Licenciamento: urgência de empreendedores como agentes de transformação
21 de junho de 2025, 16h56
No tema do licenciamento ambiental, um ponto que tem despertado discussões e enfrentado críticas há décadas refere-se à demora excessiva para a concessão das licenças. Este fato, por vezes, é atribuído a um suposto excesso de regulação, que prolonga o intervalo entre o pedido e a efetiva avaliação dos riscos e impactos ambientais associados ao empreendimento.

Conforme explorado no artigo anterior publicado nesta coluna no dia 25 de maio, intitulado “O que está por trás do PL 2.159? Desvendando a crise do licenciamento ambiental”, é evidente que as dificuldades associadas a este processo não podem ser analisadas de forma simplista. Enquanto o sistema apresenta pontos de ineficiência e morosidade, é igualmente necessário observar o papel desempenhado pelos empreendedores no desenrolar dessas demandas socioambientais, tema que agora nos propomos a explorar.
Um aprofundamento sobre como as práticas empresariais muitas vezes desvirtuam o propósito desse instrumento de proteção ao meio ambiente devem levar a uma reflexão sobre uma das pontas que permanecem soltas na solução desse problema.
De fato, um dos aspectos críticos relacionados ao licenciamento ambiental, está na visão do próprio empreendedor em relação ao licenciamento. Trazendo um trecho do artigo anterior, citado acima, fica evidente como este processo, frequentemente, é abordado de forma superficial:
“Geralmente o empreendedor desconhece o conteúdo licenciado, delega a um consultor ou funcionário de baixo escalão da empresa para cumprir e prestar contas ao órgão ambiental que quase nunca volta ao empreendimento para sua fiscalização (…).”
Essa percepção revela um dos maiores desafios do licenciamento ambiental em sua execução: os empreendedores, muitas vezes, tratam o processo apenas como um obstáculo burocrático, necessário para “liberar” o projeto. O resultado disso é a total desconexão entre os objetivos pretendidos pela legislação — prevenir, mitigar e compensar impactos ambientais — e a forma como, de fato, esses objetivos são operacionalizados.
Condicionantes ambientais permanecem sem implementação efetiva, externalidades negativas são ignoradas ou adiadas, e as comunidades locais — as principais impactadas pelos empreendimentos — permanecem invisíveis no processo de gestão ambiental. Problemas como os conflitos gerados por queixas desconsideradas, ausência de diálogo ou respostas efetivas por parte da empresa só reforçam a ideia de que as dificuldades do licenciamento não são causadas apenas pelo sistema regulatório, mas também pela indiferença de quem dele se beneficia.
Por trás desse comportamento, muitas vezes está uma falha de consciência e de gestão ambiental. É comum que o empreendedor delegue a terceiros (consultorias ambientais ou técnicos internos de baixo escalão) as responsabilidades pelo cumprimento das condicionantes, sem buscar uma real compreensão das atividades licenciadas e de seus impactos.
Essa prática, contudo, demonstra não apenas o distanciamento do empreendedor em relação a suas responsabilidades, mas um descompasso com as exigências crescentes de um mercado que, aos poucos, reconhece a importância da sustentabilidade. Investidores, consumidores e a opinião pública estão cada vez mais vigilantes e exigem que as empresas não apenas mitiguem seus impactos, mas adotem uma postura ética e proativa frente à gestão ambiental.
É preciso que o empreendedor abandone essa cultura de minimizar custos no curto prazo à custa de danos ambientais futuros. A verdadeira sustentabilidade passa por internalizar os impactos ambientais no modelo de negócios e nas decisões estratégicas.
Importante destacar, nesse ponto, que a legislação ambiental, a apuração de infrações e crimes e a atuação dos Tribunais não tem sido suficientes para uma mudança de modelo mental e comportamental que se exige dos empreendedores. Permanece uma queda de braço entre órgão ambiental que estabelece exigências e o empreendedor, de outro lado, que muitas vezes negligencia, procrastina e esconde informações relevantes como forma de atenuar custos e se eximir de responsabilidades.
Essa situação, que envolve a ética nas relações entre empreendimentos e os territórios afetados, acaba por gerar um rigor frequentemente desproporcional nas exigências feitas pelos órgãos ambientais. Por cautela, essas exigências ampliam as medidas de monitoramento ambiental e mitigação de riscos, muitas vezes desproporcionais às reais chances de ocorrência desses riscos. Como resultado, há um custo elevado, que se manifesta tanto no prolongado tempo necessário para análise dos pedidos quanto no constante vai e vem de notificações e demandas adicionais.
