STJ avalia se vítimas de tragédia em barragem podem executar TAC por indenização
15 de junho de 2025, 9h53
A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça começou a julgar na quarta-feira (11/6) se as vítimas da tragédia resultante do rompimento da barragem de Brumadinho (MG) têm legitimidade para executar um termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado pela Vale com a Defensoria Pública de Minas Gerais.

TAC firmado entre Defensoria e Vale previu valores específicos a serem pagos para indenizar vítimas da barragem
O julgamento foi iniciado com o voto do relator, ministro Antonio Carlos Ferreira, para quem essa não é uma possibilidade cabível. E foi interrompido por pedido de vista da ministra Nancy Andrighi.
O TAC em questão foi firmado menos de quatro meses depois do rompimento da barragem de rejeitos de mineração, em 2019, para tratar das indenizações individuais a serem pagas pela mineradora.
A cláusula 15.7 do acordo previu pagamento de R$ 100 mil e pensão a cada vítima de dano à saúde mental/emocional, desde que haja incapacidade comprovada.
Vítimas do desastre têm tentado executar individualmente o TAC para receber a indenização. Elas apresentam laudos produzidos por médicos particulares indicando os danos e destacando o descumprimento por parte da Vale.
Até o momento, a única corte de segundo grau que admitiu essa possibilidade foi o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o que gerou uma série de recursos ao STJ.
Tanto a Vale quanto a Defensoria Pública mineira entendem que o TAC não é um título executivo judicial. Ele é tratado como um documento para parametrizar as indenizações, ou seja, para facilitar a resolução mediante acordo, com valores mínimos e razoáveis.
No STJ, só a 3ª Turma chegou a julgar o tema colegiadamente. Primeiro, ela entendeu que só a Defensoria Pública poderia iniciar a execução. Quinze dias depois, porém, mudou de ideia e deu às vítimas a possibilidade de fazer a cobrança individualmente.
O caso foi afetado à 2ª Seção como incidente de assunção de competência (IAC). Ou seja, apesar de não haver tanta repetição de casos, trata-se de um tema tão importante que merece uma decisão qualificada e vinculante por parte do STJ.
TAC em disputa
O contexto do acordo foi ressaltado nas sustentações orais. Luiz Fernando Vieira Martins, pela Vale, destacou que o objetivo do TAC é evitar a judicialização em massa e que não há como executá-lo porque não há descumprimento das condições acordadas.
Em suma, as vítimas buscam a Vale por meio da Defensoria ou de seus próprios advogados e passam por perícia para definir o cabimento da indenização. Se houver negativa e a vítima discordar, cabe a ela ingressar com ação ordinária.
O advogado afirmou ainda que o tema deve ser tratado com o enfoque da litigância abusiva. “Há demandas predatórias. Achou-se uma brecha no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e aí passou-se a prosseguir com demandas de massa. Há notícia de laudos fraudados.”
Já Flávio Wandeck, pela Defensoria Pública de Minas Gerais, destacou que, quando o TAC foi firmado, ainda não havia como saber o tamanho dos danos causados pelo rompimento da barragem e, por isso, não se imaginou que o termo poderia ser usado como título executivo.
Essa afirmação deixou Nancy Andrighi perplexa. “Nunca imaginei que uma Defensoria Pública, nobre como vocês são, pudesse fazer um acordo que não tem eficácia executiva. Não sei o que dizer”, criticou.
Não é título executivo
Único a votar até o momento, Antonio Carlos Ferreira concluiu que o TAC assinado entre as partes realmente não tem força de título executivo, por se inserir em um procedimento extrajudicial de resolução de conflitos.
Assim, a viabilidade da indenização como prevista nos parâmetros do TAC pressupõe que exista um acordo. Se as partes discordarem, o valor de R$ 100 mil não será referência obrigatória para a indenização que venha a ser tratada em ação ordinária.
Para o ministro, a lei possibilita o manejo de execuções para a satisfação concreta e direta das obrigações representadas em títulos, mas elas precisam ser certas, líquidas e exigíveis, como prevê o artigo 793 do Código de Processo Civil.
O TAC assinado por Vale e Defensoria, no entanto, não tem obrigação de pagar relacionada à indenização. Por isso, não constitui título executivo para ser executado diretamente pelas vítimas, por ausência de certeza quanto às obrigações ali representadas.
“Em consequência, as vítimas não têm legitimidade para executar individualmente o termo de compromisso, pois ele não estabelece obrigações de pagar inadimplidas que justifiquem a execução do título”, concluiu o relator, que propôs as seguintes teses:
1) O termo de compromisso firmado entre a Defensoria Pública do estado de Minas Gerais e a companhia Vale S.A. não constitui título executivo extrajudicial para execução diretamente pelas vítimas;
2) As vítimas não têm legitimidade para executar individualmente em referido termo de compromisso.
Divergências em vista
Ao que tudo indica, Nancy Andrighi deve abrir divergência, na linha em que se posicionou quando a 3ª Turma decidiu o tema pela última vez.
Para ela, o microssistema dos processos coletivos relaciona a legitimidade para executar o TAC à natureza do direito tutelado. Assim, há plena legitimidade dos indivíduos para executar o termo.
As manifestações durante o início do julgamento, por outro lado, indicam que o ministro João Otávio de Noronha pode seguir o relator.
Ele apontou que não se pode ver a impossibilidade de execução individual do TAC como um empecilho a trazer mais angústia às vítimas da barragem. “Buscou-se um caminho para simplificar, para desjudicializar. Só isso.”
REsp 2.113.084
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