Necessidade de concessão de anistia tributária para prestadoras de serviços de ativos virtuais
21 de junho de 2025, 6h37
Impulsionado por uma espiral constante de liquidez e adoção, o mercado brasileiro de ativos virtuais há muito tempo deixou de ser periferia experimental para figurar como vértice pulsante da economia informático‑financeira nacional. A cada exercício amplia‑se o patamar de capital mobilizado, o leque de participantes — do investidor de varejo às prestadoras de serviços —, e solidifica‑se a percepção de que a infraestrutura em tecnologia blockchain, longe de ser mero ciclo, assume caráter sistêmico e irreversível.

Apesar do crescente mercado, a ausência de um arcabouço regulatório claro criou uma zona cinzenta que afeta não apenas a esfera tributária dos detentores de ativos virtuais, mas também as operações comerciais das prestadoras de serviços, bem como a conformidade com normas financeiras e de proteção ao consumidor.
A Lei nº 14.478/22, conhecida como Marco Legal dos Criptoativos, embora seja um avanço, é um ato normativo de eficácia limitada, visto que depende de regulamentações complementares do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários que ainda não foram plenamente implementadas, de modo que, até o presente momento, questões cruciais como segregação patrimonial e travel rule ainda permanecem sem diretrizes claras, deixando as PSAVs em um limbo jurídico que inibe a plena formalização do setor e que aumenta os riscos de sancionamento aos integrantes do mercado.
Mesmo nesse cenário de incerteza regulatória, atores de todos os portes — desde investidores de varejo às startups de custódia, passando por gestoras de liquidez e instituições financeiras — dedicaram-se pioneiramente ao desenho e à operação de soluções baseadas em ativos virtuais e tecnologia blockchain, movidos pelo compromisso com a inovação, pela lógica de livre mercado e pela busca de maior eficiência e de inclusão financeira.
Tributação de PSAVs
Essa zona cinzenta é ainda mais crítica na questão tributária para as PSAVs, que enfrentam dificuldades para enquadrar suas operações em categorias fiscais tradicionais, como a tributação de ganhos de capital, serviços ou rendimentos financeiros. Não bastasse isso, a carência de regulamentação e de orientações específicas sobre operações típicas do mercado de ativos virtuais — como a apuração de ganho de capital em swaps entre tokens, a tributação de rendimentos provenientes de staking, yield farming e protocolos de empréstimo colateralizado, a contabilização de eventos de fork e airdrops, bem como o enquadramento fiscal de contratos de investimento coletivo em criptoativos — aprofunda a insegurança jurídica.
Na ausência de parâmetros definidos para base de cálculo, alíquotas e prazos de apuração, investidores e prestadores de serviço ficam expostos a riscos de autuações fiscais e litígios judiciais, comprometendo a previsibilidade e a competitividade do setor.
Tendo em vista que as obrigações tributárias específicas do mercado de ativos virtuais não existiam quando essas empresas começaram a operar, não havia como cumpri‑las — e, ainda assim, prestaram serviços de boa‑fé, exercendo livre iniciativa e impulsionando o progresso tecnológico e a inclusão financeira. Imputar sanções retroativas a esses agentes equivaleria a punir a própria vanguarda do setor, desestimular investimentos e deslocar capital e talento para ambientes regulatórios mais acolhedores — medida extremamente desvantajosa para o Brasil, que recentemente alcançou a nota 5,9/10 no Crypto Asset Regulation Index 2025 da Coincub, que tem como objetivo mensurar quais países melhor equilibram inovação e proteção ao consumidor no ecossistema de ativos virtuais.
Anistia tributária
Nesse contexto, a proposta de uma anistia tributária para o mercado de ativos virtuais emerge como uma solução pragmática e necessária para regularizar os passivos acumulados e para promover a formalização do setor, que, em grande medida, operou à margem do sistema oficial — num verdadeiro submundo fiscal. Ao trazer essas atividades para o âmbito da legalidade, a anistia não apenas retira as PSVAs do limbo, mas também fortalece o Estado de direito, amplia a base de arrecadação e estimula a competitividade, permitindo que o ecossistema de ativos virtuais se desenvolva de forma sustentável e integrada à economia formal.
