A quem não interessa a máxima efetividade da tutela coletiva?
11 de junho de 2025, 17h25
Em meio à crise estrutural do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e diante de massivas lesões a direitos individuais homogêneos de milhões de idosos hipervulneráveis, o STF (Supremo Tribunal Federal) examina o Tema 1.270, originado do Recurso Extraordinário n.º 1.449.302/MS, sob relatoria do ministro Dias Toffoli. A controvérsia gira em torno da legitimidade ativa do Ministério Público para promover a liquidação e execução coletivas de sentença proferida em ação civil pública que versa sobre direitos individuais homogêneos disponíveis, com vistas à reparação de danos individualmente sofridos pelas vítimas ou seus sucessores.
Trata-se de recurso com repercussão geral reconhecida, com fundamento no artigo 102, inciso III, alínea ‘a’, da Constituição, interposto pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público de Minas Gerais contra o acórdão da Corte Especial do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que reconheceu a ilegitimidade ativa do MP para liquidar e executar sentença condenatória proferida em ação civil pública relacionada à relações de consumo.
A decisão do STJ não garante a máxima efetividade da tutela coletiva e ainda pode resultar em um número elevado de ações individuais repetitivas no Judiciário, o que sobrecarregaria o sistema e prejudicaria a reparação dos danos aos consumidores. Dados mostram que a maioria dos brasileiros não procuram à justiça para reivindicar seus direitos, e a restituição dos danos às vítimas direta evitaria essa ineficácia.
Reflexão
Nesse contexto, impõe-se uma reflexão urgente: a quem não interessa a máxima efetividade da tutela coletiva? A Constituição de 1988 conferiu ao Ministério Público papel central na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis — e, por extensão interpretativa, também daqueles disponíveis, desde que revestidos de relevante interesse social.
Eu mesmo, Camilo Zufelato, subscrevi parecer juntado aos autos para fundamentar a manifestação do Instituto Defesa Coletiva no RE 1.449.302/MS3, asseverando que a tutela coletiva representa a máxima expressão do acesso à Justiça, especialmente no tocante aos direitos de terceira geração, como os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. O microssistema de tutela coletiva, formado pela Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985), pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) e pela própria Constituição, foi concebido justamente para lidar com lesões em massa, promovendo isonomia, efetividade e racionalidade processual.
A interpretação restritiva do artigo 127 da Constituição — que limitaria a atuação do Ministério Público apenas aos direitos indisponíveis — é inadequada diante do contexto constitucional e jurisprudencial consolidado nos tribunais superiores. A maioria das violações em massa atinge o consumidor, que, embora titular de direitos disponíveis, é hipervulnerável e depende da atuação de legitimados coletivos para ver seus direitos reparados.
Legitimidade do MP
A jurisprudência do STF, nos Temas 471 (RE 631.111/GO) e 850 (RE 643.978/SE), reconhece expressamente a legitimidade do Ministério Público para atuar na defesa de direitos individuais homogêneos sempre que demonstrada a relevância social da demanda. Portanto, a atuação do MP na fase de liquidação e execução coletiva é perfeitamente compatível com a ordem constitucional.

O artigo 97 do Código de Defesa do Consumidor autoriza expressamente a liquidação e execução coletivas por legitimados ativos, inclusive o Ministério Público. Não há preferência legal pela via individual, sendo a efetividade da tutela o critério determinante. Restringir essa possibilidade viola os princípios da duração razoável do processo, da economia processual e do efetivo acesso à justiça (artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição).
É necessário indagar: a quem interessa a fragmentação da tutela coletiva? Certamente não interessa às vítimas. Também não interessa ao Judiciário, já sobrecarregado com milhões de ações individuais que poderiam ser resolvidas de forma coletiva e racional. Tampouco interessa à sociedade, que vê seus direitos coletivos fragmentados e enfraquecidos.
Interessa, sim, aos litigantes habituais — grandes agentes econômicos que, por meio de práticas abusivas, lucram com a hipossuficiência, o desconhecimento e a desinformação dos lesados. A limitação da atuação do Ministério Público e demais legitimados no cumprimento de sentenças proferidas em ações coletivas atua em benefício desses interesses econômicos.
Desmonte de proteção aos direitos fundamentais
Trata-se de uma estratégia de desmonte da estrutura coletiva de proteção aos direitos fundamentais. Não é a primeira vez que se observa tentativa de esvaziamento dos instrumentos de tutela coletiva. Os Temas 499 e 1.075 da Repercussão Geral enfrentaram tentativas semelhantes, e a Suprema Corte reafirmou, com firmeza e técnica jurídica, a centralidade da proteção coletiva na concretização da dignidade da pessoa humana.
A Constituição orienta para a máxima efetividade da tutela coletiva. Permitir que o Ministério Público promova a liquidação e execução coletiva de sentenças é ampliar o acesso à justiça, reduzir a fragmentação da demanda, otimizar o uso do sistema Judiciário e garantir resultados concretos para milhares de vítimas que, isoladamente, sequer teriam condições de judicializar seus pleitos.
Como questiona o ministro Alexandre de Moraes em seu voto: “A quem aproveitaria a inação do Ministério Público, negando-se-lhe a legitimidade para buscar a concretização de direitos de especial relevância social já reconhecidos em sentença genérica?” (voto antecipado em sessão virtual, ainda não juntado aos autos).
A resposta é evidente: somente ao causador do dano. Dessa forma, o julgamento do Tema 1.270 pelo STF deve reafirmar a jurisprudência protetiva do sistema de tutela coletiva, assegurando a legitimidade dos entes autorizados — em especial, do Ministério Público — para promover a liquidação e execução coletiva de sentença. Tal reconhecimento é essencial para preservar a integridade do microssistema coletivo, garantindo sua efetividade como instrumento de promoção da justiça, de racionalização do processo e de proteção dos direitos fundamentais em uma sociedade plural e desigual.
Ao reafirmar esse papel, a Corte Constitucional contribuirá para a consolidação da tutela coletiva como um dos pilares do Estado democrático de direito no Brasil, comprometido com o acesso amplo, célere e eficaz à Justiça.
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