TEMPOS DE PAZ

TSE vive trégua institucional e mira eleições de 2026

Autor

21 de junho de 2025, 8h15

* Reportagem publicada no Anuário da Justiça Brasil 2025, lançado na última quarta-feira (11/6), no STF (clique aqui para assistir ao evento na íntegra). A versão impressa está à venda na Livraria ConJur (clique aqui). Acesse a versão digital pelo site do Anuário da Justiça (anuario.conjur.com.br).

Ilustração criada por João Spacca | @joao.spacca

O ano é 2025 e a Justiça Eleitoral brasileira passa bem, obrigado. Quem a atacou está inelegível, virou réu por tentativa de golpe de Estado ou está silenciado —alguns dos líderes dos movimentos antidemocráticos se enquadram em mais de uma opção. As eleições municipais de 2024 tiveram problemas moderados, sem maiores desdobramentos. As big techs, em vias de serem reguladas pelo Supremo Tribunal Federal, não impactaram o pleito. Correm tempos de paz, só não se sabe até quando.EoTribunal Superior Eleitoral tenta aproveitar a trégua.

CAPA - Anuário da Justiça Brasil 2025, BR25, Brasil 2025

Capa da nova edição do Anuário da Justiça Brasil 2025

Os tempos mais recentes na corte foram de tranquilidade política e muito trabalho, para dar conta do número de recursos referentes aos julgamentos de casos registrados nas eleições em mais de cinco mil municípios, em outubro de 2024. Eles têm sido a prioridade das pautas de julgamento. Desde que a ministra Cármen Lúcia assumiu a Presidência do TSE, em junho de 2024, foram poucos os julgamentos de impacto nacional.

Nenhuma ação de investigação judicial eleitoral (Aije) das eleições presidenciais de 2022 andou — apenas uma, que denunciava o tratamento privilegiado dado pela Jovem Pan a Jair Bolsonaro, teve movimentação relevante: foi arquivada como último ato do então corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Raul Araújo, em outubro de 2024.

O TSE afastou a cassação do governador de Rondônia, coronel Marcos Rocha (União Brasil), e seu vice, Sérgio Gonçalves, em um dos processos que eles respondem por abuso de poder político. Também converteu em diligências um caso que pede a cassação do senador Jorge Seif (PL-SC), um dos integrantes da ala radical do bolsonarismo que segue atacando o Judiciário, mas, convenientemente, não a Justiça Eleitoral.

Isso não significa que o tribunal não precisou responder a crises. A última delas foi decorrente ainda da gestão de Alexandre de Moraes e partiu de uma reportagem da Folha de S. Paulo que afirmou que, durante sua gestão como presidente do TSE, ele teria usado a corte de forma não oficial para produzir relatórios e embasar decisões no inquérito das fake news, em trâmite no Supremo Tribunal Federal. A reportagem se esforçou para equiparar essa atuação, regular, aos métodos usados na operação “lava jato”, apesar de não haver quaisquer semelhanças.

A Presidência do TSE, de fato, tem competência para elaborar relatórios sobre atividades ilícitas, desinformação, discurso de ódio eleitoral, tentativa de golpe de Estado e atentado à democracia e às instituições. E pode inclusive enviar essas informações para o STF. Moraes disse que seria “esquizofrênico” se ele, na condição de integrante do Supremo, tivesse que oficiar a si pró-prio pela atuação no TSE. A ministra Cármen Lúcia se manifestou a favor do colega, na corte eleitoral.

A essa altura, o tribunal já estava com o foco totalmente voltado para as eleições municipais, que tinham campanha em andamento. Nessa atuação mais remota — já que os casos urgentes são todos apreciados pelos juízes eleitorais e Tribunais Regionais Eleitorais — coube ao TSE tomar medidas pontuais.