A anistia tributária configura‑se como instituto de exclusão do crédito tributário, pois opera o perdão legal das penalidades pecuniárias decorrentes de infrações fiscais antes mesmo de seu lançamento formal, impedindo o nascimento do débito acessório. Em outras palavras, embora reconheça o fato gerador e mantenha a exigência do tributo principal, a lei afasta as multas e os juros que lhe seriam acrescidos, desde que as exigências legais sejam atendidas pelo contribuinte.
Por se tratar de benefício fiscal, sua vigência e escopo devem estar expressamente previstos em lei ordinária, em observância ao artigo 180 do Código Tributário Nacional e ao princípio da legalidade estrita. Ademais, só alcança antecipadamente infrações ocorridas antes da sua publicação, não se aplicando a atos dolosos, fraudulentos ou simulados, tampouco a crimes tributários. Por fim, permanece aberta a possibilidade de revogação de ofício caso o beneficiário não observe as condições estipuladas, situação em que se restabelece o crédito tributário, acrescido de encargos e correções cabíveis.
No caso dos ativos virtuais, esse instrumento seria particularmente adequado, dado que a zona cinzenta regulatória mitigou a capacidade dos contribuintes de cumprir suas obrigações fiscais no passado. Portanto, a anistia não seria um perdão irrestrito, mas um reconhecimento da excepcionalidade do contexto, permitindo as prestadoras de serviços regularizem suas situações sem o peso de sanções desproporcionais — além de configurar verdadeira justiça tributária ao reconhecer e reparar contribuintes que atuaram de boa-fé em um ambiente normativo incipiente, ao mesmo tempo que atenderia ao princípio da proporcionalidade ao calibrar as sanções de modo a não impor ônus excessivo diante da complexidade e inovação inerentes ao setor.
Transparência do mercado
A anistia também incentivaria a declaração de ativos não reportados, trazendo bilhões de reais para a formalidade, aumentando a transparência do mercado e reduzindo a economia paralela, o que alinharia o Brasil às melhores práticas internacionais. Ao permitir o pagamento do tributo principal em parcelas acessíveis, a anistia geraria receita imediata para o governo, eliminando os custos de fiscalizações prolongadas e litígios, bem como evitando a imposição de sanções administrativas e a instauração de procedimentos criminais contra indivíduos que agiram de boa‑fé em cenário de incerteza normativa.
A proposta de anistia tributária para o setor de ativos virtuais encontra respaldo em precedentes históricos no Brasil, como o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (Rerct), instituído pela Lei nº 13.254/2016. Conhecido como “Lei da Repatriação”, o Rerct permitiu a regularização de ativos não declarados mantidos no exterior, mediante o pagamento de Imposto de Renda (15%) e multa reduzida (15%), sem persecução penal por crimes como evasão de divisas, desde que os recursos tivessem origem lícita.
Regulação de obrigações passadas
É importante destacar que a proposta de anistia para o mercado de ativos virtuais não tem por objetivo sufocar a inovação e nem representar um golpe nas finanças descentralizadas. Ao contrário, ela se limita a regularizar obrigações pretéritas para as PSVAs que atuaram em ambiente de incerteza normativa, sem impor novas restrições às operações futuras. Ao conferir clareza jurídica sobre passivos já constituídos, a medida afasta riscos de autuação retroativa, reduz a litigiosidade e fortalece a confiança de desenvolvedores e investidores no ecossistema.
Com isso, cria‑se um ambiente seguro e previsível, indispensável para que protocolos de finanças descentralizadas continuem a evoluir, atrair capital e fomentar soluções inovadoras, plenamente integradas ao mercado formal e alinhadas às melhores práticas internacionais.
Não se pode olvidar que a grave lacuna normativa e a ineficácia das poucas normas existentes serviram como terreno fértil proliferação de esquemas ilícitos. Em especial, as fraudes em formato de Ponzi — organizadas em torno de promessas de retornos exponenciais sem qualquer lastro real — tornaram‑se um dos vetores mais nefastos desse submundo fiscal, ao lado de operações de lavagem de dinheiro via mixers, OTCs e P2Ps escusos, além dos diversos golpes em ofertas iniciais de tokens.
Em consequência, consolidou‑se um duplo estigma: a demonização do mercado de ativos virtuais e a criminalização indevida de seus participantes. Reconhecer essa realidade histórica é fundamental para que a futura anistia tributária se concentre exclusivamente em débitos pretéritos de quem atuou de boa‑fé, sem oferecer brechas para a impunidade dos verdadeiros criptocriminosos.
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