Opinião

Quais tributos/impostos podem ser excluídos do custo de aquisição

Autor

  • é advogado tributarista mestrando Acadêmico pela Escola Paulista de Direito (EPD) especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e pelo IBDT e em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP)SP e tem formação em Arbitragem Tributária em Lisboa pela mesma instituição onde é membro do grupo de pesquisa: “Métodos Adequados de Resolução de Conflitos em Matéria Tributária”.

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15 de junho de 2025, 9h23

O imposto de renda tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda (artigo 43 do CTN). Os artigos 1º do Decreto-Lei (DL) nº 1.598/77 e da Lei nº 7.689/88, por sua vez, determinam a incidência do IRPJ e da CSLL sobre o lucro das pessoas jurídicas, domiciliadas no País.

O Código Tributário Nacional estabelece como base de cálculo do imposto de renda o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis (artigo 44). Já o DL nº 1.598/77 define o lucro real como sendo o lucro líquido do exercício ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas pela legislação tributária (artigo 6º), estabelecendo ainda que o lucro líquido do exercício é a soma algébrica de lucro operacional (artigo 11), dos resultados não operacionais, do saldo da conta de correção monetária (artigo 51) e das participações, e deverá ser determinado com observância dos preceitos da lei comercial.

O referido DL também prescreve que o lucro real será determinado com base na escrituração que o contribuinte deve manter, com observância das leis comerciais e fiscais (artigo 7º) e que, ao fim de cada período-base de incidência do imposto o contribuinte deverá apurar o lucro líquido do exercício mediante a elaboração, com observância das disposições da lei comercial, do balanço patrimonial, da demonstração do resultado do exercício e da demonstração de lucros ou prejuízos acumulados (§ 4º).

No mesmo sentido, a Lei nº 7.689/88 determina como base de cálculo da CSLL o valor do resultado do exercício, antes da provisão para o imposto de renda (artigo 2º).

Verifica-se até aqui que tanto o fato gerador quanto a base de cálculo do IRPJ e a CSLL estão intrinsecamente vinculados ao lucro da pessoa jurídica determinado com a observância das disposições da lei comercial, do balanço patrimonial e da demonstração do resultado, disposições regidas pela Lei nº 6.404/76, abordada no item seguinte:

Lucro do exercício

Como já mencionado, o DL 1.598/77 define o lucro real como sendo o lucro líquido do exercício ajustado pelas adições e exclusões permitidas. O artigo 191 da Lei nº 6.404/76 (Lei das S/A) define lucro líquido do exercício como o resultado do exercício que remanescer depois de deduzidas as participações de que trata o artigo 190, e que na determinação do resultado do exercício serão computados os custos, despesas, encargos e perdas, pagos ou incorridos, correspondentes às receitas e aos rendimentos ganhos no período, independentemente da sua realização em moeda (artigo 187 § 1º).

Tem-se, então, que o lucro sujeito à incidência do IRPJ e da CSLL parte do lucro líquido contábil para que se determine o lucro real (IRPJ) e o resultado do exercício (CSLL), apurados de acordo com as regras contábeis e fiscais estabelecidas pela legislação.

Spacca

Contudo, para se determinar o lucro líquido contábil, o custo de aquisição é elemento fundamental, como será demonstrado no item subsequente.

Custo de aquisição

Já mencionamos  que o lucro líquido é determinado pelo resultado do exercício, computados as receitas e os respectivos custos pagos ou incorridos correspondentes a essas receitas. O artigo 13 do DL 1.598/77 estabelece que o custo de aquisição de mercadorias destinadas à revenda compreenderá os de transporte e seguro até o estabelecimento do contribuinte e os tributos devidos na aquisição ou importação, determinando ainda os custos e encargos que deverá compreender o custo de produção dos bens ou serviços vendidos (§ 1º).

Da mesma forma, o artigo 14 do mesmo DL impõe que o custo das mercadorias revendidas e das matérias-primas utilizadas será determinado com base em registro permanente de estoques ou no valor dos estoques existentes, de acordo com o livro de inventário, no fim do período, e que o contribuinte que mantiver sistema de contabilidade de custo integrado e coordenado com o restante da escrituração poderá utilizar os custos apurados para avaliação dos estoques de produtos em fabricação e acabados (§ 1º).

É evidente, portanto, que o custo de aquisição é elemento primordial para determinação do resultado e, consequentemente, da apuração do lucro líquido e determinação das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Passamos agora a comentar a questão central proposta para reflexão nesse artigo, qual seja, a dedução dos impostos (ou tributos) incidentes na aquisição, do respectivo custo de aquisição.

Dedução no custo dos tributos incidentes na aquisição

Verificamos que os custos e encargos deverão compor o custo de produção dos bens ou serviços vendidos. Entre estes custos estão os insumos adquiridos. Resta saber, entretanto, se todos os tributos recuperáveis, ou apenas os impostos, devem ser descontados desses custos.

