Cobrança de IPTU em imóveis com multipropriedade: alternativas legais e práticas
22 de junho de 2025, 7h04
A multipropriedade imobiliária, introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei 13.777/18, representa uma inovação significativa no direito de propriedade, ao permitir que um mesmo imóvel seja compartilhado por diversos proprietários em frações de tempo, com registro individualizado no cartório de imóveis. O modelo, comum em destinos turísticos, viabiliza o acesso a imóveis de alto valor econômico.

Apesar dos benefícios econômicos, o regime de multipropriedade trouxe desafios significativos na esfera tributária, particularmente em pequenos municípios, que enfrentam dificuldade em gerenciar a fiscalização e cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) de milhares de proprietários com pequenas frações.
Diante desse cenário, este artigo tem por objetivo analisar os impactos tributários, a viabilidade jurídica de centralizar o pagamento do IPTU no condomínio e propor soluções para mitigar os desafios enfrentados.
Complexidade na cobrança do IPTU em regime de multipropriedade
A multipropriedade está atualmente prevista nos artigos 1.358-B a 1.358-U do Código Civil (CC/02). O modelo, já consolidado em outros países, proporciona maior eficiência na utilização das propriedades e dilui os custos de manutenção entre vários proprietários.
Cada imóvel pode ser dividido em frações temporais de, no mínimo sete dias, conforme artigo 1.358-E, §1º, do CC/02. Considerando que o ano possui 52 semanas, cada imóvel pode ter até 52 frações temporais, ou seja, até 52 proprietários distintos.
Cada fração é registrada de forma autônoma no Cartório de Registro de Imóveis, garantindo aos multiproprietários direitos reais individualizados, como a possibilidade de alienação da fração, por exemplo.
Entretanto, essa estruturação gera um entrave prático: como conciliar a individualização das frações com a cobrança do IPTU?
Nos termos do artigo 34 do CTN, o sujeito passivo do IPTU é o proprietário do imóvel. No contexto da multipropriedade, cada fração é considerada uma unidade autônoma para fins de lançamento tributário, resultando na emissão de diversos carnês de IPTU para um mesmo imóvel, com valores proporcionais àquela fração. Porém, em pequenos municípios, a fiscalização e cobrança de tantas frações é impraticável. O custo administrativo supera os ganhos arrecadatórios, especialmente em localidades onde os recursos humanos e tecnológicos do Fisco são limitados.

Para ilustrar, tome-se como exemplo um empreendimento com 200 unidades, cada uma com valor do IPTU de R$ 5.200,00. No regime tradicional, o município teria 200 sujeitos passivos e arrecadaria R$ 1.040.000,00. Agora, considerando que o empreendimento adote o modelo de multipropriedade, cada um desses 200 imóveis poderia ter até 52 proprietários. Isso resultaria em 10.400 sujeitos passivos de IPTU. Contudo, cada um desses sujeitos passivos pagaria ao município apenas R$ 100,00 de IPTU.
Nesse cenário, enquanto o valor total arrecadado pelo município permaneceria o mesmo, o número de sujeitos passivos aumentaria 5100%, gerando uma sobrecarga administrativa que poderia inviabilizar a gestão tributária municipal.
Esse cenário evidencia a necessidade de soluções que simplifiquem a arrecadação sem comprometer a regularidade fiscal
Modelo alternativo de arrecadação: o condomínio como responsável
Uma solução possível seria permitir que o condomínio, responsável pela administração do empreendimento, assuma a responsabilidade tributária pelo pagamento do IPTU. Embora não possua personalidade jurídica plena, o condomínio é obrigado a manter CNPJ e inscrição junto à Receita Federal. Além disso, possui capacidade para exercer atos necessários à sua administração e atuar como representante dos interesses coletivos dos condôminos, conforme disposto nos artigos 1.331 a 1.358 do CC/02.
