Opinião

 MP 1.303/25 e as alterações nas declarações de compensação

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21 de junho de 2025, 17h19

Além das grandes e importantes alterações voltadas às aplicações financeiras e ativos virtuais, a MP 1.303/2025, em seu artigo 64, instituiu duas novas situações em que declarações de compensações (Dcomps) serão consideradas não declaradas: (i) àquelas com fundamento em documento de arrecadação inexistente e; (ii) as que decorram de créditos de PIS/Cofins que não guardem relação com a atividade econômica da empresa no regime não cumulativo.

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Segundo a exposição de motivos da medida provisória, o governo teria identificado um volume expressivo de compensações baseadas nas duas situações acima. Assim, como forma de coibir a tentativa de aproveitamento de créditos indevidos decorrentes dessas situações, incluiu as alíneas “g” e “h” no §12º, do artigo 74, da Lei nº. 9.430/96, com o objetivo, ipsis litteris, de “eliminar ambiguidades e interpretações divergentes”.

A primeira das novas situações incluídas, disposta na alínea “g”, pode parecer simples e até causar estranheza em um primeiro momento — como um contribuinte poderia transmitir, de boa-fé, uma Dcomp com um documento de arrecadação (comprovante de pagamento) inexistente? Na prática, porém, é comum que em algumas situações as compensações não sejam aceitas por erro no reconhecimento do Darf que comprova o pagamento a maior, passando o documento “despercebido” no sistema da Receita Federal.

A segunda situação, por sua vez, ao exigir uma vinculação direta do crédito à atividade econômica, estabelece um critério subjetivo de análise. Ainda mais ao observarmos que, apesar da tese firmada pelo STJ no Tema 779, relativa ao conceito de insumos para a tomada de crédito de PIS/Cofins, ainda há inúmeras controvérsias nos tribunais administrativos e judiciais sobre a tomada de crédito, que devem ser analisadas caso a caso, de acordo com os critérios de “essencialidade” ou “relevância” do insumo, como determinado pelo próprio Superior Tribunal de Justiça na decisão mencionada.

Tendo em vista as primeiras reações negativas de juristas e contribuintes quanto à referida alínea “h”, a subsecretaria da divisão de Tributação e Contencioso da Receita indicou que a intenção da medida não seria restringir a utilização de créditos ordinários relacionados a insumos, mas, em verdade, de créditos presumidos (como no caso de empresas que utilizam créditos presumidos decorrentes de atividades que não seriam as suas principais), de modo que o sistema da Receita não analisará o enquadramento como insumo ou não para fins de creditamento.

Em que pese o posicionamento da Receita, essa não é a interpretação feita a partir de uma leitura literal do dispositivo legal ou das justificativas da MP. A redação gera a incerteza sobre os critérios de análise das Dcomps que serão transmitidas pelos contribuintes.

Muito disso vem do fato das inúmeras consequências de uma compensação ser considerada como “não declarada”. De um lado, os débitos objetos da compensação passam a ser cobrados imediatamente, nos termos do artigo 78 da IN 2.055/2021, além dos débitos não poderem ser compensados em outra Dcomp futuramente, como ocorre com os não homologadas, conforme o artigo 76 da IN RFB nº 2.055/2021.

Defesa

O ponto mais preocupante, todavia, reside na possível limitação ao direito à ampla defesa e contraditório dos contribuintes. Isso porque, ao considerar uma compensação como “não declarada”, o efeito prático é a inexistência jurídica da Dcomp (como se nunca tivesse sido transmitida), a exigência dos débitos que seriam compensados com multa e juros de mora por meio de Auto de Infração e a impossibilidade do contribuinte se defender por meio de Manifestação de Inconformidade — sendo possível apenas a interposição de Recurso Hierárquico, previsto na Lei nº. 9.784/99, sem efeito suspensivo e apreciado internamente pela Receita, sem análise da DRJ e do Carf.

Vale destacar que essa primeira análise parte das informações disponibilizadas nos sistemas parametrizados da Receita e o contribuinte não apresenta as razões de seu crédito, além daquelas informações “pré-preenchidas” dispostas no PER/Dcomp Web.

O Congresso já se movimenta com propostas de emendas para suprimir o artigo 64 da MP, que trata dessas alterações. A principal crítica levantada pelos parlamentares, condiz com a incerteza na redação dos dispositivos. Destaca-se, nesse sentido, as Emendas 109 e 420, propostas em 17/06.

Embora o combate às fraudes nas compensações seja legítimo e necessário para uma otimização da arrecadação tributária e na sistemática de compensações, ele não pode ser feito através de normas genéricas e/ou que prejudiquem os contribuintes que atuem de boa-fé.

Diante disso, é necessário que o Congresso revise o conteúdo do artigo 64 da MP nº 1.303/2025, de modo a garantir maior precisão na redação dos dispositivos legais incluídos e atender à própria justificativa apresentada pelo governo federal de evitar fraudes. Mas, também, assegurar a segurança jurídica dos contribuintes que atuam de boa-fé, evitando um possível aumento desnecessário do contencioso tributário.

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