O artigo 301 do RIR/2018 dispõe sobre o custo dos bens e serviços, destacando que “os impostos recuperáveis por meio de créditos na escrita fiscal não integram o custo de aquisição (§ 3º). O referido artigo justifica como fundamento o artigo 14 do DL 1.598/77 que, no entanto, não traz a mesma redação, limitando-se a determinar que “o custo das mercadorias revendidas e das matérias-primas utilizadas será determinado com base em registro permanente de estoques ou no valor dos estoques existentes, de acordo com o livro de inventário, no fim do período”.

É necessário refletir, portanto, se o valor dos estoques demonstrados na escrituração contábil exclui apenas os impostos recuperáveis do seu montante, como prescreve o § 3º do artigo 30 do RIR, ou se o custo de aquisição para efeito de determinação do lucro líquido deve ser o mesmo demonstrado na contabilidade e respectivo inventário, como determina o artigo 14 do DL 1.598/1977.

Entendemos que o § 3º do artigo 301 do RIR/2018 representa simples atecnia, uma vez que a interpretação sistemática da legislação não parece sustentar que somente os “impostos” não recuperáveis sejam deduzidos do custo de aquisição, excluindo as contribuições para o PIS e Cofins dessa dedução por enquadrarem-se no conceito geral de tributos, como isoladamente pode fazer crer o mencionado dispositivo do RIR.

A esse respeito, importa trazer o conceito com o qual trabalha o Comitê de Pronunciamentos Contábeis, através do Pronunciamento Técnico CPC 16(R1):

“11. O custo de aquisição dos estoques compreende o preço de compra, os impostos de importação e outros tributos (exceto os recuperáveis junto ao fisco), bem como os custos de transporte, seguro, manuseio e outros diretamente atribuíveis à aquisição de produtos acabados, materiais e serviços. Descontos comerciais, abatimentos e outros itens semelhantes devem ser deduzidos na determinação do custo de aquisição. (Alterado pela Revisão CPC 01).”

A rigor, considerando que o fato gerador do IRPJ e da CSLL é complexivo, aperfeiçoando-se ao final do ano calendário, e que sua base de cálculo parte da apuração do lucro líquido do exercício para se determinar o lucro real, não parece razoável supor que ela possa ser apartada do lucro apurado na contabilidade, considerando todos os fatores que são necessários para determinação desse lucro. A possibilidade de que as contribuições recuperáveis, como o PIS e Cofins, sejam desconsideradas para dedução do custo, parece ser admitida apenas na hipótese de crédito extemporâneo das contribuições. Penso nessa possibilidade utilizando como fundamento algumas decisões proferidas pelo Carf, que adiante passamos a expor.

Créditos extemporâneos de PIS e Cofins na apuração do custo

Os acórdãos 1801­002.018 — 1ª Turma Especial (29 de julho de 2014), 1302­001.802 — 3ª Câmara / 2ª Turma Ordinária (02 de março de 2016) e 9101-006.134 — CSRF / 1ª Turma (6 de junho de 2022), tratam, no caso concreto, de contribuintes que apuraram créditos extemporâneos de PIS e Cofins e não retificaram a as bases de apuração dos tributos sobre o lucro. Consequentemente, foram autuados pela fiscalização por supostamente terem inflado os custos, apurando IRPJ e CSLL a menor. Nenhum dos casos citados tratou de inclusão de créditos regulares do PIS e Cofins na base de cálculo dos tributos sobre o lucro no momento da sua apuração. Vejamos parte do relatório de cada um dos casos, em apartado:

Acórdão 1801­002.018

“O Contribuinte apurou créditos extemporâneos correspondentes ao Programa de Integração Social — PIS e à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social — COFINS […] Constata-se assim que o valor do crédito extemporâneo do PIS e da Cofins, relativo ao ano-­calendário de 2005, integrou o Lucro Operacional do ano­-calendário de 2006. Este valor não foi objeto de exclusão do Lucro Real. Conforme informação prestada pelo contribuinte, ele não consta das contas integrantes das exclusões registradas na linha 37, da Ficha 09A — Outras Exclusões, da DIPJ 2007 [..].”

Acórdão 1302­001.802

“A autuação decorreu da constatação fiscal que houve majoração indevida de custos, no ano-­calendário de 2006, tendo em vista que a autuada não excluiu dos custos de aquisição dos insumos os créditos de PIS e Cofins (ativos fiscais), acarretando a redução indevida do lucro no ano-­calendário em questão, e em 2008 aproveitou-­se, extemporaneamente destes créditos, sem proceder ao devido ajuste na contabilidade.”

