Opinião

Desconsideração inversa da PJ: responsabilização do patrimônio da empresa pelas obrigações do sócio

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18 de junho de 2025, 17h21

Vigora, no ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da autonomia patrimonial. Contudo, a premissa de separação dos bens da empresa e dos seus sócios pode ser excepcionalmente relativizada quando há indícios de abuso da personalidade jurídica, seja por desvio de finalidade ou por confusão patrimonial.

A desconsideração típica da personalidade jurídica busca atingir os bens particulares dos administradores ou de sócios da sociedade. Já a desconsideração inversa da personalidade jurídica foi aceita pela doutrina e aplicada pela jurisprudência até sua expressa previsão legal no artigo 50, §3º, do Código Civil, em 2019, com a promulgação da Lei da Liberdade Econômica — apesar de já previsto pelo Código de Processo Civil desde 2015.

Diferentemente da forma clássica, em que se busca atingir os bens dos sócios para satisfazer obrigações da sociedade, a desconsideração inversa tem por objetivo responsabilizar a pessoa jurídica pelas dívidas do sócio.

Blidagem na estrutura societária

Na prática, o intuito da desconsideração inversa é impedir que o sócio controlador se beneficie da blindagem conferida pela estrutura societária para se esquivar de suas responsabilidades pessoais. Ao transferir bens para a pessoa jurídica que controla, com o propósito de ocultá-los de seus credores, o sócio comete um ato de má-fé que não pode ser protegido pelo ordenamento jurídico. Nesses casos, o Judiciário, ao identificar a fraude, “levanta o véu” da personalidade jurídica e permite que o credor alcance os bens da empresa utilizados como extensão do patrimônio da pessoa física.

A aplicação do instituto não deve, entretanto, ser banalizada. O ajuizamento de incidentes de desconsideração da personalidade jurídica, seja na forma típica ou inversa, se tornou cada vez mais frequente nos últimos anos. Entretanto, o entendimento da jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que deve haver comprovação de esvaziamento ou ocultação de patrimônio do sócio, sob o manto da sociedade empresarial.

Ou seja, é imprescindível que se demonstre, de forma cabal, a utilização da empresa para cometimento de ilícitos, ou que tenha havido desvio de finalidade ou confusão patrimonial entre os bens dos sócios e da sociedade, ou, ainda, má-fé e improbidade na atuação empresarial.

Spacca

Entendimento do STJ

No julgamento do Recurso Especial nº 2150227/SP, a ministra Maria Isabel Gallotti reiterou o posicionamento da Corte de que “a mera inexistência de bens penhoráveis ou eventual encerramento irregular das atividades da empresa não enseja a desconsideração da personalidade jurídica” (STJ; Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 2331292 MS 2023/0097319-9; Quarta Turma; Relatora: Ministra Maria Isabel Gallotti; Data de Julgamento: 01/07/2024; Data de Publicação: 03/07/2024). Em outros termos, não basta a ausência de ativos suficientes para a satisfação da execução ou mesmo a dissolução irregular das atividades da empresa para que seja determinada a desconsideração inversa.

Ainda, como forma de desincentivar a propositura indiscriminada de incidentes de desconsideração da personalidade jurídica, a Corte Especial do STJ recentemente entendeu que é possível a fixação de honorários sucumbenciais em caso de indeferimento do incidente, o que se aplica também à desconsideração inversa. Conforme Recurso Especial nº 2.072.206/SP, de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, “o indeferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, tendo como resultado a não inclusão do sócio (ou da empresa) no polo passivo da lide, dá ensejo à fixação de verba honorária em favor do advogado de quem foi indevidamente chamado a litigar em juízo” (Recurso Especial nº 2.072.206/SP; Corte Especial; Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva; Data de Julgamento: 13/02/2025; Data de Publicação: 12/03/2025).

A desconsideração inversa da personalidade jurídica constitui, portanto, um importante instrumento processual para coibir a utilização indevida da pessoa jurídica como meio de fraude patrimonial. Embora represente uma exceção ao princípio da autonomia patrimonial, sua aplicação não deve ser banalizada e é apenas justificada quando restar demonstrado o abuso da personalidade jurídica, de modo a garantir a efetividade das obrigações e a proteção dos direitos dos credores lesados por condutas abusivas.

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