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Supremo resiste a pressões, julga golpistas e desafia big techs

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17 de junho de 2025, 8h15

* Reportagem publicada no Anuário da Justiça Brasil 2025, lançado na última quarta-feira (11/6), no STF (clique aqui para assistir ao evento na íntegra). A versão impressa está à venda na Livraria ConJur (clique aqui). Acesse a versão digital pelo site do Anuário da Justiça (anuario.conjur.com.br).

Ilustração criada por João Spacca | @joao.spacca

Passados mais de dois anos dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 e do fim de uma era em que o presidente da República hostilizava o Supremo Tribunal Federal, a corte ainda convive com ataques à instituição – físicos, inclusive. A democracia, o Estado de Direito e a harmonia entre os poderes são temas que permeiam diariamente a pauta da Suprema Corte.

Enquanto tenta resolver seus desafios (e os do Judiciário), como a alta judicialização ou o acirramento de conflitos que as novas relaçõe de trabalho impõem atualmente, o STF precisa lidar com crises externas e persistentes. Ataques vindos do Congresso e o extremismo político, materializado no atentado de um “homem-bomba”, no fim de 2024, são alguns desses incêndios que se alastram e são difíceis de conter.

CAPA - Anuário da Justiça Brasil 2025, BR25, Brasil 2025

Capa da nova edição do Anuário da Justiça Brasil 2025

Em maio de 2025, a crise com o Legislativo ganhou novos contornos quando a Câmara dos Deputados suspendeu a ação penal – aceita dois meses antes por unanimidade pela 1ª Turma do STF – contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete aliados por tentativa de golpe de Estado. O objetivo declarado era proteger o deputado bolsonarista Alexandre Ramagem, um dos réus, alegando inviolabilidade parlamentar (artigo 53 da CF). O texto da resolução legislativa, inclusive, abria a possibilidade de beneficiar os demais acusados.

A 1ª Turma, por unanimidade, derrubou parcialmente a decisão, mantendo a acusação contra o parlamentar, por crimes contra a democracia cometidos antes da diplomação, e contra os outros réus, incluindo o ex-presidente. Em seu voto, o ministro Flávio Dino mandou um recado duro ao Legislativo: “Somente em tiranias um ramo estatal pode concentrar em suas mãos o poder de aprovar leis, elaborar o orçamento e executá-lo diretamente, efetuar julgamentos de índole criminal ou paralisá-los arbitrariamente – tudo isso sem nenhum tipo de controle jurídico”.

Ao longo de 2024, Dino já havia enquadrado o Legislativo – e irritado parte da classe política. Em quatro ações sobre a falta de transparência das emendas parlamentares, bloqueou bilhões de reais em repasses até que os parlamentares cumprissem as exigências feitas em 2022 pelo STF, quando declarou inconstitucional o chamado orçamento secreto (ADPF 854). “Estamos diante de algo singular no mundo: essa novidade institucional brasileira em que se amplia a incursão do Poder Legislativo na execução orçamentária, com emendas impositivas que alcançam dezenas de bilhões de reais, fazendo migrar competências do Executivo para o Legislativo, no que se refere à escolha específica de obras e ações administrativas, indo muito além da clássica elaboração orçamentária”.

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Em meio a articulações políticas pela aprovação de um projeto de anistia aos envolvidos no 8 de janeiro, o Supremo avançou no julgamento das ações penais contra os golpistas. Quase 500 pessoas foram condenadas pelos crimes de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, associação criminosa armada, deterioração de patrimônio tombado, além de incitação e associação criminosa. O caso corre na 1ª Turma.

Em março de 2025, durante o julgamento da admissibilidade da denúncia contra Bolsonaro e ex-ministros, Luiz Fux questionou a competência da 1ª Turma e do próprio STF para julgar o ex-presidente, mas foi voto vencido. Na mesma ocasião, trouxe à tona a discussão sobre dosimetria de penas.

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O Supremo também teve de lidar com a artilharia das big techs. Em 2024, Elon Musk, dono do X, desafiou Alexandre de Moraes, ignorou ordens judiciais de suspensão de perfis e se recusou a nomear representante legal da rede social no Brasil. Alexandre, então, mandou suspender o funcionamento da plataforma no país, o que só foi revertido depois de Musk recuar e cumprir as ordens do ministro. “As redes sociais não são terra sem lei! As redes sociais não são terra de ninguém”, disse o ministro na decisão em que incluiu Musk no inquérito das milícias digitais e que precedeu a suspensão da rede.

Neste contexto o STF decidiu julgar a constitucionalidade de dispositivos do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) que inibem o combate às fake news e favorecem discursos de ódio e ameaças à democracia. No fim de 2024, a corte começou a analisar dois recursos sobre a responsabilidade das plataformas por conteúdo publicado por terceiros (RE 1.037.396, Tema 987 e RE 1.057.258, Tema 533).