Em setembro, aprovou mudança em uma resolução para deixar claro que o uso de plataformas para apostas caracteriza ilícito eleitoral e pode configurar abuso de poder econômico e captação ilícita de votos. Isso porque uma reportagem da revista Veja mostrou que os sites de bets permitiam apostas para as eleições de ao menos 11 capitais até então. No mesmo mês, a ministra Cármen Lúcia pediu que os TREs, o Ministério Público e a Polícia Federal priorizassem casos de violência durante a campanha, exemplificados pela cadeirada dada por José Luiz Datena em Pablo Marçal, durante debate entre os candidatos à prefeitura de São Paulo.

página 213 (2) - anuário brasil 2025

As eleições ocorreram dentro de uma relativa normalidade. Não houve intercorrências relevantes das atuações das redes sociais, as quais foram enquadradas por normativas do TSE em janeiro daquele ano, com imposição de obrigações e proibições. Segundo o TSE, os estados de São Paulo e de Minas Gerais foram responsáveis por 45,7% dos alertas de desinformação recebidos no período. O que ocorreu, segundo reportagem da Folha de S. Paulo, foram fraudes por transferências em massa de eleitores entre cidades, principalmente as pequenas, com indícios de compra de votos. Os casos citados são investigados pela PF e levaram o TSE, até o momento, a dar de ombros. Cármen Lúcia minimizou as denúncias, em dezembro. O primeiro turno teve 2.618 crimes eleitorais e 515 prisões, segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública. A abstenção foi de 21,7% do eleitorado — menor que os 23,5% de 2020.

Agora o TSE começa a voltar os olhos para as eleições presidenciais de 2026, que são tradicionalmente mais desafiadoras do ponto de vista político. Alguns recados jurisprudenciais já foram dados. Em um dos mais impactantes, o TSE mudou a própria jurisprudência para fixar que a rejeição de contas que fixa débito a ser pago pelo gestor público gera inelegibilidade, ainda que o Tribunal de Contas reconheça a prescrição da pretensão punitiva. Incide ao caso o artigo 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar 64/1990. A corte também vetou o uso de um atalho para a quitação eleitoral de quem não prestou contas de campanha anterior: a quitação, que é um pressuposto para a candidatura, só pode ser obtida ao fim da legislatura, ainda que o responsável tenha feito a regularização posteriormente. O precedente é importante porque reforça a ideia de que quem não presta contas não pode concorrer nas duas eleições seguintes.

O tribunal também abriu os olhos para a pretensa infiltração de candidaturas de integrantes de organizações criminosas. Em dezembro de 2024, derrubou o registro de um candidato a vereador que responde a ação penal por crimes em situações típicas de atividade miliciana. A conclusão é de que, mesmo sem condenação definitiva, a acusação indica que ele não tem a moralidade requerida para o exercício do mandato eletivo para o qual pretende concorrer. E concluiu que, se o limite de gastos na campanha foi cumprido e não há indícios de desvios, não cabe à Justiça Eleitoral avaliar a proporcionalidade das verbas utilizadas com militância paga durante as eleições. No caso, as contas de campanha do réu foram julgadas regulares pela Justiça, e os limites de gastos foram cumpridos. E não há qualquer apontamento do uso ilícito da verba empregada.

Alguns temas continuam constantes na pauta do tribunal, apesar de contarem com posição reafirmada e solidificada. Um exemplo é aquele relacionado à cota de gênero, que exige que os partidos inscrevam ao menos 30% de pessoas de cada sexo para concorrer aos cargos proporcionais — vereador e deputado. O TSE vem mantendo um rigor espartano, confirmado pelo julgamento em que concluiu que a fraude à cota gera a cassação de toda a chapa, ainda que isso signifique a perda do mandato da única mulher eleita para uma câmara municipal. Nesse caso, o tribunal debateu a ideia de anular apenas os votos dos homens, que são os beneficiados pelo ilícito. A decisão resultou na edição da Súmula 73, em maio de 2025, depois de anos sem novos enunciados. O último, de número 72, havia sido editado em 2017.

página 213 - anuário brasil 2025

Fachada do prédio do TSE, em Brasília; Foto: Secom/TSE

Outro tema é importante porque vai influenciar a análise do TSE no tema da propaganda eleitoral antecipada nas eleições de 2026. Trata-se da adoção ou não do critério das “palavras mágicas”, segundo o qual pré-candidatos só podem ser multados se efetivamente usarem termos específicos para pedir votos antes do momento adequado — “votem”, “apoiem” ou “elejam”, por exemplo. Esse critério foi abandonado pelo TSE em 2022, substituído pelo chamado “conjunto da obra”: se o contexto, os atos e as palavras ditas no período vedado deixam claro que se trata de propaganda eleitoral, então a multa será devida. Em março de 2025, o tribunal voltou a debater se volta com as “palavras mágicas”, em um caso em que o pré-candidato foi a público para dizer que “tem mais trabalho vindo aí” ao exaltar as conquistas do então prefeito da cidade.

