Opinião

Prisão preventiva e audiência de custódia: pode o juiz da custódia rever a prisão preventiva decretada?

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18 de junho de 2025, 15h18

O presente artigo tem por objetivo discutir a possibilidade de o juiz da custódia proceder à revisão da decisão de decretação de prisão preventiva, para além das hipóteses previstas no artigo 310 do Código de Processo Penal (CPP). Procedemos à análise da Resolução nº 213 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que estabelece as audiências de custódia, ressaltando ser imperativo a reavaliação da prisão pelo magistrado, dado que esse é o primeiro contato oficial com o custodiado, possibilitando a avaliação mais precisa e circunstanciada das condições pessoais e processuais do detido.

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Magistrado apontou que atuação dos investigadores atrapalhava o direito de defesa e decidiu revogar prisão preventiva

O artigo 8º, VII, c da Resolução 213 estabelece ao magistrado o dever de entrevistar a pessoa presa para avaliar gravidez, filhos ou dependentes, histórico de saúde, incluindo transtornos mentais e medicamentos de uso contínuo, visando à concessão de liberdade provisória ou encaminhamento assistencial voluntário.

Esse artigo foi inserido pela Resolução 562/2024, que instituiu o juiz de garantias no país, uma conquista significativa obtida pela advocacia nos tribunais superiores. A introdução do juiz de garantias representa um avanço substancial no sistema judiciário, assegurando maior proteção aos direitos fundamentais dos réus durante o processo penal [1]. Essa medida é resultado de um esforço contínuo para aprimorar a imparcialidade e a equidade na administração da justiça, alinhando-se com as melhores práticas internacionais e promovendo um sistema mais justo e transparente.

Pois bem, o artigo 8ª da Resolução 2013 do CNJ pressupõe que o juiz da custódia é a autoridade que terá as primeiras impressões sobre o custodiado, seja ele oriundo de prisão em flagrante, seja de um decreto de prisão preventiva.

Em referido artigo estabelece no §1° de “os atos previstos neste artigo deverão seguir a ordem em que estão enunciados”, modificação essa que foi trazida com a resolução que instituiu o juízo de garantias.

O magistrado responsável pela custódia deve observar uma ordem que considera cada especificidade de seus incisos. Este artigo examina especificamente o artigo 8°, II (das resoluções 487 e 562), e o artigo 8°, VII, c (da resolução 562).

Esses aspectos são essenciais, pois permitem ao magistrado assegurar a integridade física dos custodiados, bem como verificar a ausência de gestantes, responsáveis por filhos menores ou indivíduos com transtornos mentais entre os detidos.

Partimos, primeiramente sobre a questão do transtorno mental que foi incluído na Resolução 213 do CNJ a partir da resolução 487/2023.

A prisão preventiva de indivíduos com transtorno bipolar, por exemplo, exige uma abordagem criteriosa e sensível, conforme estabelecido pelas diretrizes da Política Antimanicomial do Poder Judiciário. Essas normas destacam a importância da preservação da dignidade humana, o reconhecimento da diversidade, e a proibição de práticas discriminatórias e estigmatizantes.

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Pegando, por exemplo, o caso de indivíduos diagnosticados com transtorno bipolar, ressaltando, por óbvio, que eles têm garantido o direito ao devido processo legal, à ampla defesa e ao acesso irrestrito à justiça. É imperativo assegurar que esses indivíduos não sejam submetidos à tortura, maus-tratos ou tratamentos desumanos, em consonância com os princípios estabelecidos pelos tratados internacionais de direitos humanos (Organização das Nações Unidas, 1984).

Durante as audiências de custódia, a autoridade judicial deve levar em consideração a saúde mental do indivíduo e avaliar a necessidade de encaminhamento para atendimento na Rede de Atenção Psicossocial (Raps). Deve-se priorizar, sempre que possível, o tratamento ambulatorial em detrimento da internação.

Considerando que a prisão preventiva deve ser reavaliada quando houver necessidade de tratamento em saúde mental, privilegiando-se alternativas penais que permitam o tratamento em liberdade. A internação deve ser aplicada de forma excepcional e temporária, sendo utilizada apenas quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. Conforme institui essa resolução, deve-se evitar a decretação de prisão cautelar para pessoas com algum transtorno psiquiátrico, assegurando-se o tratamento adequado e a proteção dos direitos humanos, em consonância com a Política Antimanicomial do Poder Judiciário.

Observando os requisitos estabelecidos no artigo 7º da Resolução 487/2023 do CNJ

“Art. 7º. Nos casos dos art. 4º ou 5º, não sendo hipótese de relaxamento da prisão, a autoridade judicial avaliará a necessidade e adequação de eventual medida cautelar, consideradas as condições de saúde da pessoa apresentada e evitando a imposição de:

I – medidas que dificulte o acesso ou a continuidade do melhor tratamento disponível, ou que apresente exigências incompatíveis ou de difícil cumprimento diante do quadro de saúde apresentado; e

II – medidas concomitantes que se revelem incompatíveis com a rotina de acompanhamento na rede de saúde.