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O placar parcial é de três votos favoráveis à responsabilização das plataformas e pela remoção de conteúdo sem a necessidade de decisão judicial: votaram Luís Roberto Barroso, presidente da corte, Luiz Fux e Dias Toffoli e depois disso o julgamento foi suspenso por pedido de vista de André Mendonça. “A grande encruzilhada que a civilização contemporânea está vivendo é onde traçar a linha para proteger a liberdade de expressão, mas impedir que o mundo desabe em um abismo de incivilidade”, afirmou Barroso, durante debate no STF sobre democracia e inteligência artificial.

O uso de IA, inclusive, tem ganhado cada vez mais espaço no cotidiano do Supremo. Em dezembro de 2024, a Corte lançou a primeira ferramenta de IA generativa, com o objetivo de auxiliar na produção de conteúdo no tribunal. Chama-se Maria, sigla para Módulo de Apoio para Redação com Inteligência Artificial. “A Maria é a primeira ferramenta do STF que utiliza a inteligência artificial generativa, que é aquela inteligência capaz de produzir, de gerar conteúdos e que elabora textos. É uma iniciativa pioneira que começamos a programar há algum tempo e é um marco do compromisso do Supremo com a modernização e com a utilização de inteligência artificial no âmbito do Judiciário”, disse Roberto Barroso, na cerimônia de lançamento.

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O sistema auxilia na produção de diversos tipos de textos. Entre suas funcionalidades, está o resumo de votos, em que pode gerar automaticamente minutas de ementas, com o resumo do entendimento do ministro sobre a matéria em questão, eoresumo de relató-rios de ministros nos recursos. Ela também realiza a análise da petição inicial de processo de reclamação e apresenta respostas aos questionamentos que orientam o estudo inicial desse tipo de processo.

De acordo com o STF, além do aumento da eficiência, a ferramenta apresenta a melhora da qualidade processual, já que auxilia na identificação de erros e inconsistências nos textos, garantindo maior precisão e qualidade. Ela ainda permite que usuários encontrem rapidamente os precedentes relevantes para determinado caso. Apesar de sua grande utilidade, Barroso destaca que a ferramenta serve para auxiliar, mas que a responsabilidade final pela produção dos textos continua sendo dos ministros e servidores do STF.

A produtividade da corte aumentou de 2023 para 2024. Enquanto o número de processos distribuídos cresceu 3%, o de julgados saltou 9%, resultando numa queda de 14% no acervo de pendentes, o menor volume em 30 anos. De 115 mil decisões proferidas, 19% foram colegiadas, com uma média de 274 dias para a decisão – eram 340 dias em 2023.

Desde junho de 2024, a 2ª Turma passou a permitir a sustentação oral no julgamento de recursos em ações originárias. O procedimento era rejeitado com base no artigo 131, parágrafo 2º do Regimento Interno do Supremo. A 1ª Turma não permite esse tipo de sustentação, o que já gerou um conflito entre Alexandre de Moraes e o advogado Alberto Toron, que teve pedido de sustentação em agravo regimental negado.

A OAB celebrou a decisão da 2ª Turma. “Trata-se de importante vitória para a cidadania, uma vez que a sustentação oral é uma das condições para que o direito de defesa seja respeitado. O advogado fala em nome do cidadão e não em nome próprio”, afirmou o presidente nacional da OAB, Beto Simonetti. Em 2024, a OAB apresentou PEC sobre o tema, considerando que “o diálogo com o STF não foi suficiente para chegarmos a uma solução para o caso das sustentações”.

Em abril de 2025, de forma inédita, o STF fez um julgamento per curiam, em que todos os ministros subscrevem um mesmo voto. O caso é o da ADPF das favelas (ADPF 635), que busca o reconhecimento e a solução de graves violações a direitos fundamentais causadas pela política de Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro. Barroso destacou, na oportunidade, a importância de se produzir um voto em conjunto, sem divergências. “Queremos passar uma mensagem muito clara para o Rio de Janeiro e para todo o país da importância que estamos dando ao tema da segurança pública, que hoje está no topo das prioridades brasileiras em termos de preocupação da população e também do nosso tribunal”, declarou.

O voto, de relatoria de Edson Fachin, destaca que, “sem prejuízo de possíveis divergências pontuais, por parte dos ministros, o dispositivo busca refletir, ao máximo, a posição consensual, ou ao menos majoritária da corte, sobre os sensíveis e relevantes temas tratados na ADPF”. A decisão homologou parcialmente o plano de redução da letalidade policial e determinou a adoção de medidas para sua complementação, entre elas a elaboração de um plano para a recuperação territorial de áreas ocupadas por organizações criminosas e a instauração de um inquérito, pela Polícia Federal, para apurar indícios concretos de crimes com repercussão interestadual e internacional.

