Embargos de declaração no processo administrativo tributário
22 de junho de 2025, 8h00
Partindo da noção do processo administrativo tributário como mecanismo de solução de conflito capaz de reduzir a judicialização, o presente texto abordará os embargos de declaração enquanto instrumento processual relevante para o alcance desse objetivo.
A ausência de padronização dos procedimentos dos processos administrativos tributários que se observa no País é apontada como um problema que merece atenção. Por isso tramitam alguns projetos de lei com a finalidade de trazer normas gerais de processo administrativo tributário, como são exemplo os Projetos de Lei Complementar 381/2014 [1] e 124/2022 [2], esse último produzido pela Comissão de Juristas responsável pela elaboração de anteprojetos de proposições legislativas com objetivo de dinamizar, unificar e modernizar o processo administrativo e tributário nacional, presidido pela Ministra Regina Helena Costa.
Sabendo que o lançamento é o ato administrativo constitutivo do crédito tributário, o processo administrativo, por sua vez, é a forma pela qual a administração realiza o autocontrole de legalidade. Dessa forma, impõe-se reconhecer que as normas que regulam o processo administrativo tributário configuram verdadeiras normas de aplicação do direito material em conflito. São normas que regulam o efetivo desempenho da competência administrativa tributária [3].
Assim como no âmbito judicial, a decisão proferida na seara administrativa deve ser fundamentada tanto por se tratar de ato administrativo, quanto por compreender o documento em que se formaliza a solução do conflito.
A fundamentação deve ser clara, livre de contradição ou erros materiais e apreciar toda a matéria de defesa e pedidos postos ao exame do julgador administrativo, sob pena de nulidade [4]. Cabendo aos embargos de declaração a função de sanar tais falhas.
Contudo, uma vez que cabe ao ente político competente por cada tributo o poder de estabelecer as regras procedimentais do seu processo administrativo tributário, nota-se que nem todas as legislações preveem o cabimento dos embargos de declaração. Tome-se como exemplo, a legislação do processo administrativo tributário estadual no estado do Espírito Santo.

Algumas administrações alegam que a oposição dos embargos declaratórios provocaria aumento do tempo de tramitação do processo administrativo. Tal afirmativa não é necessariamente verdadeira, pensamos. O efeito, a bem da verdade, tende a ser o oposto especialmente quando a decisão deixa de apreciar alguma matéria de defesa ou algum pedido da impugnação administrativa. Isso porque, a omissão será matéria de recurso a ser apreciado por outra instância e, sendo provido o recurso, resultará na anulação da decisão e o retorno dos autos para que outra decisão seja proferida apreciando os pontos sobre os quais não havia manifestado.
Mas não só, a ausência desse recurso, por vezes, resulta na judicialização de demandas com a pretensão de obrigar o julgador administrativo a conhecer do recurso em âmbito administrativo, fundada na previsão [5] de aplicação subsidiária e supletiva do Código de Processo Civil ao processo administrativo [6].
Qualquer ato decisório que deve ser fundamentado é passível de apresentar falhas e, para situações desse quilate, os embargos de declaração são o adequado instrumento. Tal recurso deve ser apreciado pelo mesmo julgador, seja o órgão colegiado ou não, que proferiu a decisão com defeito, possibilitando efetuar eventuais correções necessárias.
Confirmam a utilidade e a relevância dos embargos de declaração o conteúdo dos referidos projetos de lei complementar. Vejamos.
No caso do PLP 124/2022, que pretende introduzir o “Capítulo IV – Do processo administrativo fiscal” no Código Tributário Nacional, está previsto no projetado artigo 208-C, § 1º [7], o cabimento dos embargos de declaração contra despachos com conteúdo decisório, decisão ou acórdão.
Já o PLP 381/2014 estabelece o cabimento do recurso aclaratório no artigo 2º, § 3º [8].
Em ambos os projetos de lei complementar há previsão de interrupção do prazo dos recursos cabíveis, seguindo previsão contida no caput do artigo 1.026 do CPC/2015 [9].
Não se pode olvidar, ainda, do que dispõe a respeito o PLP 108/2024 que regulamentará o processo administrativo tributário relativo ao Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS), ao prever em seu artigo 98, o cabimento dos embargos declaratórios sob nova denominação pedido de retificação.
Apesar do nome, esse instrumento processual é dotado das características dos embargos de declaração, inclusive, sua apresentação implica a interrupção da fluência dos prazos de outros recursos.
