O ITCMD e a distribuição desproporcional de lucros
21 de junho de 2025, 9h21
Com a disseminação das holdings como instrumento de planejamento patrimonial e sucessório, muitos questionamentos têm sido levantados pelos Fiscos das três esferas. Debates surgem com relação à integralização dos imóveis e incidência do ITBI, de competência dos municípios. A União questiona a distribuição de lucros em valor fixo mensal sem a determinação de prolabore e, na esfera estadual, ganha força o debate acerca da incidência do ITCMD na distribuição desproporcional de lucros pelas sociedades.
Muitas empresas familiares são constituídas como holdings, quer seja de participação societária ou patrimonial. Com isso, pais e filhos passam a ser sócios nesses empreendimentos e, muitas das vezes, por opção ou pelo fato da maior parte do patrimônio ser de titularidade dos pais, a distribuição de quotas societárias é feita garantindo a maioria da participação aos integrantes da primeira geração.
Em razão disso, a distribuição de lucros não segue a quantidade de quotas societárias distribuídas aos integrantes da sociedade, sendo feita de forma desproporcional, atraindo o olhar da fiscalização estadual.
Distribuição desproporcional de lucros
O Código Civil autoriza a distribuição desproporcional de lucros em seu artigo 1.007 [1] e, para que seja regular, deve haver previsão nos atos constitutivos da sociedade e nas deliberações societárias, não havendo a previsão de qualquer outro requisito.
Assim, quando ocorre deliberação no sentido da distribuição desproporcional, o sócio renuncia a parte dos lucros que lhe cabe em benefício de outro sócio, caracterizando uma liberalidade que atrai a incidência do ITCMD.
Nesse sentido entendeu o Tribunal de Justiça de São Paulo no julgamento do processo nº 1089011-58.2023.8.26.0053, [2] que, ao analisar o caso concreto, identificou que não havia propósito negocial para a distribuição desproporcional dos lucros da empresa, mas somente a existência de animus donandi.

Frise-se que, no caso citado, o TJ-SP aprofundou a análise fática para identificar o motivo dos sócios não receberem a distribuição de lucros de acordo com a sua participação societária e concluiu que não havia fundamentos para tal, o que caracterizaria uma mera liberalidade. No caso concreto, a maioria da participação era detida pelos pais, que transferiram os lucros aos filhos que sequer exerciam a administração da empresa. Com isso, ainda que prevista no contrato social e autorizada pelo Código Civil, a distribuição desproporcional era na verdade uma doação a ser tributada pelo imposto estadual, nos termos do artigo 155, I da Constituição.
Dissimulação de doação
O caso citado não é isolado. O TJ-SP também julgou o processo nº 1087688-18.2023.8.26.0053 [3] no sentido de que “a distribuição desproporcional de lucros, sem justificativa negocial clara, foi considerada dissimulação de doação”.
Como se pode ver, de acordo com as decisões acima citadas, a distribuição desproporcional de lucros somente pode ser oponível ao Fisco, de modo a afastar a incidência do ITCMD se houver justificativa negocial, ou seja, quando o sócio recebe um montante maior como contraprestação por uma conduta por ele praticada.
Entretanto, tal conduta merece atenção, ao passo que, se a referida distribuição desproporcional de lucros estiver relacionada com a atividade laboral do sócio, poderá atrair a incidência do imposto de renda, caso seja caracterizada como contraprestação do trabalho.
Assim, para evitar a incidência do ITCMD, de acordo com a construção jurisprudencial do TJ-SP, as estruturas societárias devem ser ajustadas para representar um propósito negocial na distribuição desproporcional de lucros, caracterizando uma relação entre a postura do sócio e o valor por ele recebido.
Por fim, como se não bastasse, para evitar o enquadramento como pró-labore, o pagamento também não deve ser uma contraprestação pelo trabalho. Caso contrário, atrairá a incidência do imposto de renda da pessoa física.
[1] Art. 1.007. Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas.
[2] APELAÇÃO – MANDADO DE SEGURANÇA – ITCMD – DOAÇÃO TRAVESTIDA DE DISTRIBUIÇÃO DESPROPORCIONAL DE DIVIDENDOS – IMPOSSIBILIDADE DE AFASTAMENTO DA TRIBUTAÇÃO REFERENTE À DOAÇÃO – Pretensão mandamental voltada a reconhecer o direito líquido e certo do impetrante de não ser compelido ao pagamento do ITCMD incidente sobre a distribuição desproporcional de lucros realizada pela sociedade DAVILAR PROJETOS E EMPREENDIMENTOS LTDA., em 05/01/2017, ou, alternativamente, a redução da multa de 100% do valor do tributo – inadmissibilidade – a doação difere da distribuição desproporcional de lucros lícita em razão da liberalidade espontânea estar presente na primeira situação e o propósito negocial na segunda – ausente, no caso, a razão negocial, e presente a liberalidade espontânea, assim considerado o animus donandi, de modo que a transferência do patrimônio da sociedade para os sócios (não administradores à época), ainda que com aparência de distribuição desproporcional de lucros, caracteriza-se como doação – causae debendi válida para a lavratura do AIIM nº 4.152.021-0 – MULTA TRIBUTÁRIA – Revisão do entendimento anterior, de modo a uniformizar a jurisprudência desta Corte (art . 926 do CPC) – Multa tributária punitiva fixada em patamar superior a 100% do valor do tributo – Caráter confiscatório não configurado – Precedentes do C. Supremo Tribunal Federal e desta E. Corte – sentença de parcial concessão da ordem de segurança mantida. Recurso do impetrante desprovido. (TJ-SP – Apelação: 10890115820238260053 São Paulo, Relator.: Paulo Barcellos Gatti, Data de Julgamento: 16/12/2024, 4ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 28/01/2025)
[3] DIREITO TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. ITCMD. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em Exame 1. Mandado de segurança impetrado para obter a nulidade de autos de infração por suposto não recolhimento de ITCMD. Sentença pela qual foi denegada a ordem. Apelação dos impetrantes sustentando não se tratar de doação, mas de distribuição desproporcional de lucros, a afastar a incidência de ITCMD. II. Questão em Discussão 2. Determinar se a distribuição desproporcional de lucros caracteriza fato gerador do ITCMD. III. Razões de Decidir 3. Em mandado de segurança, é necessário demonstrar direito líquido e certo, o que não foi comprovado pelos impetrantes. 4. A autoridade tributária pode desconsiderar atos que dissimulem o fato gerador do tributo. A distribuição desproporcional de lucros, sem justificativa negocial clara, foi considerada dissimulação de doação. IV. Dispositivo e Tese 5. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. A distribuição desproporcional de lucros sem justificativa negocial pode ser considerada dissimulação de doação para fins de ITCMD. 2. A ausência de comprovação de direito líquido e certo inviabiliza a concessão de mandado de segurança. Legislação Citada: Código Civil, art. 1 .007, art. 538; Lei Estadual nº 10.705/2000; Código Tributário Nacional, art. 116 Jurisprudência Citada: Ap . nº 0011435-14.2011.8.26 .0348, Rel. Des. Sidney Romano dos Reis, j. 04/11/2013; RMS n. 13.514/TO, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, j . 20/02/2003 (TJ-SP – Apelação Cível: 10876881820238260053 São Paulo, Relator.: Maria Olívia Alves, Data de Julgamento: 12/02/2025, 6ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 12/02/2025)
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