Por outro lado, há quem critique o método adotado. Em artigo publicado pelo ConJur, em 12 de abril de 2025, o advogado Thales Delapieve destaca que não há previsão legal ou regimental que autorize esse tipo de julgamento. “Convém apontar que não há previsão na Constituição, no CPC ou mesmo no regimento interno do STF para que seja redigida uma “opinião da corte”, formulada a portas fechadas, a qual foi apenas lida em um pronunciamento. Nesse ponto, vale lembrar algo que o professor Lenio Streck há muito vem apontando como sendo uma das questões críticas do Direito brasileiro: o problema do realismo jurídico. Este realismo pode ser expresso em uma frase que também tem origem norte-americana: “o Direito é aquilo que os tribunais dizem que ele é”. Nesse caso, o CPC e o RISTF transformaram-se naquilo que o Supremo disse que são: mesmo que não houvesse previsão, assim mesmo foi feito”, escreveu.

Ele destaca ainda que “o consenso obtido entre os ministros não foi tão pacífico quanto uma decisão deste tipo poderia sugerir”. “A despeito do voto inicialmente proferido pelo ministro Edson Fachin, a decisão per curiam diverge de maneira significativa do voto inicial, sobretudo naquilo que diz respeito ao reconhecimento do estado de coisas inconstitucional na segurança pública do Rio de Janeiro. Assim, tendo por base os fundamentos inicialmente apresentados pelo ministro Fachin, há de se reconhecer que as premissas não se concatenam com as conclusões obtidas ao final”.

Continuam na pauta do STF as questões trabalhistas, especialmente no que diz respeito às novas formas de relação de emprego e de trabalho. Os ministros criticam a quantidade de reclamações trabalhistas que chegam à corte, alegando desrespeito da Justiça do Trabalho aos precedentes do STF. Gilmar Mendes ressalta que “essa quantidade infindável de reclamações sobre os mesmos temas trabalhistas têm dificultado o adequado exercício das funções constitucionais atribuídas a esta corte”.

Para Flávio Dino, o problema não está no mérito das decisões do TST sobre a matéria, mas na admissão da reclamação constitucional como sucedâneo recursal contra decisões da Justiça do Trabalho que reconhecem os vínculos empregatícios. Nos processos em que vota pela improcedência das reclamações, sai vencido.

Cármen Lúcia observou que, ao longo dos anos, o STF passou por fases em que determinada classe processual prevaleceu. “Nós passamos de uma crise do recurso extraordinário, nas décadas de 1970 e 1980, para uma crise dos Habeas Corpus. Agora, nós estamos na fase das reclamações”, avaliou.

A principal controvérsia trabalhista que tramita no STF atualmente diz respeito ao vínculo empregatício entre motoristas de aplicativos e as plataformas, que será definido no âmbito do RE 1.446.336, com repercussão geral reconhecida (Tema 1.291). Espera-se que a decisão ponha fim à insegurança jurídica, já que o conflito não guarda consenso nem na Justiça do Trabalho. A maioria dos ministros já votou contra a existência de vínculo de emprego nessas situações em julgamentos individuais.

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ANUÁRIO DA JUSTIÇA BRASIL 2025
19ª Edição
ISSN:
 2179981-4
Número de páginas: 256
Versão impressa: R$ 50, à venda na Livraria ConJur
Versão digital: disponível gratuitamente no app “Anuário da Justiça” ou pelo site anuario.conjur.com.br

O Anuário da Justiça Brasil 2025 contou com o apoio da Fundação Armando Alvares Penteado — FAAP.

Anunciaram nesta edição do Anuário da Justiça Brasil:
Adriana Bramante Advogados Associados
Advocacia Amanda Flávio de Oliveira
Advocacia Fernanda Hernandez
Arruda Alvim & Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica
Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia
Basilio Advogados
Bergamini Advogados
Bermudes Advogados
Bialski Advogados Associados
Bottini & Tamasauskas Advogados
Bradesco S.A.
Carneiros Advogados
Cecilia Mello Advogados
Cesa – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
Corrêa Advogados
CP Legal Claims
D’Urso & Borges Advogados Associados
Dias de Souza Advogados
FAAP
Fidalgo Advogados
Gomes Coelho & Bordin Sociedades de Advogados
Gueller e Vidutto – Sociedade de Advogados
Hasson Sayeg, Novaes e Venturole Advogados
Heleno Torres Advogados
JBS S.A.
Laspro Consultores
Lucon Advogados
Machado Meyer Advogados
Marcus Vinicius Furtado Coêlho Advocacia
Maria Fernanda Vilela & Advogados
Mauler Advogados
Milaré Advogados
Moraes Pitombo Advogados
Moro e Scalamandré Advocacia
Mubarak Advogados
Multiplan
Nelio Machado Advogados
Ordem dos Advogados do Brasil – São Paulo
Palheiro & Costa – Sociedade de Advogados
Pardo Advogados Associados
Perez e Rezende Advogados
Procópio de Carvalho Advocacia
Refit
SOB – Sacramone, Orleans e Bragança Advogados
Tavares & Krasovic Advogados
Tojal Renault Advogados
Warde Advogados

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