Opinião

Retórica da sustentabilidade e necessário confronto à hipocrisia ambiental

Autor

  • é professor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte doutor em Direito pela Universidade de Lisboa mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte especialista em Direitos Fundamentais e Tutela Coletiva pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Norte advogado geógrafo conselheiro estadual da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Rio Grande do Norte presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB-RN conselheiro titular no Conselho da Cidade do Natal (Concidade) e no Conselho de Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Norte (Conema) autor de inúmeros livros capítulos de livros e artigos nas áreas de Direito Ambiental Direito Urbanístico e Direito Constitucional.

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12 de junho de 2025, 17h21

Defender o meio ambiente é respeitar seus limites. O ambiente existe para ser desfrutado. Tal desfrute não é exclusividade do ser humano, mas de todos os seres vivos. No entanto, cabe ao ser humano a tarefa de zelar pelo melhor uso do mesmo e “no mesmo”. Em alguns casos, o melhor uso pode significar não uso, como acontece com as áreas com relevância ecológica, especialmente aquelas comprometidas por processos históricos de utilizações não sustentáveis.

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A lógica do Direito Ambiental é regular o melhor uso dos espaços territoriais, ou seja, conciliar ao máximo e com o melhor aproveitamento, a exploração direta ou indireta de recursos ambientais, de modo que as gerações futuras não fiquem impedidas de dispor das condições e recursos naturais de que dispomos hoje e que possam utilizá-los, igualmente, de forma responsável, em seu tempo.

Convém, no entanto, asseverar que o ambiente não é um fim em si mesmo. Isso porque o ser humano, assim como as demais espécies de seres vivos, tem necessidades e interesses que precisam ser atendidos para que possam dispor de um padrão de qualidade de vida e de conforto que lhes realize enquanto seres humanos. O que escrevo é óbvio, mas convém sempre recordar.

Não há fórmula perfeita e infalível para a sustentabilidade ambiental. Portanto, precisamos tatear cada movimento humano sob as lentes da ciência, em suas variadas vertentes. É o que nos cabe, enquanto seres humanos, finitos e limitados. Dados, números, estatísticas, pesquisas, observações e resultados são frutos da experiência humana, pautadas em ações, omissões, erros e acertos.

As ideologias são lentes que o ser humano coloca, a partir de sua cultura e contexto histórico e social, através das quais enxerga o mundo e dele extrai suas percepções, para, a partir dessas, formular hipóteses e idealizar cenários que a seu ver seriam perfeitos. Trata-se de uma mera abstração e utopia, uma vez que é impossível ao ser humano alcançar a perfeição através do planejamento e de sua intervenção no ambiente.

Generalismo irresponsável

A responsabilidade pela defesa do meio ambiente, ou melhor, dos melhores usos dos espaços territoriais, em sua perspectiva mais ampla, englobando o meio ambiente natural, artificial, cultura e do trabalho, não deve ser apropriada por quaisquer bandeiras ideológicas ou de posições no espectro político, o que não impede da assimilação de suas ideias e da agenda que lhe é correlata. O que não convém é a tentativa de apropriação com ares exclusivistas, até porque a responsabilidade pela defesa do ambiente é especialmente dos seres humanos e não de um determinado grupo.

Culpar empresas ou setores da economia por desastres ou degradação ambiental é generalismo irresponsável e infundado. Não são as empresas que poluem ou degradam o ambiente, mas pessoas (responsáveis por estas) que escolhem não proteger, não prevenir ou não agir diante de riscos de danos (ambientais) efetivos ou potenciais. Qualquer pessoa (física ou jurídica) deve escolher sua forma de agir. Se agir em conformidade com a legislação aplicável, seu agir deve ser resguardado e até mesmo incentivado. Se agir de forma reprovável, precisa ser exemplarmente punida, para que não apenas repare os danos causados à coletividade, mas que desestimule, em outras pessoas, a realização de práticas semelhantes.

Nesse sentido, a licença ambiental por adesão e compromisso (LAC), que está no centro da polêmica gerada pela iminência da aprovação do Projeto de Lei n° 2159, de 2021 (Senado), o qual propõe a criação de uma lei geral do licenciamento ambiental, está sendo criticada por facilitar ao empreendedor (em termos de encurtamento de prazo), em condições específicas, a obtenção da licença ambiental pretendida. Claro que o risco de danos ambientais por empreendedores sempre existirá, por mais que estes criem mecanismos de controle e gestão. Isso porque não existe intervenção no ambiente natural (em equilíbrio) sem que se cause algum tipo de dano, mesmo que mínimo.