Na esfera tributária, salvo em situações específicas, como no pagamento das contribuições previdenciárias e trabalhistas incidentes sobre a folha de salário de seus funcionários, os condomínios não são considerados contribuintes. Contudo, podem ser responsáveis tributários, como no caso do recolhimento do ISS devido pelos serviços prestados ao condomínio.
No que se refere ao IPTU, a jurisprudência do STJ estabelece que “somente a posse com animus domini é apta a gerar a exação predial urbana, que não ocorre com o condomínio, in casu, que apenas possui a qualidade de administrador de bens de terceiros”. (AgRg no REsp 1361631/DF)
Conforme entendimento acima, o condomínio não pode ser considerado contribuinte do IPTU por não possuir “animus domini”, isto é, a intenção de agir como dono do imóvel.
Logo, é importante destacar que o entendimento firmado pelo STJ apenas impede a caracterização do condomínio como contribuinte do IPTU, mas não exclui a possibilidade de sua classificação como responsável tributário deste, ou seja, como figura centralizadora do recolhimento integral do imposto em nome dos condôminos.
Essa possibilidade está expressamente prevista no artigo 128 do CTN, que autoriza a atribuição da responsabilidade tributária a terceiros relacionados ao fato gerador, desde que exista previsão legal específica. Assim, há possibilidade de o condomínio ser o responsável pelo recolhimento do IPTU em nome dos condôminos.
Para que essa centralização seja implementada, devem ser observados os seguintes requisitos:
- Previsão legal: Deve haver disposição expressa em lei municipal permitindo a centralização do lançamento do IPTU em nome do condomínio, afastando a individualização por fração;
- Acordo formalizado: Os multiproprietários devem anuir com a centralização, por meio da convenção condominial regularmente aprovada; e
- Cadastro único: O imóvel deve estar registrado sob um único cadastro no âmbito municipal, para que o imposto seja lançado diretamente em nome do condomínio.
Atendidos esses pressupostos, o município poderá emitir um único carnê de IPTU com o valor total devido, simplificando a gestão fiscal e reduzindo significativamente os custos administrativos. Retomando o exemplo anteriormente citado, a emissão de um único carnê no valor de R$ 1.040.000,00 em nome do condomínio substitui a emissão de 10.400 carnês individuais de R$ 100,00.
Quanto à relação entre o condomínio e o Fisco, a responsabilidade atribuída poderá ser exclusiva ou supletiva. Na primeira hipótese, o Fisco cobrará exclusivamente do condomínio. Na segunda, caso haja inadimplemento e frustração da cobrança, será possível o redirecionamento da execução aos multiproprietários, respeitada a fração correspondente de cada um, independentemente de terem ou não quitado sua cota internamente — preservando-se, nesse caso, o direito de regresso.
Já no plano interno, entre o condomínio e os multiproprietários, cabe à gestão condominial adotar mecanismos eficazes para evitar a inadimplência, como a estipulação de sanções na convenção e, se necessário, a utilização de garantias contratuais.
É essencial reconhecer que essa responsabilidade pode impactar o fluxo de caixa do condomínio, exigindo uma gestão prudente dos riscos e a implementação dos controles adequados. Havendo inadimplemento por parte de algum multiproprietário, o condomínio poderá promover a cobrança judicial ou aplicar as penalidades convencionadas.
Conclusão
A multipropriedade representa um modelo legítimo e inovador, mas que desafia o modelo tradicional de arrecadação do IPTU. A centralização da cobrança no condomínio, com respaldo legal e contratual, pode beneficiar tanto o Fisco quanto os contribuintes.
Contudo, para que isso ocorra, é necessário que os municípios atuem legislativamente, criando normas específicas, ajustando seus cadastros e promovendo diálogo com o setor privado. A criação de incentivos fiscais — como descontos para multipropriedades que optarem pela centralização — pode ser um caminho eficiente e juridicamente viável, conforme autoriza o artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal.
É preciso ampliar esse debate, envolvendo juristas, administrações locais e o setor imobiliário, para encontrar soluções sustentáveis e compatíveis com a complexidade da multipropriedade urbana.
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