DIREITOS HUMANOS

Em 10 anos no STF, Fachin limitou violência policial e combateu preconceitos

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16 de junho de 2025, 8h53

O ministro Luiz Edson Fachin completa dez anos no Supremo Tribunal Federal nesta segunda-feira (16/6). Nessa década, ele liderou a corte em decisões que limitaram a violência policial, asseguraram os direitos de presos e combateram o preconceito de raça, gênero e sexualidade.

O ministro Edson Fachin

O ministro Edson Fachin

Fachin teve seu nome anunciado pela presidente Dilma Rousseff em 14 de abril de 2015 e, em 19 de maio, o Plenário do Senado aprovou a indicação. Ele ocupou a vaga deixada pelo ministro Joaquim Barbosa, em decorrência de sua aposentadoria.

Antes do Supremo, atuou como advogado e procurador do Paraná (de 1990 a 2006). Fachin é professor titular de Direito Civil da Universidade Federal do Paraná, onde se graduou em Direito em 1980. Tem mestrado e doutorado, também em Direito Civil, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), fez pós-doutorado no Canadá e atuou como pesquisador convidado do Instituto Max Planck, em Hamburgo, na Alemanha, e como professor visitante do King’s College, em Londres.

O ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo, publicou homenagem a Fachin em suas redes sociais. “Nos 10 anos em que o Min. Edson Fachin põe suas lentes a serviço do Direito e da Justiça no STF, presto, como colega de Turma, parceiro de tribunal e decano da Corte, uma homenagem ao seu rigor técnico, vocação humanista e brilho intelectual.”

Atual vice-presidente da corte, Fachin deverá substituir o ministro Luís Roberto Barroso na Presidência da corte em setembro deste ano.

O livro Ministro Luiz Edson Fachin — dez anos de Supremo Tribunal Federal (Fórum) será lançado nesta segunda, das 17h às 19h, na Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal, que fica na sede da corte, em Brasília.

A obra reúne artigos de atuais e antigos assessores de Fachin sobre a jurisdição constitucional brasileira, em suas múltiplas e diversas perspectivas. O livro é coordenado por André Ribeiro GiamberardinoDesdêmona Tenório de Brito Toledo ArrudaJosé Arthur Castillo de MacedoRoberto Dalledone Machado Filho Christine Oliveira Peter da Silva.

Operações policiais

Em sua primeira década no Supremo, Edson Fachin proferiu votos e decisões monocráticas que se tornaram importantes precedentes.

Em junho de 2020, Fachin concedeu liminar para determinar que, enquanto a epidemia da Covid-19 não terminasse, as operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro só poderiam ser feitas em situações extraordinárias, que deveriam ser justificadas por escrito e comunicadas imediatamente ao Ministério Público estadual. A decisão foi referendada pelo Plenário do Supremo em agosto daquele ano (ADPF 635).

A restrição das operações policiais no Rio a casos “absolutamente excepcionais” reduziu as mortes causadas por agentes de segurança em 34%, salvando pelo menos 288 vidas em 2020, segundo estudo do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF). Naquele ano, 1,2 mil pessoas morreram durante intervenções policiais no Rio. Em 2023, o número caiu para 871, conforme nota técnica elaborada pelo Supremo.

Em abril deste ano, o STF homologou o plano de redução da letalidade policial apresentado pelo estado do Rio de Janeiro na ação. A corte determinou a adoção de medidas para a sua complementação, entre elas a elaboração de um plano para a recuperação territorial de áreas ocupadas por organizações criminosas e a instauração de um inquérito, pela Polícia Federal, para apurar indícios concretos de crimes com repercussão interestadual e internacional.

Relator do caso, Fachin apresentou um voto conjunto com o objetivo de refletir a posição consensual ou, em alguns casos, majoritária do colegiado. O ministro observou que, embora a política de redução da letalidade ainda esteja longe do ideal constitucional, o STF entende que, desde o início da tramitação da ação, há mais de cinco anos, o estado do Rio demonstrou compromisso significativo com a determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Nesse sentido, ele destacou a instalação de câmeras nos uniformes policiais, a instituição de um protocolo de comunicação das operações e as notificações ao Ministério Público fluminense sobre elas, possibilitando seu acompanhamento.

Progressão da pena

Ainda na epidemia, Fachin concedeu Habeas Corpus coletivo para determinar que os tribunais do país concedessem prisão domiciliar ou liberdade provisória aos presos que estivessem em locais acima da sua capacidade, desde que fossem dos grupos de risco para a Covid-19 e não tivessem praticado crimes com violência ou grave ameaça. A decisão foi confirmada pela 2ª Turma (HC 188.820).

Fachin também ordenou a concessão de progressão antecipada da pena aos condenados que estivessem no regime semiaberto para o regime aberto em prisão domiciliar. O juiz poderia conceder o benefício de ofício ou mediante pedido.

