TRF-3 afasta anistia e recebe denúncia contra médicos-legistas por crimes na ditadura
12 de junho de 2025, 10h30
A rejeição da denúncia só deve ocorrer quando não se verificarem os requisitos formais, faltar pressuposto processual para seu exercício ou não houver justa causa. Em casos de dúvida quanto ao mérito, deve prevalecer o princípio in dubio pro societate (na dúvida, a favor da sociedade) e a ação penal deve ser instaurada.

TRF-3 tornou réus os médicos-legistas Harry Shibata e Antonio Valentini, cúmplices dos militares na ditadura
Esse foi o entendimento que prevaleceu na 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região para dar provimento a recurso do Ministério Público Federal e receber denúncia contra os médicos-legistas Harry Shibata e Antonio Valentini pelos crimes de falsidade ideológica e ocultação de cadáver durante a ditadura militar.
Dessa forma, eles afastaram a aplicação da Lei de Anistia (Lei 6.683) e ordenaram que o juízo de primeiro grau siga com a ação penal contra Shibata e Valentini. Ambos teriam elaborado laudos necroscópicos falsos sobre as mortes de Sônia Maria de Moraes Angel Jones e Antônio Carlos Bicalho Lana, ocorridas em 1973.
A denúncia do MPF foi rejeitada pela 6ª Vara Federal de São Paulo com o argumento de que a punibilidade dos acusados foi extinta pela Lei de Anistia, que perdoou crimes políticos e conexos praticados durante a ditadura militar.
No recurso, o MP sustenta que os crimes cometidos pelos legistas se enquadram como crimes contra a humanidade e, como consequência disso, não seria possível aplicar a regra da anistia, tampouco o instituto da prescrição.
O órgão também argumenta que o entendimento da 6ª Vara Federal é contrário à decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos proferida contra o Brasil, o que implica em claro descumprimento de pactos internacionais assumidos pelo país.
Crime contra a humanidade
Ao analisar o caso, o relator, desembargador Paulo Fontes, afirmou que não existe dúvidas de que o Brasil está sujeito à jurisdição da Corte Interamericana e que a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF 153, que considerou que a Lei de Anistia foi recepcionada pela Constituição de 1988, não impede o cumprimento da decisão da Corte-IDH.
“A necessidade de compatibilidade normativa tanto com a Constituição Federal quanto com a Convenção Interamericana fica muito clara com a decisão do STF no HC 90172/SP, que culminou na Súmula Vinculante nº 25, que veda a prisão civil do depositário infiel. Tal modalidade de prisão foi considerada incompatível com o Pacto de São José da Costa Rica, embora seja permitida pela Constituição brasileira. Assim sendo, a lei de anistia pode igualmente mostrar-se compatível com a Constituição e incompatível com a Convenção”, explicou.
O relator afirmou que, conforme decisão da Corte-IDH, era preciso afastar a alegação de que os crimes imputados aos legistas tenham prescrito ou sejam enquadrados na Lei de Anistia.
“Vale ressaltar que, ainda que os réus não tenham sido denunciados pelos crimes de homicídio praticados contra as vítimas, no presente caso, os crimes de falsidade ideológica e ocultação de cadáver possuem caráter de lesa humanidade, uma vez que são conexos com os crimes mais gravosos praticados durante a ditadura militar contra as vítimas Sônia e Antônio Carlos, por visarem assegurar a impunidade e mascarar as reais práticas utilizadas para a morte delas.”
Fontes também citou precedente da 4ª Seção do TRF-3, que, no julgamento de caso similar ao dos legistas, entendeu que ocultação de cadáver se tratava de crime permanente, uma vez que os corpos das vítimas não haviam sido encontrados.
Por fim, ele aplicou o princípio in dubio pro societate para receber a denúncia e ordenar o retorno dos autos ao juízo de origem para o prosseguimento da ação penal. O voto do relator foi seguido pela juíza convocada Raclaer Baldresca.
Vencido, o desembargador Ali Mazloum divergiu do relator. O magistrado entendeu que os delitos haviam prescrito já que ainda não há lei que tipifique os crimes contra a humanidade no Brasil.
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Processo 5007534-63.2023.4.03.6181
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