Acesso da microempresa na qualidade de autora no Juizado Especial Cível
12 de junho de 2025, 18h16
Os Juizados Especiais Cíveis foram criados com o objetivo de privilegiar o acesso à Justiça dos jurisdicionados que possuem causas de menor complexidade, assim entendidas aquelas questões que não dizem respeito à matéria em si, mas à prova necessária à instrução e julgamento do feito, até o limite de 40 salários mínimos, sendo tal procedimento norteado pela celeridade, informalidade, oralidade e economia processual, conforme disposto no artigo 2º da Lei 9.099/1995.
Ainda sobre a competência dos Juizados Especiais Cíveis, é importante destacar que o artigo 3º da Lei 9.099/1995, em seu inciso I, elenca de maneira taxativa as causas que o legislador entendeu não serem complexas, sendo elas as seguintes: I — as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo; II — as enumeradas no artigo 275, inciso II, do Código de Processo Civil; III — a ação de despejo para uso próprio; IV — as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo.
Deve ser destacado, inclusive, o conteúdo do enunciado 4.1.2 do AVISO CONJUNTO TJ/COJES Nº 25/2024 que assim disciplina:
4.1.2. LEGITIMIDADE PARA DEMANDAR — ELENCO TAXATIVO O elenco das causas previstas no Art. 3º da Lei 9099/95 é taxativo.
No que diz respeito à capacidade para atuar no âmbito do Juizado Especial Cível, seja no polo ativo ou passivo, preciosa é a lição contida no livro Juizados Especiais Cíveis e Criminais, Lei 9099/1995 Comentada:
“(…)Nota-se claramente que a regra é ter capacidade livremente para ser parte nos Juizados, eis que a redação do artigo é feita com frase negativa, ou seja, o dispositivo pra comentado indica quem não tem capacidade para ser parte no Juizados Especiais. Em outras palavras, via de regra, exceto o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil, todos podem ser parte no âmbito dos Juizados.”
Pessoas jurídicas no JEC
Em relação às pessoas jurídicas, o parágrafo primeiro do artigo oitavo da Lei 9.099/1995 esclarece que apenas serão admitidas a propor ação perante o Juizado Especial as pessoas enquadradas como microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte na forma da Lei Complementar 12/2006, as pessoas jurídicas qualificadas como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, nos termos da 9.790/1999 e as sociedades de crédito ao microempreendedor, nos termos do artigo 1ºda Lei no 10.194, de 14 de fevereiro de 2001.
Essas pessoas jurídicas, no momento em que ajuizarem suas pretensões no âmbito do Juizado Especial Cível, deverão comprovar também a sua qualificação tributária atualizada, conforme disposto no enunciado 135 do Fonaje:
“O acesso da microempresa ou empresa de pequeno porte ao sistema dos juizados especiais depende da comprovação de sua qualificação tributária, por documento idôneo.”
Por documento idôneo, entende-se a declaração emitida pelo Simples Nacional, bem como as duas últimas declarações de imposto de renda, a fim de restar comprovado que a receita bruta da empresa autora enquadra-se nos limites legais para as empresas de pequeno porte.
Caso a empresa autora não apresente a documentação comprobatória mencionada, o Juízo deve intimá-la para corrigir o vício a fim de que comprove a sua capacidade processual. Em caso de inércia ou comprovação ineficaz, o feito deve ser julgado extinto, sem resolução do mérito, diante da ilegitimidade ativa da empresa autora.
