidade de anular eventual acórdão que possua uma fundamentação precária. Como exemplo, podemos apontar o julgamento do Recurso Especial nº 2.081.201–MG, relatado pela ministra Maria Isabel Gallotti, publicado no DJe/STJ nº 3706 de 28/08/2023.
Portanto, a arguição de nulidade, deve estar presente desde os embargos de declaração, na forma de possível ofensa aos artigos 489, II, § 1 , IV, e 1.022, I e II, do CPC, em caso de não acolhimento dos Embargos, sob pena de não conhecimento da nulidade.
Embargos de declaração como via para afastar a Súmula 7/STJ
A relevância dos embargos de declaração para fins de recurso especial se acentua quando a nulidade arguida é a ausência de fundamentação. Se o tribunal de origem, ao julgar os embargos, persistir na omissão ou contradição quanto à fundamentação, ou se a fundamentação for tão genérica a ponto de não permitir a compreensão do raciocínio, estará caracterizada a violação ao artigo 489, §1º, do Código de Processo Civil (CPC).
Nesse cenário, o recurso especial não estará discutindo o mérito da causa ou buscando o reexame de fatos e provas (o que atrairia a Súmula 7/STJ). Ao contrário, ele estará veiculando uma questão de direito processual, qual seja, a nulidade do acórdão por vício de fundamentação. O STJ, ao analisar um REsp que discute a nulidade por ausência de fundamentação, não estará adentrando no conjunto fático-probatório, mas sim verificando se o tribunal de origem cumpriu com o dever constitucional e legal de fundamentar suas decisões.
Efeito interruptivo e necessidade de prequestionamento
É fundamental ressaltar que a oposição dos embargos de declaração possui efeito interruptivo do prazo para a interposição de outros recursos, inclusive o recurso especial. Além disso, a sua utilização é indispensável para fins de prequestionamento da matéria. Para que o STJ possa analisar a violação ao dever de fundamentação, é imprescindível que essa questão tenha sido suscitada perante o tribunal de origem. Os embargos de declaração são o meio adequado para tal.
Conclusão
Os embargos de declaração, quando utilizados de forma estratégica e focada na arguição da ausência de fundamentação do acórdão, representam um instrumento poderoso para o advogado no processo civil brasileiro. Ao buscar a nulidade do julgado por um vício de ordem pública e de natureza processual, abrem-se as portas para que o Superior Tribunal de Justiça analise a questão no Recurso Especial, independentemente dos óbices que cercam o mérito da demanda, como a Súmula 7.
É, portanto, um passo indispensável para garantir a efetividade do devido processo legal e assegurar que as decisões judiciais sejam proferidas de forma clara, coerente e devidamente motivada. A não utilização desse recurso de forma adequada, em casos de manifesta ausência de fundamentação, pode significar a perda de uma valiosa oportunidade de ver a questão levada à apreciação do STJ.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!