Acórdão 9101-006.134

“CRÉDITO EXTEMPORÂNEO DO PIS/PASEP E DA COFINS. LUCRO REAL. EXCLUSÃO. O exercício do direito aos créditos do PIS/PASEP e da COFINS implica o seu registro contábil segundo as regras do regime de competência. Para efeito de apuração do lucro real, o procedimento técnico-contábil recomendado consiste no seu lançamento como ativo fiscal, sendo vedada a contrapartida em conta de receita. Na hipótese de o contribuinte adotar procedimento diverso desse, o resultado fiscal não poderá ser afetado.”

O último acordão ainda suscita o procedimento adotado pela empresa autuada, de não deduzir do custo dos insumos as referidas contribuições PIS/Cofins e controlar estes créditos em paralelo, para somente quando tiver a certeza da possibilidade do creditamento fazer aos ajustes contábeis devidos. Tais ajustes, contudo, não contemplaram a reapuração do IRPJ e da CSLL.

O acórdão também ressalta o caso específico de créditos extemporâneos, ao afirmar que não existe norma contábil específica a tratar esses créditos. Vejamos:

“O referido caso também pode ser lido à luz das normas contábeis para verificação se as práticas adotadas pelo contribuinte estão adequadas ou não. O pagamento indevido ou a maior de um tributo gera um direito de crédito ao contribuinte contra a Fazenda passível de ser restituído ou compensado. O mesmo vale para o creditamento de um tributo que seja não cumulativo, de forma que haverá um crédito a ser compensando com os débitos do mesmo tributo no âmbito da apuração do referido tributo. Todavia, quando a determinação de que um pagamento foi indevido ou a maior se dá em um exercício social subsequente ao do referido pagamento, tal crédito costuma ganhar a alcunha de extemporâneo. Segundo o Dicionário Aurélio, a denominação ‘extemporâneo’ se refere a ‘algo que está ou vem fora do tempo próprio’, ‘que não é próprio do tempo em que se faz ou se sucede’. Assim, créditos tributários extemporâneos podem ser entendidos como créditos tributários oriundos de exercícios sociais anteriores. Vale notar que inexiste uma única norma contábil específica que trate do registro de créditos tributários extemporâneos.”

Jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região e do STF

Transcrevemos a seguir síntese do caso discutido no Recurso Extraordinário com Agravo nº 957.842/AL, que teve como relator o ministro Teori Zavascki, inserido no sistema eletrônico da repercussão geral em 5 de agosto de 2016, com termo final para manifestação em 25 de agosto de 2016.

A 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negou provimento à apelação interposta pelo sujeito passivo, mantendo a sentença, consistente no reconhecimento do direito à não inclusão, na base de cálculo do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), dos valores relativos aos créditos escriturais obtidos em decorrência do regime não cumulativo da contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), bem como à compensação dos montantes recolhidos indevidamente nos últimos dez anos.

O Colegiado assentou aplicar-se o desconto dos aludidos valores apenas no tocante ao PIS e à Cofins devidos, considerada a inexistência de previsão legal quanto a outros tributos. Disse não caber ao Judiciário, em razão do princípio da legalidade tributária, criar deduções não contempladas expressamente na legislação. Vejamos:

  1. A jurisprudência já firmou o entendimento de que os créditos de PIS e Cofins, conforme a sistemática da não-cumulatividade pelas Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03, são deduzidos do valor devido daquelas contribuições, não existindo previsão legal de excluí-los do lucro real para fins de incidência de IRPJ e de CSLL.
  2. Em razão da legalidade tributária (artigo 97 do CTN), não cabe ao Poder Judiciário, por interpretação extensiva, possibilitar ao sujeito passivo o aproveitamento de créditos sem amparo na legislação, sob pena de substituir o Poder Legislativo, o que é vedado pela Constituição (artigo 150, inciso I)
  3. Apelação improvida.

Conclusão

As decisões administrativas mencionadas tratam somente da possibilidade de não exclusão no custo de aquisição para efeito de IRPJ e CSLL, dos créditos extemporâneos de PIS e Cofins, não dos créditos regulares. Não há referências a decisões e judiciais reconhecendo a legalidade da inclusão dos referidos créditos no custo de aquisição para efeito de cálculo dos tributos sobre o lucro.

Segundo o STF, a jurisprudência já firmou o entendimento de que os créditos de PIS e Cofins, conforme a sistemática da não-cumulatividade pelas Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03, são deduzidos do valor devido daquelas contribuições, não existindo previsão legal de excluí-los do lucro real para fins de incidência de IRPJ e de CSLL.

Autores

  • é mestre em Direito pela EPD-SP, especialista em Direito Empresarial pela FGV-SP e em Direito Tributário pela PUC-SP, pesquisador do Grupo Métodos Adequados de Solução de Conflitos em Matéria Tributária da FGV Direito SP e advogado tributarista.

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