Alcunha do PL é inadequada

O fato é que a burocracia extrema e infundada, que ainda é realidade em nosso país, também representa risco de danos ambientais, uma vez que tem levado empresas a operarem na informalidade. Tal atitude, por óbvio, não se justifica. No entanto, infelizmente é uma realidade em nosso país. Quando tal burocracia inicial é superada, aumentando-se a responsabilidade dos órgãos ambientais (integrantes do Sisnama) no que diz respeito ao cumprimento das condicionantes exaradas na referida licença ambiental, conseguimos avançar em termos de adentrarmos em um cenário de liberdade para o empreendedorismo sustentável. Aos que abusarem dessa sistemática para avançar na prática de crimes e infrações administrativas ambientais, que sejam punidos com ainda mais rigor do que pune a legislação vigente hoje.

Em nossa perspectiva, fundamentada na experiência prática, não nos parece adequado atribuir jocosamente ao projeto de lei em análise a alcunha de “PL da devastação”. Isso porque, lamentavelmente, a devastação ambiental já ocorre atualmente, independentemente da aprovação do referido projeto, impulsionada, entre outros fatores, pelo excesso de burocracia e pelos elevados custos necessários para o início de atividades econômicas formalmente propostas. Evidentemente, o desmatamento resulta de um conjunto multifatorial de causas, que extrapolam os aspectos aqui mencionados. Contudo, a morosidade administrativa, aliada à ineficiência no cumprimento de prazos razoáveis durante os processos de licenciamento e avaliação de impactos ambientais, contribui diretamente para o avanço de práticas informais e, por vezes, ilegais, que agravam o cenário de degradação ambiental.

A superação da hipocrisia ambiental começa quando se compreende que cuidar do meio ambiente não significa apenas preservá-lo intocado, mas sim mantê-lo funcional e ecologicamente equilibrado. Preservar sua integridade exige o comprometimento tanto do Estado quanto da sociedade, por meio de ações planejadas e responsáveis de gestão ambiental. Entre essas práticas destacam-se: 1) o reuso de recursos; 2) a recuperação de áreas degradadas; 3) a elaboração de zoneamentos ambientais, especialmente o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE); 4) o reflorestamento estratégico; e 5) a geração de ativos ambientais, como Cotas de Reserva Ambiental, Pagamento por Serviços Ambientais, instrumentos do mercado de carbono, compensações ambientais, entre outros.

Esses mecanismos devem ser compreendidos como ferramentas concretas de promoção da sustentabilidade e não como entraves ao desenvolvimento. Não é impedindo ou até perseguindo o empreendedor que se protege o ambiente, de forma mais eficaz. Mas é trazendo-os para mais perto, incentivando-os a serem mais efetivos em seu dever de cuidar do ambiente, de modo que tais empreendedores e empresas, através de suas políticas internas ganhem a sociedade como aliada de seu negócio, sendo esta a principal interessada na sua existência e permanência no mercado.

Para tanto, os empreendedores precisam reconhecer o valor dos profissionais especializados que acompanham todos os passos das etapas produtivas (obras, serviços e produtos), de transportes, de logística e distribuição, de consumo e de pós consumo. A legislação ambiental brasileira é extensa e necessita que seja aplicada em sua íntegra, de modo que a ‘liberdade rebelde’ se converta em ‘liberdade legal’, convertendo-se o risco de sanção em potenciais de avanço e sustentabilidade financeira, potencializando a defesa do meio ambiente e elevando-a a um patamar de segurança e longevidade empresarial, ambas sedimentadas na responsabilidade socioambiental, verdadeiro escudo para o crescimento corporativo. Com tais práticas, ganham todos, ganham as empresas, ganha mais ainda a sociedade.

Autores

  • é doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, especialista em Direitos Fundamentais e Tutela Coletiva pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Norte, professor adjunto IV (efetivo) do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Campus de Natal, advogado ambiental, presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB-RN (2022-2024), membro da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA), vice-presidente do Instituto de Direito Administrativo Seabra Fagundes (IDASF) e Geógrafo, conselheiro seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Norte, conselheiro no Conselho da Cidade da Cidade do Natal (Concidade), no Conselho Municipal de Planejamento Urbano e Meio Ambiente do Natal (Complan) e no Conselho Estadual de Meio Ambiente do RN (Conema).

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