Segundo o ministro, o perigo à saúde do preso era ainda maior quando a pessoa se inseria no grupo de risco para a Covid-19, já que há um “cenário de falhas sistêmicas e de superlotação carcerária”.

Fim da superlotação

Em outro HC coletivo de relatoria de Fachin, a 2ª Turma do STF determinou que o poder público acabe com a superlotação em unidades do sistema socioeducativo de todo o país.

Fachin destacou que os artigos 227 e 277 da Constituição Federal, assim como o ECA, afirmam que a qualificação de crianças e adolescentes, por si só, torna esses sujeitos merecedores de proteção integral por parte da família, da sociedade e do Estado.

“Desse modo, as políticas públicas direcionadas aos adolescentes, aqui incluídos os internados, devem contemplar medidas que garantam os direitos assegurados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, nomeadamente o direito à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito, à dignidade, à convivência familiar e comunitária, à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, à profissionalização e à proteção no trabalho”, destacou o ministro em 2020.

Audiência de custódia

Em 2023, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu que a audiência de custódia é um procedimento obrigatório em todos os tipos de prisão.

Todos os ministros acompanharam o voto de Fachin, relator da matéria, no sentido de que o procedimento não é uma simples formalidade burocrática, mas um importante ato processual de resguardo a direitos fundamentais. Por isso, a audiência de custódia deve ser promovida em até 24 horas em todas as modalidades de prisão.

“A audiência de apresentação ou de custódia, seja qual for a modalidade de prisão, configura instrumento relevante para a pronta aferição de circunstâncias pessoais do preso, as quais podem desbordar do fato tido como ilícito e produzir repercussão na imposição ou no modo de implementação da medida menos gravosa”, disse o magistrado.

Criminalização da homofobia

Seguindo o voto de Edson Fachin, um dos relatores do caso (ao lado do ministro aposentado Celso de Mello), o Plenário do STF equiparou, em 2019, as condutas homofóbicas e transfóbicas aos crimes de racismo até que o Congresso aprove lei específica (MI 4.733 e ADO 26).

O colegiado também fixou tese no sentido de que a repressão penal à prática da homofobia e da transfobia “não alcança, nem restringe o exercício da liberdade religiosa”, desde que as manifestações não configurem discurso de ódio.

“A omissão da lei em tipificar a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero ofende um sentido mínimo de justiça ao sinalizar que o sofrimento e a violência dirigida a pessoa gay, lésbica, bissexual, transgênera ou intersex são tolerados, como se uma pessoa não fosse digna de viver em igualdade. A Constituição não autoriza tolerar o sofrimento que a discriminação impõe”, disse Fachin.

Doação de sangue e registro civil

O Plenário do Supremo declarou, em 2020, a inconstitucionalidade de normas do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que proibiam a doação de sangue por homens homossexuais (ADI 5.543).

“Essas normativas, ainda que não intencionalmente, resultam por ofender a dignidade da pessoa humana na sua dimensão de autonomia e reconhecimento, porque impede que as pessoas por ela abrangidas sejam como são”, afirmou Fachin, relator do caso.

Ainda no contexto da garantia dos direitos fundamentais, a corte autorizou, em 2018, pessoas trans a alterar o nome e o sexo no registro civil sem que se submetam a cirurgia ou tenham decisão judicial favorável à medida (ADI 4.275).

O Plenário seguiu o voto de Fachin, que propôs retirar a exigência de um laudo médico ou decisão judicial, recorrendo ao princípio da autodeterminação.

Incompetência de Curitiba

Em 2021, Fachin declarou a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para processar e julgar quatro processos contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) — os casos do tríplex no Guarujá (SP), do sítio de Atibaia (SP) e de duas ações envolvendo o Instituto Lula. A decisão foi confirmada pelo Plenário do tribunal.

“No contexto da macrocorrupção política, tão importante quanto ser imparcial é ser apartidário”, afirmou o ministro, ao apontar a jurisprudência recente do Supremo a respeito de não caber à Justiça Federal do Paraná atuar em casos semelhantes.

Fachin apontou que os crimes atribuídos a Lula pelo Ministério Público Federal do Paraná não tinham conexão com a Petrobras e, por isso, não deveriam ficar no estado. Os casos que corriam em Curitiba foram enviados à Justiça Federal do Distrito Federal.

Com a decisão, as condenações de Lula nos casos do tríplex e do sítio foram anuladas. O petista recuperou todos os seus direitos políticos, possibilitando que fosse eleito, em 2022, para um terceiro mandato como presidente da República.

Pouco depois, a 2ª Turma do STF declarou o ex-juiz Sergio Moro suspeito para julgar Lula no caso do tríplex. O Plenário referendou a medida. Posteriormente, o ministro Gilmar Mendes estendeu a suspeição de Moro às ações contra o presidente nos casos do sítio de Atibaia e do Instituto Lula, anulando todos os atos praticados pelo hoje senador nos processos.