Em suma, há que se reconhecer que os embargos de declaração são instrumento recursal de grande valia para o contencioso administrativo permitindo aos julgadores que aperfeiçoem suas próprias decisões e evitem a anulação de atos processuais, de modo a agilizar a tramitação dos processos no âmbito administrativo e colaborando com a redução da judicialização.
Por isso, é recomendável que as legislações estaduais e municipais introduzam o recurso nos processos administrativos.
[1] Estabelece normas gerais sobre o processo administrativo fiscal no âmbito das administrações tributárias da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
[2] Altera a Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), para dispor sobre normas gerais para solução de controvérsias, consensualidade e processo administrativo em matéria tributária e aduaneira.
[3] Nesse sentido: “Sendo o processo administrativo-tributário a instância na qual os entes políticos exercem o autocontrole da legalidade da atividade impositiva, não fica difícil concluir que as regras que regem os contenciosos administrativos fiscais constituem típicas normas de desempenho da competência administrativa tributária, pois reguladoras do modo de aplicação do direito material tributário quando realizada sob o pretexto da conflituosidade, razão pela qual, por expressa determinação constitucional (art. 5º, incisos LIV, LV e LXXVIII), devem observar o esquema dialético (contraditório) característico do processo jurisdicional”. – PRIA, Rodrigo Dalla. Direito processual tributário. 1. ed. São Paulo: Noeses, 2020. p. 663.
[4] Valiosas as seguintes lições de Fredie Didier Jr.: ”Uma decisão administrativa que seja omissa, obscura, contraditória ou incorra em erro material não é uma decisão devidamente fundamentada, não se respeitando o contraditório e, de resto, o devido processo legal.” In Curso de processo civil o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 18 ed. rev., atual. e ampl. Salvador Editora Juspodvm, 2021. p. 355.
[5] Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente. BRASIL. Código de Processo Civil. Lei 13.105 de 16 de março de 2015, disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm, acessado em 22/05/2025.
[6] A respeito prelecionam Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha: “O instrumento adequado para suprir uma omissão, esclarecer uma obscuridade, eliminar uma contradição ou corrigir um erro material é o recurso de embargos de declaração. Tal recurso deve ser admitido no âmbito do processo administrativo, por força das garantias constitucionais do processo, igualmente aplicáveis ao processo administrativo”.
Além das garantias constitucionais do processo, o art. 15 do CPC determina sua aplicação, subsidiária e supletiva, ao processo administrativo. Significa, por isso tudo, que cabem embargos de declaração também o âmbito administrativo.” – In Curso de processo civil o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 18 ed. rev., atual. e ampl. Salvador Editora Juspodvm, 2021. p. 356.
[7] Art. 208-C. O julgamento dos processos de exigência de tributos e penalidades previstos na legislação tributária e de outros que lhes são correlatos observará o seguinte:
I – a apresentação tempestiva de impugnação terá o efeito de instaurar o contencioso administrativo fiscal, suspendendo a exigibilidade do crédito tributário impugnado imediatamente, na forma do art. 151, inciso III, desta Lei;
II – os julgamentos de primeira e segunda instâncias serão realizados conforme legislação específica;
III – da decisão de primeira instância caberão recurso voluntário e remessa necessária, conforme legislação específica;
IV – quando houver instância superior, caberá recurso especial contra decisão de segunda instância que conferir à legislação tributária e aduaneira interpretação diversa daquela que lhe tenha atribuído outro colegiado do mesmo tribunal administrativo, conforme legislação específica.
§1º Caberão embargos de declaração, que terão o efeito de interromper o prazo para a interposição de outros recursos, por qualquer das partes, contra despacho com conteúdo decisório, decisão ou acórdão para esclarecer obscuridade, suprir omissão ou eliminar contradição ou erro material, nos termos da legislação específica.
§2º Não caberá a interposição de recurso hierárquico a Secretário de Estado, Ministro de Estado ou qualquer outro integrante do Poder Executivo em face de decisão definitiva favorável ao sujeito passivo proferida em processo administrativo fiscal.
[8] § 3º Cabem embargos de declaração, que interrompem o prazo para a interposição de outros recursos, por qualquer das partes, quando o acórdão ou a decisão monocrática de primeira instância contiver obscuridade ou contradição, ou for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o colegiado ou o julgador monocrático.
[9] Art. 1.026. Os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo e interrompem o prazo para a interposição de recurso.
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