§1º. Será priorizada a adoção de medidas distintas do monitoramento eletrônico para pessoas com transtorno mental ou qualquer forma de deficiência psicossocial, sem que isso enseje a aplicação de medidas que obstem o tratamento em liberdade.”

 No contexto jurídico brasileiro, a observância dos requisitos estipulados pelo artigo 7º da Resolução 487/2023 do CNJ é fundamental para assegurar a conformidade normativa e a aplicação correta das diretrizes processuais. Este artigo estabelece critérios específicos que devem ser seguidos por profissionais e instituições jurídicas, garantindo a uniformidade e a transparência nos procedimentos judiciais. A análise desses requisitos revela uma preocupação com a padronização dos processos, bem como com a proteção dos direitos das partes envolvidas, evidenciando o compromisso do CNJ com a melhoria contínua do sistema judiciário.

Portanto, a análise correta da aplicação das medidas cautelares alternativas à prisão para esses indivíduos é essencial para assegurar os aspectos pertinentes abordados na Resolução 213 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O artigo 8º, inciso X, dessa resolução garante aos indivíduos custodiados o direito de esclarecer suas condições de saúde e apresentar seu acompanhamento médico. Essas normativas complementam-se na aplicação de diretrizes específicas aos presos no Brasil.

Para além da discussão sobre o custodiado com problemas de saúde mental, temos, igualmente, mães e os responsáveis por menores de 12 anos.

Nesses casos o artigo 318, inciso V, do Código de Processo Penal admite a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar quando o indivíduo for imprescindível aos cuidados de menor de 12 anos de idade. Tal dispositivo legal visa à proteção dos direitos das crianças e adolescentes, em conformidade com as disposições da Constituição e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A normativa busca assegurar o princípio da prioridade absoluta dos direitos infantojuvenis, promovendo o bem-estar e a estabilidade familiar dentro do ordenamento jurídico.

A Constituição, além de prever explicitamente em seu artigo 5º, inciso XLV, o princípio da intranscendência da pena, dispõe em seu artigo 227 a proteção integral da criança e do adolescente. O Estatuto da Criança e do Adolescente, de igual forma, prevê, além da dignidade da pessoa humana, diversos princípios específicos de proteção à criança e ao adolescente, dentre os quais é imperioso destacar o da prioridade absoluta (artigo 4º) e o do melhor interesse (artigo 19).

Para além dos benefícios na primeira infância, a amamentação, tem reflexos positivos ao longo de toda a vida. Crianças e adolescentes que foram amamentados têm menos probabilidade de apresentar sobrepeso ou obesidade. O aleitamento materno também contribui para o desenvolvimento integral da criança, inclusive em aspectos cognitivos. Estudos correlacionam a amamentação a um melhor desempenho escolar, por exemplo. Os dois primeiros anos de vida da criança são os mais delicados, sendo que, no caso presente, a paciente possui, dentre os quatro filhos, um bebê de 11 meses em amamentação.

Adicionalmente, é necessário salientar a recente decisão do Supremo Tribunal Federal nos autos do habeas corpus nº 143.641/SP, no qual foi concedida a ordem coletivamente a todas as mães presas preventivamente que possuam filhos menores de 12 anos.

No aludido julgamento houve mais uma vez o reconhecido pelo ADPF 347, da qual reconheceu o estado de coisa inconstitucional que é a realidade do sistema penitenciário brasileiro.

Assim a situação dos presídios brasileiros evidencia constantes desafios à observância das garantias constitucionais previstas na Constituição. O princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais como o acesso à saúde e às condições humanas de encarceramento são muitas vezes negligenciados. A correta aplicação das Resolução 213, 487 e 572 do CNJ é essencial para mitigar essas violações e assegurar que as condições carcerárias estejam alinhadas aos parâmetros constitucionais e internacionais de direitos humanos. A falha em cumprir tais normas representa não apenas um desrespeito aos direitos individuais dos detentos, mas também compromete a integridade do sistema jurídico e a justiça social no país.

Contudo, os pactos estabelecidos na modernidade, principalmente o Pacto dos Direitos Civis e Políticos da CIDH, previu a audiência de custódia.

A audiência de custódia pode ser afirmada como uma transformação da ideia de pena de prisão na teoria sociológica. Isso pois permite ao juiz discutir a emergência dos sistemas de prisão o sistema capitalista, um mecanismo de controle social e de regulação capital.

Essa crítica é essencial para estabelecermos que a prisão falhou, apresentando-se sua incapacidade de operar uma transformação moral nos indivíduos para melhor acomodá-los dentro da sociedade.

