Parecer restringe incidência de crimes imputados a Jair Bolsonaro
17 de junho de 2025, 7h50
Um parecer encomendado pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e assinado pelo criminalista José Carlos Porciuncula opina por uma restrição do alcance dos crimes imputados ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que serão julgados pelo Supremo Tribunal Federal.

Jair Bolsonaro responde no STF pelos crimes de golpe de Estado e tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito
Segundo o parecerista, a ocorrência de tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito e de golpe de estado depende da existência de violência ou grave ameaça de forma física e contra pessoas.
Além disso, sustenta que a tentativa de abolição violenta exige o impedimento ou restrição ao exercício de todos os três poderes, não bastando ações contra apenas um deles. Se Bolsonaro tentou ficar no poder e não atacou o Executivo, não há crime.
Por fim, diz que o crime de golpe de Estado não alcança os casos de “autogolpe”. A conduta só é tipificada se for voltada a depor um governo que efetivamente já tenha tomado posse e não os casos de “prolongamento do próprio mandato”.
O documento poderá ser usado pela defesa de Bolsonaro, que ainda responde no STF pelos crimes de organização criminosa armada, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio público; e deterioração do patrimônio tombado.
Interrogado em 10 de junho, Bolsonaro negou o crime e ainda disse que não havia “clima”, nem “oportunidade”, para o rompimento da ordem democrática na passagem de 2022 para 2023, após sua derrota nas urnas para Lula.
Violência física contra pessoas
No parecer, Porciuncula sustenta que a ocorrência dos crimes dos artigos 359-L (tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito) e 359-M (tentativa de golpe de estado) do Código Penal exige o emprego de violência e grave ameaça de forma qualificada.
Isso porque apenas uma força física ou moral dessa magnitude teria o poder de alterar as estruturas do Estado ou mesmo para coagi-lo a aceitar o golpe.
“Cogitar, debater ou mesmo planejar a ruptura da ordem constitucional, por mais reprováveis que sejam sob o prisma moral, não consubstanciam atos executórios dos crimes tipificados nos artigos 359-L e 359-M do Código Penal, diante da ausência de violência ou grave ameaça.”
O criminalista analisa a denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República e aponta que as investidas de Bolsonaro ali descritas para cooptação de apoiadores para um determinado plano caracterizam atos meramente preparatórios.
Para ele, a PGR faz uma ampliação indevida dos tipos penais para alcançar condutas que, a rigor, não lhes seriam subsumíveis, em um exemplo de analogia in malam partem (uso da analogia em prejuízo do réu, vedada no Direito Penal).
“Pode-se até achar que a destruição do patrimônio público constitui uma “violência” inominável. Mas aí estar-se-ia apelando a um conceito ‘vulgar’ de violência, e não ao seu sentido técnico-jurídico”, diz o parecerista.
“O dano a prédios públicos, per se, não constitui violência no sentido técnico-jurídico exigido pela norma penal incriminadora. A tentativa de equiparar ‘violência’ a atos de vandalismo ou destruição de bens públicos caracteriza o uso de analogia in malam partem.”
O parecer segue a mesma linha ao apontar que a denúncia qualifica uso de fake news como ataques virtuais para associar semanticamente ações não violentas a uma noção geral e abstrata de “violência”, atraindo os tipos penais.
Alcance dos ataques de Bolsonaro
O criminalista também sustenta que o crime de tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito exige o impedimento ou restrição ao exercício de todos os Poderes Constitucionais, não bastando ações contra apenas um deles.
“Não há nada na exordial acusatória que aponte para uma restrição ao funcionamento do Poder Executivo. Muito pelo contrário, segundo a própria denúncia os atos narrados teriam por finalidade a manutenção do seu então chefe, o ex-Presidente”, diz.
“Da mesma forma, não há qualquer referência a atos voltados contra o Congresso Nacional ou suas atividades legislativas”, acrescenta o advogado. Quando ao Judiciário, ele aponta que “é preciso um pouco mais de cautela”.
O parecer afirma que e a denúncia não descreve qualquer conduta voltada contra juízes, tribunais ou mesmo suas decisões, mas apenas ações policiais que teriam dificultado o acesso de eleitores às urnas, pela Polícia Rodoviária Federal.
“Tratar-se-ia, portanto, de uma interferência apenas indireta e reflexa no Poder Judiciário, insuficiente, a meu ver, para a caracterização de uma restrição real ao seu funcionamento”, interpretou o parecerista.
Autogolpe e 8 de janeiro
Já quanto ao crime de golpe de estado, Porciuncula sustenta que a norma não alcança os casos de “autogolpe”. “É condição indispensável para a subsunção da conduta à norma que o governo a ser deposto já tenha efetivamente tomado posse no cargo”.
O caso concreto, segundo o advogado, é de “tentativa de prolongamento do seu próprio mandato” por parte de Bolsonaro. Assim, na pior das hipóteses haveriam atos meramente preparatórios dos delitos.
Finalmente, ele destaca que os atos de 8 de janeiro, descoordenados e caóticos em sua visão, se mostram incapazes de gerar qualquer risco real ou concreto para o Estado Democrático de Direito e para o governo constituído, o que também afasta a ocorrência de crime.
“Sob qualquer ângulo que se analise a questão, a conclusão permanece inalterada: é juridicamente insustentável a subsunção dos fatos examinados aos tipos penais de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito (art. 359- L do Código Penal) e de tentativa de golpe de Estado (art. 359-M do Código Penal)”, conclui.
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AP 2.668
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