Esse caso teve pedido de vista da ministra Cármen Lúcia e pode demorar para ser retomado. Como o TSE tem priorizado os casos das eleições de 2024, alguns outros têm ficado de lado por prazos extensos. Um exemplo é o do julgamento em que Raul Araújo sugeriu que o tribunal seja mais tolerante com os ataques que tem sofrido durante as campanhas eleitorais. A ação discute falas do comentarista Rodrigo Constantino na Jovem Pan em 2022, quando acusou o TSE de censura contra a emissora, atacou pessoalmente seus membros e associou o então candidato Lula a uma facção criminosa do Rio de Janeiro. Apesar da conveni-ência em definir esse tema, ele segue engavetado desde fevereiro de 2024, aguardando o voto vista da ministra Cármen Lúcia. A situação se repete em outros processos.

Quando assumiu o cargo, em junho de 2024, a presidente do TSE discursou prometendo combater a mentira sem medo. “O ilícito será investigado e, se provado, será punido na forma da legislação vigente. O medo não tem acesso em casa de Justiça nenhuma. Até porque, como já lembrava Ruy Barbosa, não há salvação para juiz covarde”, destacou. Já em janeiro de 2025, na abertura do ano judiciário, o foco foi outro: defendeu cuidado para que as inovações tecnológicas não se tornem manifestações manipuladas por ódios e violência política. “Há de se garantir liberdade com informação correta para que sua expressão seja a manifestação de liberdade, não de exposição manipulada de ódios e violências”, disse a presidente do TSE. A corte está com sorte. O tema está sendo debatido e julgado no Supremo Tribunal Federal, em três recursos sobre a interpretação do artigo 19 do Marco Civil da Internet. As propostas, até o momento, são para admitir a responsabilização das big techs, em diferentes extensões. Será conveniente que esse julgamento chegue ao fim antes da campanha presidencial de 2026. Pode ajudar o TSE, especialmente em um cenário de polarização mantida.

ANUÁRIO DA JUSTIÇA BRASIL 2025
19ª Edição
ISSN:
 2179981-4
Número de páginas: 256
Versão impressa: R$ 50, à venda na Livraria ConJur
Versão digital: disponível gratuitamente no app “Anuário da Justiça” ou pelo site anuario.conjur.com.br

Anuário da Justiça Brasil 2025 contou com o apoio da Fundação Armando Alvares Penteado — FAAP.

Anunciaram nesta edição do Anuário da Justiça Brasil:
Adriana Bramante Advogados Associados
Advocacia Amanda Flávio de Oliveira
Advocacia Fernanda Hernandez
Arruda Alvim & Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica
Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia
Basilio Advogados
Bergamini Advogados
Bermudes Advogados
Bialski Advogados Associados
Bottini & Tamasauskas Advogados
Bradesco S.A.
Carneiros Advogados
Cecilia Mello Advogados
Cesa – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
Corrêa Advogados
CP Legal Claims
D’Urso & Borges Advogados Associados
Dias de Souza Advogados
FAAP
Fidalgo Advogados
Gomes Coelho & Bordin Sociedades de Advogados
Gueller e Vidutto – Sociedade de Advogados
Hasson Sayeg, Novaes e Venturole Advogados
Heleno Torres Advogados
JBS S.A.
Laspro Consultores
Lucon Advogados
Machado Meyer Advogados
Marcus Vinicius Furtado Coêlho Advocacia
Maria Fernanda Vilela & Advogados
Mauler Advogados
Milaré Advogados
Moraes Pitombo Advogados
Moro e Scalamandré Advocacia
Mubarak Advogados
Multiplan
Nelio Machado Advogados
Ordem dos Advogados do Brasil – São Paulo
Palheiro & Costa – Sociedade de Advogados
Pardo Advogados Associados
Perez e Rezende Advogados
Procópio de Carvalho Advocacia
Refit
SOB – Sacramone, Orleans e Bragança Advogados
Tavares & Krasovic Advogados
Tojal Renault Advogados
Warde Advogados

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!