Prescrição nos Tribunais de Contas: tema em busca de constante pacificação
20 de junho de 2025, 13h26
A prescrição das pretensões ressarcitória e punitiva no âmbito dos Tribunais de Contas, especialmente do Tribunal de Contas da União, tem sido objeto de incessantes embates com o Supremo Tribunal Federal.
O TCU e a Suprema Corte têm protagonizado reações mútuas: o STF se manifesta sobre determinada decisão do Tribunal de Contas, o qual, como consequência, adota novo entendimento que acaba, por vezes, frustrando a reação buscada pelos jurisdicionados.
Não faltam exemplos que demonstram isso.
Até pouco tempo atrás, o TCU compreendia que a sua competência ressarcitória era imprescritível (Súmula TCU n° 282 — As ações de ressarcimento movidas pelo Estado contra os agentes causadores de danos ao erário são imprescritíveis), e que sua competência sancionatória se sujeitava ao prazo prescricional de 20 anos (cf. Acórdão n° 71/2000 – Plenário), posteriormente reduzido para 10 anos, conforme ampla jurisprudência.

A primeira reação da Suprema Corte acerca da prescrição da pretensão sancionatória ocorreu quando foi concedida a medida liminar no MS n° 32.201, de lavra do ministro Roberto Barroso. Essa decisão reconheceu a aplicabilidade da Lei n° 9.873/99, que prevê o prazo prescricional de cinco anos. Por um longo período, o TCU rejeitou a aplicação desse entendimento por ter sido veiculado em mera decisão monocrática e, inclusive, reforçou seu posicionamento pelo prazo de dez anos, nos termos do Acórdão n° 1441/2016-Plenário.
No âmbito do ressarcimento, a reação da Suprema Corte veio com a edição do Tema de Repercussão Geral n° 899 que reconheceu, na esteira dos Temas de Repercussão Geral n° 666 e 897, a prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas. No julgado paradigma (RE 636.886), a Suprema Corte foi clara ao destacar que “o TCU não julga pessoas, não perquirindo a existência de dolo decorrente de ato de improbidade administrativa, mas, especificamente, realiza o julgamento técnico das contas a partir da reunião dos elementos objeto da fiscalização (…)”, afastando a previsão da supramencionada súmula n° 282 do TCU.
Esses julgados, proferidos respectivamente em 2016 e 2017, inauguraram novas frentes de discussão perante o Tribunal de Contas, que, apesar das reiteradas decisões da Suprema Corte, resistiu a implementar mudanças.
Somente no ano de 2022 é que o Tribunal de Contas da União editou a Resolução n° 344/2022 e passou a adotar oficialmente o prazo de prescrição quinquenal tanto para a sua competência ressarcitória quanto para a sancionatória.
Do que parecia um movimento pelo apaziguamento da questão sobrevieram novas discussões ainda mais intensas.
O TCU, apesar de ceder e adotar os marcos interruptivos da Lei n° 9.873/99, passou a entender que essa Lei permitia múltiplas interrupções sequenciais dos prazos prescricionais por atos de idêntica natureza. Ou seja, apesar de o prazo ter sido reduzido à metade, o TCU firmou a compreensão de que todos os atos de apuração realizados nos processos de controle de contas (como instruções de unidades técnicas e respectivas análises da subunidade e chefias, pareceres do Ministério Público de Contas, novos elementos de fatos colacionados, dentre outros) tinham o condão de zerar a contagem do prazo quinquenal.
Como é absolutamente raro que transcorra o prazo de cinco anos sem a produção de “atos de apuração” nos processos em curso no TCU, a prescrição tornou-se virtualmente impossível de ser alcançada, mesmo com a redução do prazo de dez para cinco anos.
Além disso, o TCU passou a entender que qualquer ato de apuração, ainda que genérico e sem ligação direta a atos especificamente praticados por determinado agente, também interromperia os prazos prescricionais.
Em suma, o que passou a ocorrer, na prática, é que temas amplos e genéricos eram “apurados” por anos (como por exemplo fiscalizações decorrentes do Fiscobras). Em razão das múltiplas interrupções dos prazos nesse interregno, quando finalmente fosse encontrado algum elemento que pudesse responsabilizar determinado agente, esse era citado para se defender muitas vezes mais de uma década após o início dessas apurações.
Mais uma vez, houve reações por parte do STF
A jurisprudência do Supremo começou a se firmar a favor da impossibilidade de que atos de apuração genéricos, ou seja, que não possuem relação direta aos fatos imputados a determinado agente, pudessem interromper os prazos prescricionais em seu desfavor (MS 37.751/DF, MS 38.288 e MS 37.940)
Em paralelo, com base na tese apresentada pelo ministro Gilmar Mendes à 2ª Turma, o STF entendeu que os atos de apuração somente poderiam interromper os prazos prescricionais uma única vez, pois o contrário “seria o mesmo que, na prática, chancelar a tese da imprescritibilidade das apurações levadas a efeito pelo TCU”. Recentemente, esse entendimento foi adotado pela 1ª Turma nos autos do MS n° 40.007.
Esse “cabo-de-guerra” institucional entre os dois Tribunais revela que o tema da prescrição está longe de ser apaziguado. Há inúmeras questões que ainda merecem análise aprofundada pela Suprema Corte, especialmente no que tange aos marcos iniciais da contagem da prescrição. A dissidência entre os ministros e as turmas é clara sobre o tema.
No MS n° 38.757, o então ministro relator considerou prescrita uma apuração por entender que a lesão ocorreu no momento da assinatura do contrato e não dos pagamentos realizados. O ministro Luiz Fux divergiu parcialmente para entender que a prescrição deveria ser contada a partir de cada pagamento decorrente de um contrato fraudado. O entendimento que parece prevalecer, contudo, é o de que a prescrição deve ser contada a partir do momento em que a Corte toma conhecimento dos fatos (MS 38.627 AgR, MS 37.941 AgR, MS 36.800 AgR, MS 39.095 ED-AgR).
Outros desafios emergem desse entendimento, a exemplo dos casos em que é realizada a fase interna das Tomadas de Contas. Em tais casos, deve-se aclarar se essas apurações, que ocorrem antes da remessa ao TCU, têm o condão de interromper os prazos prescricionais.
Na ADI 5.509/CE, o ministro Edson Fachin bem identificou a problemática. Apesar de reconhecer que o termo inicial do prazo deve ser o momento em que a Corte de Contas toma ciência da irregularidade, ponderou que há fatores que podem causar distorções, a exemplo do tempo de tramitação do processo na fase interna da Tomada de Contas ou a desídia injustificável para o envio do procedimento preliminar ao controle interno. Essas variáveis também foram reconhecidas pelo ministro Gilmar Mendes no pedido de tutela provisória de urgência na Rcl 70.042 TPI/DF, referendada pela Turma.
De todo modo, ainda que a fase interna possua tramitação regular, é de se ponderar quanto tempo essa apuração pode perdurar até a sua comunicação ao TCU e se é possível extrair fatos específicos contra determinados agentes.
Nota-se, portanto, que apesar de a prescrição ser um tema em constante evolução e que vem, nos últimos tempos, ganhando contornos mais definidos, ainda há muito a pacificar. Para tanto, exige-se uma revisão mais ampla da Resolução n° 344/2022, com a participação não só de membros da Corte de Contas, mas também da sociedade. Ademais, o TCU deve alinhar-se aos reiterados precedentes do Supremo e, de forma mais ampla, aos preceitos da Lei n° 9.873/99 e da Lindb, de modo a reduzir a intensa judicialização que atualmente é enfrentada pelos agentes sujeitos ao controle de contas.
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