Não obstante o exposto acima, devemos esclarecer que alguns tribunais têm se posicionado no sentido de não aplicar o enunciado 135 do Fonaje sob o argumento de que tais enunciados são apenas “orientações procedimentais com o objetivo de conferir maior uniformização nacional aos julgamentos no âmbito dos Juizados Especiais, mas a sua aplicação deve respeitar o princípio da legalidade” (TJ-DF 07027828820198070005). Nesse sentido, colacionamos o precedente a seguir, oriundo do Tribunal de Justiça de São Paulo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DOCUMENTO FISCAL REFERENTE AO NEGÓCIO JURÍDICO OBJETO DA DEMANDA. EXIGÊNCIA DO ENUNCIADO 135 DO FONAJE. Exigência que inviabiliza o acesso ao Poder Judiciário . Exigência de prova pré-constituída que viola o disposto no artigo 32 da Lei 9.099/95. Competênca da Administração Tributária para fiscalizar o cumprimento de obrigação tributária acessória. Descumprimento que não pode obstar acesso ao Poder Judiciário . Artigo 5º. XXXV da Constituição Federal. Recurso provido para determinar o prosseguimento da ação sem a apresentação do documento fiscal exigido pelo Enunciado 135 do FONAJE. (TJ-SP – AI: 01001502720218269031 SP 0100150-27 .2021.8.26.9031, Relator.: Fábio Fernandes Lima, Data de Julgamento: 29/06/2022, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: 29/06/2022)
Entendemos, contudo, que o enunciado 135 do Fonaje está em sintonia não apenas com o artigo 2º como também com o artigo 8º da Lei 9.099/1995 garantindo o acesso ao microssistema processual do JEC para as pessoas jurídicas que realmente sejam de pequeno porte e que não tenham condições de arcar com as custas das despesas processuais para a garantia dos seus direitos.
Verificação preliminar do Juizado
Dito isso, devemos trazer à baila que, na prática, muitos juízos não procedem com a verificação preliminar do processo no âmbito do Juizado Especial Cível, cabendo ao juiz leigo, que não possui jurisdição, no curso da audiência de conciliação, instrução e julgamento, realizar verdadeiro saneamento do feito.

Em situações como essas, em obediência ao artigo 29 da Lei 9.099/1995, é recomendado que se utilize da regra geral, disposta no artigo 10 do Código de Processo Civil, que se aplica de maneira subsidiária e suplementar à Lei 9.099/1995, concedendo-se prazo de cinco dias úteis, na forma do artigo 218,§3º do CPC, para que a empresa autora sane o vício, sem prejuízo da designação da data para leitura de sentença que, em todo o caso, no Estado do Rio de Janeiro, deve observar o prazo de 20 dias da data da Acij para sua elaboração, consoante o disposto no artigo 4º, §1º da Resolução TJ/OE/ RJ nº 35/2013.
Desta forma restará observado o regramento do microssistema legal previsto na Lei 9.099/1995, bem como a ampla defesa, o contraditório e o acesso à Justiça da empresa autora, que terá tempo hábil de fazer prova da sua capacidade, não podendo vir a suscitar nenhuma alegação de nulidade caso deixe de observar o comando exarado na Acij.
Outro ponto de grade importância é que existe orientação expressa no sentido de que quando demandar na qualidade de autora no Juizado Especial Cível, a empresa de pequeno porte deve estar obrigatoriamente representada pelo seu sócio administrador, inclusive na audiência, conforme disposto no enunciado 141 do Fonaje:
“A microempresa e a empresa de pequeno porte, quando autoras, devem ser representadas, inclusive em audiência, pelo empresário individual ou pelo sócio dirigente.”
Entendemos que este enunciado não se coaduna com a realidade em que vivemos, na medida em que o empresário individual ou sócio dirigente nem sempre possuem disponibilidade para comparecer à audiência justamente por estarem ocupados gerindo a empresa. Entendemos que a impossibilidade de nomeação de preposto para representar a empresa de pequeno porte na qualidade de autora no Juizado Especial Cível viola o acesso à Justiça, princípio de cunho constitucional, e acaba por prejudicar o seu próprio desenvolvimento.
Exemplo de escola e inadimplência
Veja-se, por exemplo, o caso de uma escola particular, que tenha como sócia dirigente a sua diretora. Em virtude de inadimplências de mensalidades escolares, a escola será obrigada a ajuizar ações de cobrança, que via de regra são distribuídas no Juizado Especial Cível. Sendo muitas as inadimplências, por óbvio serão muitas as ações.
A impossibilidade de nomeação de preposto para representar a escola na qualidade de autora acaba por inviabilizar, por certo, a atividade da sócia na qualidade de diretora, que terá que comparecer pessoalmente em diversos dias ao fórum para realizar um ato que quase sempre leva menos de 10 minutos para ser concluído.
