É hora de dar tchau à turbulência e à irresponsabilidade fiscal
18 de junho de 2025, 8h00
“turbulência
s.f.
- Perturbação da ordem social, caracterizada por agitação e tumulto generalizados.
2. Agitação barulhenta e desordenada. (….)” (Michaelis on-line)
A fala do ministro da Fazenda no passado 6 de junho, em sessão plenária do XXXVIII Congresso Brasileiro de Direito Tributário do Instituto Geraldo Ataliba (Idepe), ao mesmo tempo que celebrava a conclusão da reforma tributária do consumo, anunciava com orgulho a “turbulência” que iria causar com o encaminhamento de diversos projetos de lei e a edição de medidas provisórias ao longo do segundo semestre para “reformar” a tributação da renda.
Inspirado por Thomas Piketty, a quem fez expressa referência, Haddad prometeu justiça fiscal através de majorações do imposto, supressão de isenções e benefícios e criação de novas incidências. Nada mais desastroso para a economia brasileira. Nada mais aterrorizador para contribuintes de todas as naturezas e dimensões. Grandes, médias e pequenas empresas; grandes, médios e pequenos empresários; empregados, profissionais autônomos, funcionários públicos, aposentados; enfim, todos aqueles que entregam parcelas de seus rendimentos para financiar as atividades estatais serão afetados pela incontinência impositiva do governo federal.
Realmente, há de se reconhecer que as medidas fiscais do terceiro governo Lula só criaram turbulência: instabilidade institucional, fuga de capitais e insegurança jurídica diante da incerteza quanto ao futuro dos investimentos. As consequências: descrédito, inflação e taxas de juros estratosféricas.
Ora, turbulência é tudo que empresários e investidores mais têm ojeriza, trata-se de palavra que sequer deveria constar do vocabulário de um ministro de Estado, especialmente da Fazenda. Não se pode fazer troça com as expectativas dos contribuintes, o governo não pode causar tumulto generalizado na vida dos cidadãos, nos seus negócios, na sua poupança, nos seus investimentos. Anunciar medidas desastrosas para depois ter que retroceder, como se vê no recente caso do IOF, é inaceitável. E a situação se agrava quando só se veem aumentos de impostos sem, em momento algum, mostrar-se qualquer disposição para cortar gastos.
Cabe ao Congresso Nacional promover um “freio de arrumação” e assumir sua responsabilidade de casa representativa dos interesses dos contribuintes, pondo fim à turbulência de Haddad. Não se pode mais tolerar tamanha ruidosa e desordenada balbúrdia arrecadatória do Poder Executivo federal.
Disparate
A perda de paciência da sociedade com os desmandos fiscais do executivo materializou-se com a aprovação pela Câmara — por acachapantes 346 votos a favor e ínfimos 97 contra– da urgência constitucional para apreciação de decreto legislativo que elimina do mundo jurídico os vexatórios decretos que, da noite para o dia, sub-repticiamente, de surpresa, elevaram o IOF em operações de câmbio, crédito e nos investimentos em previdência privada.

No que concerne ao câmbio, o aumento de 0,38% para 3,5%, vai na contramão das promessas do executivo à comunidade internacional em seu pleito de adesão à OCDE. Impôs-se um verdadeiro controle cambial, que nos faz lembrar o Brasil autárquico e isolado do regime militar. Operações de câmbio para remessas ao exterior por contribuintes nacionais passaram a ser substancialmente mais oneradas, trazendo um novo custo, totalmente imprevisível, para quem tem obrigações com residentes no exterior.
Acresce que, sem qualquer pudor, as autoridades federais manifestaram publicamente a simultânea pretensão arrecadatória das majorações de alíquotas e da criação de novas incidências, como aquela sobre os aportes aos VGBLs, que “garfa” a previdência privada dos brasileiros. Além de tributar a renda, o governo federal quer ser “sócio” na poupança dos cidadãos através de um tributo que a Constituição conferiu caráter extrafiscal e regulatório. Que disparate!
Nesse mesmo decreto, assoma a inconstitucionalidade flagrante da tributação, como se operações de crédito fossem, das operações de risco sacado sem coobrigação, que se traduzem em simples cessões de crédito por fornecedores a instituições financeiras, que se sub-rogam nos direitos creditórios contra os clientes devedores dos primeiros.
Ainda que se admitisse essa caracterização como operação de crédito stricto sensu por recurso a uma ficção jurídica, o certo é que é imprescindível a edição de uma lei para criação de novas hipóteses de incidência. Isso se passou, por exemplo, com o artigo 13 da Lei nº 9.779/99 que passou a taxar com IOF os mútuos com pessoas jurídicas não financeiras. A criação desse novo fato gerador, não previsto na legislação pretérita, obedeceu aos cânones constitucionais da legalidade, ao contrário do decreto de Haddad.