Inquérito das fake news

Seguindo o voto de Fachin, o Plenário do Supremo declarou, em 2020, a legalidade e a constitucionalidade do Inquérito das Fake News, que desde 2019 apura ameaças contra os ministros da corte e a democracia (ADPF 572).

De acordo com o magistrado, ataques em massa, orquestrados e financiados com o propósito de intimidar os ministros e seus familiares, justificam a manutenção das investigações. “Não há direito no abuso de direito”, enfatizou Fachin.

Ação contra parlamentares

O STF, em 2017, alterou sua jurisprudência e afastou a necessidade de licença prévia da Assembleia Legislativa para o recebimento de denúncia ou queixa-crime e a instauração de ação penal contra governador por crime comum (ADI 5.540).

Livro em homenagem a Fachin será lançado nesta segunda no STF

A corte discutiu o caso do governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT). O Supremo, seguindo o voto de Fachin, relator da matéria, concluiu que a abertura de ação penal contra governador não depende do aval do Legislativo.

Essa decisão cabe à Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, inclusive sobre a aplicação de medidas cautelares e sobre o afastamento do cargo. Os ministros estabeleceram ainda que o chefe do Executivo não deve ser automaticamente afastado após a abertura do processo.

Cotas para mulheres

Em matéria eleitoral, o Supremo garantiu, em 2018, a aplicação mínima de 30% do fundo partidário às campanhas para candidaturas de mulheres. Fachin foi o relator do caso (ADI 5.617).

O Plenário considerou válida a aplicação de cotas para mulheres no uso dos recursos do fundo partidário desde 2015. Os ministros entenderam que a distribuição de recursos destinados ao financiamento das campanhas eleitorais para candidaturas de mulheres deve ser feita na mesma proporção das candidaturas de ambos os sexos, respeitado o patamar mínimo de 30% de candidatas previsto na Lei das Eleições.

MP pode investigar

O Supremo, seguindo o voto conjunto de Fachin e Gilmar Mendes, estabeleceu em 2024 que o Ministério Público tem competência para promover, por autoridade própria, investigações penais. A apuração, no entanto, pressupõe a comunicação ao juiz competente e a observância dos mesmos prazos previstos para a conclusão de inquéritos policiais (ADIs 2.943, 3.309 e 3.318).

O STF também determinou que o MP não é obrigado a instaurar procedimento investigatório sempre que houver suspeita de envolvimento de agentes dos órgãos de segurança pública na prática de infrações penais ou sempre que houver mortes e ferimentos graves, mas deve avaliar se é necessário iniciar uma apuração.

“O monopólio de poderes é convite ao abuso de poder. É uma premissa que aqui se leva em conta. A atribuição para investigação criminal pelo MP deflui de sua atribuição própria e imprescindível de zelar pelo respeito aos direitos fundamentais”, disse Fachin.

Perfilamento racial

A corte decidiu, em 2024, que o chamado perfilamento racial invalida provas colhidas durante abordagens policiais (HC 208.240).

Segundo Fachin, relator do caso, o Código de Processo Penal estabelece que a busca pessoal só pode ser feita quando houver “fundada suspeita”. Assim, não se pode admitir abordagens policiais fundamentadas só em critérios de raça, cor ou aparência física.

O relator também disse que é papel da sociedade, do sistema de Justiça e das forças policiais barrar comportamentos que, consciente ou inconscientemente, atribuem a pessoas negras sentidos negativos baseados em estereótipos “que os situam como sujeitos supostamente criminosos”.

Liberdade religiosa

Em respeito à liberdade religiosa, o STF validou, em 2019, lei do Rio Grande do Sul que não enquadra como maus-tratos o sacrifício de animais em rituais de religiões de matriz africana (RE 494.601).

O Plenário, seguindo o voto divergente de Fachin, concluiu que a proteção específica desses cultos é compatível com o princípio da igualdade, uma vez que sua estigmatização, fruto de um preconceito estrutural, requer especial atenção do Estado.

Licença-maternidade

O Supremo confirmou, em 2022, liminar de Fachin que fixou que o marco inicial da licença-maternidade e do salário-maternidade é a alta hospitalar da mãe ou do recém-nascido — o que ocorrer por último. A medida se restringe aos casos mais graves, em que as internações excedam duas semanas (ADI 6.327).

O relator afirmou que a interpretação restritiva das normas reduz o período de convivência fora do ambiente hospitalar entre mães e recém-nascidos. Essa situação, no entender do ministro, está em conflito com o direito social de proteção à maternidade e à infância e viola dispositivos constitucionais e tratados e convenções assinados pelo Brasil.

Segundo Fachin, é na ida para casa, após a alta, que os bebês efetivamente demandarão o cuidado e a atenção integral dos pais, especialmente da mãe.

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