Entendemos, desta forma, que o enunciado 141 do Fonaje deve ser revisto, sendo incompatível com o cenário econômico e empresarial contemporâneo. Nesse sentido, veja-se o precedente a seguir colacionado:
EMENTA: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE COBRANÇA FUNDADA EM CHEQUE. PARTE AUTORA EMPRESA DE PEQUENO PORTE. AUSÊNCIA DO SÓCIO DIRIGENTE À AUDIÊNCIA . INAPLICABILIDADE DO ENUNCIADO 141 DO FONAJE. AUSÊNCIA DE RESTRIÇÃO LEGAL PARA COMPARECIMENTO DE PREPOSTO. SENTENÇA REFORMADA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA PROSSEGUIMENTO . RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1.Trata-se de recurso inominado interposto por Cooper Cob Recuperação de Ativos Eireli – EPP, em face da sentença que julgou extinto o feito sem julgamento de mérito, nos termos do art. 51, inciso I, da Lei nº 9 .099/95. 2. Em razões recursais, pugna pelo prosseguimento regular do feito. Defende a não aplicação do Enunciado 141 do FONAJE . 3. Com razão o recorrente. O enunciado 141 do FONAJE, ao estabelecer que a microempresa e a empresa de pequeno porte, quando reclamantes, devem ser representadas pelo empresário individual ou pelo sócio dirigente, impõe restrição ao direito da parte que a própria legislação especial não prevê. Ainda, importante observar que inexiste prejuízo no comparecimento de preposto credenciado à audiência (art . 9, § 4º, Lei nº 9.099/95), como ocorreu no caso (carta de preposição – mov. 23.2) 4 . Desse modo, não possuindo o enunciado 141 do FONAJE poder normativo e sendo a imposição constante nele incompatível com os princípios da informalidade, celeridade e economia processual que regem os Juizados Especiais, deve ser afastada a extinção do processo sem resolução de mérito, com o retorno dos autos à origem para prosseguimento do feito. 5. Precedente nesse sentido: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE COBRANÇA . PARTE AUTORA MICROEMPRESA. AUSÊNCIA DO SÓCIO À AUDIÊNCIA. INAPLICABILIDADE DO ENUNCIADO 141 DO FONAJE. AUSÊNCIA DE RESTRIÇÃO LEGAL PARA COMPARECIMENTO DE PREPOSTO . SENTENÇA REFORMADA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA PROSSEGUIMENTO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJPR – 1ª Turma Recursal – 0054559-14 .2018.8.16.0014 – Londrina – Rel .: Juíza Melissa de Azevedo Olivas – Rel.Desig. p/ o Acórdão: Juíza Maria Fernanda Scheidemantel Nogara Ferreira da Costa – J. 09 .12.2019). (TJPR – 5ª Turma Recursal dos Juizados Especiais – 0002496-35.2020 .8.16.0113 – Marialva – Rel.: JUÍZA DE DIREITO DA TURMA RECURSAL DOS JUÍZAADOS ESPECIAIS MANUELA TALLÃO BENKE – J . 07.02.2022) (TJ-PR – RI: 00024963520208160113 Marialva 0002496-35.2020 .8.16.0113 (Acórdão), Relator.: Manuela Tallão Benke, Data de Julgamento: 07/02/2022, 5ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, Data de Publicação: 07/02/2022)
Verificamos, assim, que o acesso da microempresa e da empresa de pequeno porte na qualidade de autora no Juizado Especial Cível demanda a observância do disposto no artigo 8º da Lei 9.099/1995, bem como nos enunciados do Fonaje e, ainda, no Estado do Rio de Janeiro, nos avisos elaborados pela Cojes, notadamente aqueles presentes no Aviso Conjunto TJ/Cojes nº 25/2024, cuja leitura é obrigatória para todos os operadores de direito.
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Referências
Aqui;
Aqui;
Juizados Especiais Cíveis e Criminais – Lei 9.099/1995 Comentada, ed. 2018.
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