Sem contar no retrabalho e no comprometimento das equipes já escassas dos órgãos ambientais que precisam revistar os processos de licenciamento várias e várias vezes, comprometendo a eficiência e gerando as filas de processos em análise.
A crítica ao sistema de licenciamento ambiental é pertinente e necessária, mas deve ser acompanhada de uma análise sobre como os empreendedores se colocam diante de suas responsabilidades socioambientais. Ignorar esse aspecto seria deixar de lado uma peça essencial do quebra-cabeça.
Mais do que esperar por um sistema regulatório ágil e eficiente, é preciso que os empreendedores assumam um novo papel: o de agentes de transformação, comprometidos não apenas com a viabilidade econômica de seus empreendimentos, mas também com os impactos que eles geram no meio ambiente e na sociedade.
O que se observa, mais recentemente, são narrativas construídas em torno de ESG, acompanhadas de premiações e selos ambientais conferidos a empresas e empreendimentos que, contudo, revelam deficiências significativas na implementação efetiva de medidas ambientais ao longo do ciclo de vida de seus projetos. Esse cenário, embora revestido de uma bela aparência, mas desprovido de substância, acaba por arcar com um alto custo real: o aumento contínuo das exigências regulatórias, na fase preliminar de aprovação dos projetos.
Isso porque sabedores que o acompanhamento dos empreendimentos por parte dos órgãos ambientais, na fase de pós licença, ocorrerá com muita dificuldade pois, no limite, se exigiriam fiscais contínuos em vistorias aos empreendimentos, acaba-se por estabelecer condicionantes e exigências cada vez mais rigorosas na fase de licença.
Crise
A crise enfrentada pelo licenciamento ambiental exige soluções sistêmicas, mas também mudanças profundas na postura dos agentes do mercado. A legislação, por si só, é insuficiente, como também o é o papel dos órgãos ambientais, por mais eficientes que o sejam. O futuro está nas mãos daqueles que entendem que crescimento econômico e sustentabilidade não precisam — e não devem — caminhar em direções opostas.
A regulação jurídica desempenha um papel fundamental na transformação do licenciamento ambiental, não apenas como instrumento normativo, mas também como um mecanismo de indução de comportamentos éticos e responsáveis pelos empreendedores. Em primeiro lugar, é necessário que o arcabouço normativo vá além da mera fixação de exigências formais e penalidades e passe a adotar ferramentas que incentivem a proatividade empresarial na gestão ambiental. Isso pode ser feito por meio de políticas regulatórias que recompensem boas práticas ambientais — como programas de certificação oficial com benefícios fiscais, prazos reduzidos ou maior flexibilidade na tramitação de processos para empresas que demonstrem excelência ambiental.
Além disso, a incorporação de instrumentos de compliance ambiental, com requisitos de governança que atribuam maior responsabilidade direta às lideranças empresariais e o estabelecimento real de penalidades, inclusive de ordem pessoal para dirigentes, alinha-se à necessidade de responsabilizar os verdadeiros decisores pelos impactos de suas empresas.
O licenciamento ambiental no Brasil exige mais do que ajustes pontuais ou discursos de sustentabilidade. Ele demanda uma mudança cultural que deve começar nas empresas, com empreendedores que saibam enxergar o licenciamento ambiental como um aliado de seus empreendimentos.
Essa transformação também requer que a regulação e os entes públicos adotem posturas mais modernas, indutoras e colaborativas, promovendo um ambiente onde a responsabilidade socioambiental seja um dos pilares centrais.
Somente com a combinação de normas claras, incentivos adequados, participação social ativa e a mudança de postura do setor privado será possível construir um sistema de licenciamento ambiental que não seja apenas mais eficiente, mas que, acima de tudo, cumpra sua principal função: garantir o equilíbrio entre o progresso econômico e a proteção do meio ambiente, deixando um legado ético e sustentável nos territórios. O desenvolvimento do Brasil não está ligado apenas ao crescimento de seus empreendimentos, mas à maturidade de seus atores e à capacidade de aprender com os desafios que o futuro nos impõe.
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