Entendimento do ministro Marco Aurélio nos autos da ADPF 347

“Os cárceres brasileiros não servem à ressocialização dos presos. É incontestável que implicam o aumento da criminalidade, transformando pequenos delinquentes em ‘monstros do crime’. A prova da ineficiência do sistema como política de segurança pública está nas altas taxas de reincidência. E o que é pior: o reincidente passa a cometer crimes ainda mais graves. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, essa taxa fica em torno de 70% e alcança, na maioria, presos provisórios que passaram, ante o contato com outros mais perigosos, a integrar alguma das facções criminosas”.

E continua o ministro ao afirmar que a responsabilidade por esses equívocos, na sanha do poder de punir do Estado é decorrente de todos os poderes, Executivo, Judiciário e Legislativo.

Portanto, sendo a resolução que estabelece a audiência de custódia uma norma coletiva de garantias dos Direitos Humanos, diante do flagrante estado inconstitucionais, a própria resolução 213 no artigo 8-A, § 2°, III estabeleceu ao juiz da custódia a possibilidade de “averiguar a necessidade e adequação para imposição de medida cautelar diversa da prisão”, nesse caso a resolução permite que o juiz da custódia reveja os elementos pessoais da pessoa custodiada para a imposição de medidas adequadas a sua condição pessoal.

A finalidade precípua da audiência de custódia é avaliar a legalidade da prisão, assegurando o convencional direito do preso de “ter um juiz” [2] e, mais do que isso, o Direito à presença física do juiz. A importância do preso ser levado pessoalmente à um juiz é elementar em ordenamentos jurídicos de um Estado Democrático de Direito. Mas a luta pela implementação e efetivação da audiência de custódia não pode ser esvaziada, transformando-a em um ato protocolar de homologação de prisões.

Para que possa fazer sentido a presença física do custodiado perante um juiz de Direito, deve este ato se revestir de relevância para a efetiva análise da necessidade ou não da prisão.

As inconformidades com a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e a resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) devem ser minimamente perceptíveis à luz das normas processuais vigentes. O decreto de prisão deve ser submetido a uma revisão pelo juízo da custódia, que procederá à análise detalhada de todas as circunstâncias pessoais do indivíduo detido.

A lei das cautelares, 12.403/2011, acabou não se efetivando na forma pretendida pelo legislador. Isso, porque, na prática as medidas cautelares alternativas ao cárcere que estão estabelecidas no artigo 319 do CPP não cumprem o propósito idealizador de sua presença no ordenamento jurídico. Uma vez que resta claro que estas medidas visavam tornar a prisão preventiva, ainda mais excepcional. Mas, não se pode descuidar que as cautelares diversas, antes de medidas diversas, são medidas cautelares e, por assim ser, devem observância a toda matriz principiológica que regula a matéria.

Assim, até 2011, em uma prisão em flagrante, por exemplo, o juiz deveria decidir entre uma liberdade ou uma prisão preventiva. A entrada em vigor do rol de medidas do 319, visava estabelecer ao magistrado um novo quadro decisório: de um lado, mantida a liberdade e do outro, a medida cautelar, que deveria ser, como regra, uma daquelas alternativas ao cárcere, reservando a prisão preventiva, apenas para casos em que esta se mostrasse totalmente necessária.

No entanto, a prática forense vem demonstrando um entendimento diverso. Hoje, muitos juízes colocam a cautelar diversa no local da liberdade (que nunca saiu de lá) e acabam decidindo entre: uma prisão preventiva ou uma cautelar diversa. Dessa maneira, a lei 12.403/11 perdeu seu sentido, pois a medida era, justamente, reduzir a incidência de medidas cautelares, mormente, a prisão preventiva, mas, na prática, acabou com a liberdade do indivíduo que acaba se vendo ou preso ou com alguma cautelar.

Essa apreciação precisa ser realizada pelo juiz da custódia, sob pena de esvaziamento, também, deste imprescindível instituto. Para que tão importante conquista para um processo penal democrático não seja esvaziado, como fora a frustrada tentativa realizada com a lei das cautelares, imprescindível que se efetive a atuação do magistrado com um efetivo controle jurisdicional acerca da imposição ou não das medidas cautelares.

 


[1] Sobre o tema: OLIVEIRA, Daniel Kessler de. A Atuação do Julgador no

Processo Penal Constitucional: O Juiz de Garantias como um Redutor de Danos da Fase de Investigação Preliminar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.

[2] Na visão de Aury Lopes Jr., acerca dos cinco princípios constitucionais do processo penal, sendo eles: 1. Jurisdicionalidade; 2 – Princípio Acusatório; 3 – Presunção de Inocência; 4 – Contraditório e Ampla Defesa; 5 – Motivação das Decisões Judiciais. (in LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 2024. P: 32

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