Também não merece prosperar a medida populista, que quer “arrecadar votos”, ao prometer a isenção de imposto de renda sobre rendimentos mensais até R$ 5 mil. Essa questão seria rapidamente resolvida, caso se reconhecesse uma correção da tabela progressiva, segundo os índices de inflação.
Sob a “nobre” escusa de financiar o populismo fiscal, sorrateiramente revogam-se retroativamente as isenções de lucros e dividendos, ao argumento de que se trata de rendimentos obtidos por contribuintes com altas rendas, assim considerados aqueles que recebem a partir de R$ 50 mil mensais a tal título.
Ora, é mais do que sabido que a tributação eficaz e justa da renda pressupõe a existência de renda! O governo federal quer tributar como se detentores de altíssimas rendas fossem setores que são a força motriz da sociedade. Setores que pagam impostos elevados ao nível das pessoas jurídicas de que são sócios, arcam com o risco de seus negócios, e dispendem relevantes quantias com moradia, educação e saúde. Pergunta-se em que país que se pretende desenvolvido se considera alta renda uma remuneração mensal ao redor de US$ 8 mil? Nos Estados Unidos, os nacionais – sujeitos ao imposto de renda federal independentemente da sua residência – estão isentos se ganharem até US$ 130 mil por ano, ou seja, um pouco mais de US$ 10 mil mês. Aqui a isenção será para algo em torno de US$ 800 mês.
Para a renda ser poupada, investida, consumida, circular, gerar riqueza e oportunidades de trabalho, ela tem que estar disponível, em volumes substancialmente superiores, nas mãos dos contribuintes, e não “sugada” para o buraco negro dos gastos públicos desenfreados, como pretende o projeto de lei 1.087/2025.
Projeto esse, aliás, fértil de regras de difícil compreensão e aplicação prática, gestadas na sombra dos gabinetes de tecnocratas, sem qualquer diálogo prévio com a sociedade. A definição se os valores adiantados como retenção na fonte, por residentes e não-residentes, serão efetivamente devolvidos, exige cálculos complexos e tormentosos de alíquotas efetivas que variam consoante o setor de atuação das empresas (não-financeiro, seguros, financeiro etc.) e os distintos regimes fiscais (lucro real e lucro presumido).
Acrescente-se que se o projeto for aprovado rendimentos antes isentos ou sujeitos à alíquota zero serão tributados de forma indireta, com a ressalva apenas das heranças e doações em adiantamento de legítima (o que exclui as doações feitas por uma tia, primo ou um não familiar, por exemplo).
Não bastassem os decretos e o projeto, a recente MP 1.303, a pretexto de servir como moeda de troca do IOF arrecadatório, veio, na contramão da progressividade, estabelecer uma alíquota fixa de 17,5% sobre rendimentos auferidos nos mercados financeiro e de capitais, modificando totalmente a tributação então vigente das aplicações financeiras, sejam no Brasil, sejam no exterior, desincentivando a poupança de longo prazo, obrigando à revisão de todos os planos dos contribuintes, além de fulminar os incentivos fiscais à captação de recursos para atividades-chave que o país tanto demanda, nomeadamente as obras de infraestrutura, o agronegócio e a atividade imobiliária.
Medidas como a MP 1.303 só desincentivam os investimentos privados diante da imprevisibilidade que provocam sobre os retornos esperados por investidores e empresários diante do insaciável apetite de um “sócio” que não toma riscos, não têm ônus, apenas bônus, que é o governo federal.
Outro aspecto gravíssimo da MP foi a criação de mais restrições às compensações tributárias. Agora se pretende limitar os créditos compensáveis de PIS e Cofins a critérios subjetivos de sua relação com a atividade econômica do sujeito passivo. Contribuintes, uma vez mais, ficarão ao bel prazer do entendimento notoriamente restritivo da fiscalização sobre seu direito de tomada de créditos desses tributos que serão brevemente extintos e substituídos pela CBS. Será que a promessa que dias melhores de não-cumulatividade efetivamente virão? Difícil acreditar diante dessas medidas.
Mas ainda pior é a insistência na nefanda limitação temporal ao exercício do legitimo direito de reaver integralmente, por compensação, a restituição de indébitos tributários. É a institucionalização do calote, um ato de ignomínia com os contribuintes, que lamentavelmente tem sido tolerado por algumas decisões judiciais.
Está mais do que na hora de nossos representantes no parlamento darem um basta, dizerem chega a esses decretos, projetos e medidas provisórias que só servem para causar turbulência na vida dos contribuintes, paralisando investimentos, gerando incertezas e propalando insegurança jurídica e fiscal.
Está mais do que na hora de dar tchau à irresponsabilidade fiscal e o primeiro passo foi dado com a aprovação da urgência constitucional da derrubada dos aumentos de IOF.
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