Inconstitucionalidade da execução penal de ofício
11 de junho de 2025, 20h52
Embora os artigos 105 e 147 da Lei de Execução Penal (LEP) estabeleçam que o juiz de oficio deve iniciar a execução penal, após o trânsito em julgado da pena, tal previsão oriunda da Lei de 1984 não foi recepcionada pela Constituição de 1988, na qual ficou definido o sistema acusatório.
Importante ressaltar que o artigo 28-A do CPP, o qual trata de acordo de não persecução penal, já estabelece que cabe ao Ministério Público cadastrar no sistema de execução penal (SEEU) o ANPP, para dar início após homologação judicial.
Apesar dessa previsão de sistema acusatório, a inconstitucionalidade nesse caso dá-se por outro motivo, uma vez que o ANPP não é pena. Logo não seria o caso de cadastro na execução penal, o que até estigmatiza o acordante, além de gerar duplicidade de processos, pois o processo de instrução continua em aberto e, se descumprido o acordo, nada pode ser feito pela execução penal, a qual deve devolver para o juízo competente para a instrução, que irá decidir se rescinde ou mantém o ANPP.
Logo, apenas mediante requerimento da parte autora da ação penal de conhecimento, é que se pode iniciar a execução penal.
Faz-se importante ressaltar que há casos em que a parte autora da ação penal não é o Ministério Público, uma vez que foi hipótese de ação penal privada. E neste caso a parte autora pode ter o interesse apenas de obter um título condenatório, mas não o seu cumprimento.
Outra hipótese também comum de prática inquisitiva e que viola o sistema acusatório é a regressão ou outra aplicação de sanção de ofício pelo juiz. Afinal, o sistema acusatório não deve prevalecer apenas na fase de instrução, mas também na fase de execução da pena. Portanto, na fase de execução as progressões e benefícios podem ser concedidos de oficio pelo Judiciário, mas as regressões e sanções devem depender de requerimento expresso do Ministério Público.
No Direito estrangeiro, países abaixo exigem requerimento da parte autora para iniciar a execução da pena:
1) Alemanha (artigo 451 do CPP de 1995),
2) 2 Portugal (artigo 469 do CPP de 1987),
3) França (artigos 707 e 709 do CPP, atualização em 2004) e
4) Itália (655 e 665 do CPP de 1988)
Logo, a execução penal não se inicia de ofício, ou seja, apenas com requerimento formal por parte do autor da ação penal, em geral, o Ministério Público, com as formalidades de uma execução como ação penal autônoma e necessidade de cumprir os requisitos inclusive cadastrais e documentais.

Interessante ressaltar que na Espanha a ação penal ainda tem início de ofício, mas há discussão sobre a constitucionalidade deste evento. A Espanha ainda é um dos poucos países que não adotaram com amplitude o funcionalismo e regras processuais modernas a partir da década, e tal previsão decorre de interpretação relativa ao artigo 988.II, da Ley de Enjuyciamiento Criminal, a qual é de 1882.
Independentemente da previsão em lei, o que se deve observar no Brasil é a Constituição, e não há razoabilidade e constitucionalidade em um processo de execução penal iniciado de ofício e com regressões ou outras medidas sancionatórias aplicadas pelo Judiciário de ofício, inclusive a execução penal tende a ser mais gravosa que a instrução em si, pois já na fase de prisão, ainda que domiciliar.
Do ativismo ao xerifismo
Será que nesse discurso complexo, um tanto burocrático e ideológico de juiz de garantias também se aplica à fase de execução penal ? Uma vez que a execução penal tende a ser mais gravosa do que a instrução em si, pois na instrução a maioria dos réus está solta, enquanto na execução penal a maioria está presa, sem computar as prisões domiciliares e as penas alternativas, mas que podem ser convertidas em prisão carcerária.
Há casos no Judiciário, de repercussão local e nacional, em que na execução penal o juiz tem ultrapassado os limites do ativismo judicial, que já deveriam ser tênues, e passando para o “xerifismo judicial”, como verdadeiro inquisidor pleno.
Nos debates precisamos analisar como funciona os sistemas em outros países e cumprir a Constituição, sob pena de continuarmos a gastar energia para reinventar a mesma roda.
Portanto, o artigo 105 da LEP é inconstitucional, bem como regressões de regime, sem prévia manifestação do Ministério Público por violar o sistema acusatório.
Referência bibliográfica
FREITAS, Vladimir Passos Aspectos da execução das penas corporais na Itália e no Brasil. 2019.Disponível aqui
MOREIRA, Rômulo de Andrade A execução penal é incompatível com o sistema acusatório. 2024 Disponível aqui
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