Opinião

Pequenas empresas: entre reforma tributária e a não cumulatividade

Autor

  • é doutoranda e mestre em Direito Econômico Financeiro e Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) professora do curso de pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie e advogada em São Paulo associada ao Brazuna Ruschmann e Soriano Sociedade de Advogados (Bratax).

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18 de junho de 2025, 13h16

A reforma tributária “Uma Nação, um Imposto”, implementada na Índia, passou a vigorar a partir de 1º de abril de 2017, instituindo o regime nacional do Goods and Service Tax (GST). O principal objetivo dos indianos era alterar um sistema de impostos indiretos anteriormente fragmentado.

Suprema Corte da Índia

A Índia optou por instituir um tributo que observasse as características de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), mas que também pudesse resguardar as peculiaridades do seu Estado federal. Desse modo, foi criado o GST indiano, com estrutura dual, por meio do qual tanto o poder central, quanto os estados possuem competência concorrente para tributar o consumo.

A reforma promovida pela Índia também alterou a sistemática de tributação diferenciada que era prevista para as pequenas e médias empresas, criando para o setor o “Composition Scheme”.

Dentre outras peculiaridades, as pequenas empresas não estão autorizadas a reclamar e transferir créditos decorrentes da cadeia de produção anterior. Esse cenário acabou desencorajando que as pessoas jurídicas optantes pelo regime regular do GST negociassem e comprassem produtos das pequenas e médias empresas indianas.

A experiência indiana demonstrou que a carência de um tratamento adequado direcionado às pequenas e médias empresas prejudicou o setor, cujos contribuintes estão enfrentando diversos desafios para manter suas atividades econômicas.

Embora a experiência indiana tenha demonstrado que a técnica da tributação nos moldes IVA impactou negativamente os pequenos empreendedores, a reforma tributária instituída pelo Brasil seguiu passos similares àqueles adotados pela Índia.

Duas alternativas

No Brasil, em razão da reforma tributária instituída pela EC nº 132/2023, foram oferecidas duas opções para as empresas optantes pelo Simples Nacional, em relação à apuração e ao recolhimento do IBS e da CBS, nos termos dos §§ 2º e 3º do artigo 146.

Spacca

A primeira possibilidade permite que as pequenas empresas se mantenham no Simples Nacional, substituindo a referência ao PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI pelo IBS e pela CBS. No entanto, nesse caso, não poderão se apropriar de crédito de IBS e de CBS, apenas poderão transferi-los aos adquirentes de seus produtos ou serviços optantes pelo regime não cumulativo, no montante cobrado por meio do regime. Trata-se de cenário que já ocorre para o caso do ICMS e do IPI, no entanto, houve uma limitação para fins do PIS e da Cofins.

Haverá, também, uma segunda possibilidade, na qual as pequenas empresas poderão aderir ao regime normal de débito e crédito da CBS e do IBS. Nesse caso, deverão cumprir as mesmas condições aplicadas às empresas sujeitas ao regime regular de apuração.

Portanto, veja que as empresas que optarem por se manter no sistema do Simples Nacional não poderão se apropriar de crédito do imposto e poderão transferir tão-somente o montante apropriado por elas dentro do regime do Simples.

Em razão dessa limitação, tudo indica que os contribuintes sujeitos à apuração tradicional do IBS e da CBS prefiram negociar com fornecedores que permitam o crédito integral, e não mais com as pequenas empresas. Trata-se de problemática igualmente experimentada pela Índia, conforme exposto inicialmente.

Por outro lado, as pequenas empresas que optarem por aderir ao regime normal de débito e crédito da CBS e do IBS terão que cumprir com todas as obrigações acessórias, além de arcar com alíquotas mais elevadas, incidentes em face do regime regular de tributação.

Retrocesso

Por essa razão, entende-se que a reforma tributária instituída pelo Brasil representou um retrocesso de garantias e direitos para as empresas optantes pelo Simples Nacional, já que restringiu ainda mais o princípio da não cumulatividade nas operações tributárias do setor.

É preciso lembrar que antes da EC nº 132/2023 não havia limitação em âmbito constitucional a respeito da apropriação e da transferência de créditos para empresas optantes pelo Simples Nacional.

Na prática, os créditos de ICMS e de IPI estavam limitados por lei complementar, enquanto para o PIS e a Cofins havia a possibilidade de transferência de créditos aos adquirentes fora do regime simplificado, em sua integralidade, em razão de norma infralegal expedida pela Receita Federal do Brasil.

Contudo, veja que com o advento da reforma tributária a apropriação e a transferência de créditos decorrentes de operações envolvendo as pequenas empresas passaram a sofrer restrições em âmbito constitucional, limitando ainda mais a não cumulatividade para o setor.

Sabe-se que a tributação nos moldes IVA opera um tributo dotado da chamada neutralidade fiscal, sendo que uma das suas principais funções é permitir a ampla compensação do que tiver sido pago pelos contribuintes em etapas anteriores, com o que será pago posteriormente.

Todavia, as características de tributos nos moldes do IVA não podem limitar a atuação do Simples Nacional, no Brasil, em razão dos diversos princípios garantidores do regime favorecido registrados pela Constituição.

Em outras palavras, entende-se que as limitações de aproveitamento e de transferência de créditos são incompatíveis com a ordem constitucional em vigor em território nacional, sob pena de esvaziar o tratamento diferenciado e favorecido destinado às pequenas empresas.

Autores

  • é advogada em São Paulo, doutora e mestre em Direito Financeiro, Tributário e Econômico na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e professora de pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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