discriminação reversa

Suprema Corte ajuda Trump a acabar com programas de diversidade

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10 de junho de 2025, 9h55

A decisão da Suprema Corte, que escancarou as portas da Justiça para indivíduos da maioria — homens, brancos e heterossexuais — processarem seus empregadores por discriminação, está apresentando um efeito colateral nos programas de diversidade, equidade e inclusão (DEI) de organizações dos EUA.

Donald Trump, presidente dos Estados Unidos

Com posição da Suprema Corte, campanha de Trump contra ações de diversidade se tornou desnecessária

Foi uma ajuda significativa para o presidente Donald Trump que, desde o primeiro dia de seu segundo governo, vem tentando eliminar do país, por meio de ordens executiva e outras medidas, todas as políticas de proteção às minorias. Na prática, a campanha de Trump contra programas de DEI se tornou desnecessária.

Para começar, a Comissão para a Igualdade de Oportunidades de Emprego (EEOC – Equal Employment Opportunity Commission) anunciou que está desativando sua estratégia de classificação de indivíduos por grupos protegidos.

Essa estratégia, chamada de Identity Politics, identifica pessoas com base em raça, cor, sexo (incluindo identidade de gênero e orientação sexual), religião, nacionalidade, deficiência e informação genética. Em outras palavras, deixam de existir grupos protegidos, para efeito de combate à discriminação. Só existirá, agora, o “indivíduo”.

A medida é uma pancada imobilizadora nos direitos das minorias. Afinal, a EEOC é o órgão federal com a missão de executar as leis que proíbem discriminação no trabalho, com o objetivo de defender as categorias protegidas.

O órgão investiga denúncias de discriminação no trabalho e pode processar organizações que violam as leis antidiscriminatórias — tais como o Título VII da Lei dos Direitos Civis de 1964, a Lei de Discriminação por Idade no Emprego, a Lei dos Americanos com Deficiências e a Lei de Informação Genética.

O Título VII é, exatamente, a parte da Lei dos Direitos Civis de 1964 (Title VII of the Civil Rights Act of 1964) que proíbe a discriminação no trabalho com base em raça, cor, religião, sexo e nacionalidade. Proíbe discriminação nas práticas de contratação, demissão, promoções, benefícios, treinamento e em todos os demais termos, condições e privilégios no emprego.

Efeito dominó

No dia em que a Suprema Corte abriu as porteiras para processos por discriminação reversa, os advogados alertaram seus clientes para o efeito dominó da decisão. Primeiramente, porque a corte quebrou barreiras que dificultavam a abertura de ações antidiscriminatórias por indivíduos da maioria. Dessa forma, a previsão é que um oceano de ações seja ajuizado com base na nova perspectiva da corte.

Além disso, o colegiado deu a qualquer indivíduo da maioria uma nova prova (discutível) para sustentar suas alegações: a de que a empregadora tem um programa de diversidade e inclusão. Os advogados das empresas que prezam seus programas de DEI estão recomendando a elas para desativá-los ou, pelo menos, os aplicarem de formas mais sutis, para que sejam justificáveis perante os tribunais.

Suprema Corte X discriminação reversa

A decisão da Suprema Corte, em Ames v. Ohio Department of Youth Services, conta a história de Marlean Ames, funcionária do Departamento de Serviços Juvenis de Ohio, contratada em 2004 para exercer o cargo de secretária executiva do sistema correcional juvenil do estado. Com o tempo, ela foi promovida para o cargo de administradora de programa.

Em 2019, ela se candidatou ao cargo de gerente da divisão de Qualidade e Melhoria. Seu pedido foi acatado e ela foi selecionada para uma entrevista. Ela, no entanto, perdeu a vaga para outra candidata, que é gay.

Poucos dias depois, ela foi rebaixada e voltou a seu cargo anterior de secretária executiva, o que significou um corte significativo de salário. Feito isso, o órgão contratou um homem gay para o cargo de administrador de programa.

Ela moveu, então, uma ação judicial contra o órgão por discriminação reversa. Alegou que não foi promovida e, ao contrário, foi rebaixada de cargo por causa de sua orientação sexual. Ou seja, por ser heterossexual, perdeu duas concorrências para uma dupla de homossexuais.

Antes da decisão da Suprema Corte, a funcionária não teria qualquer chance de ganhar a causa na Justiça dos EUA. Aliás, ela perdeu em primeira e segunda instâncias. Um juiz federal e um colegiado do Tribunal Federal de Recursos da 6ª Região rejeitaram o pedido da funcionária, com base em precedente da Suprema Corte, firmado em McDonnell Douglas Corp. v. Green.

O voto da decisão unânime da Suprema Corte, escrito pela ministra Ketanji Brown Jackson, explica que esse precedente estabeleceu três passos (ou regras) para o exame de um caso em que um empregado acusa a empregadora de discriminar intencionalmente um membro de uma maioria.

No primeiro passo, o ônus da prova é do peticionário: ele tem de estabelecer um caso de prima face — isto é, apresentar uma prova que gera presunção relativa, apenas suficiente para apoiar uma inferência de motivo discriminatório.

No segundo, o ônus da prova muda para a ré (a empregadora), que “deve articular uma razão legítima, não discriminatória, para a rejeição do empregado”.

Na terceira, “se a empregadora ofereceu uma justificativa, o empregado deve ter uma oportunidade justa de demonstrar que a razão declarada foi, de fato, apenas um pretexto para discriminar”. Em outras palavras, um membro da maioria pode ser bem-sucedido na ação se mostrar que a explicação dada pela empregadora não merece credibilidade.

Essas são partes das regras que o precedente impõe a membros de grupos majoritários para processar sua empregadora por discriminação — regras que não são impostas a membros de grupos minoritários.

Há, ainda, mais uma regra, que complementa o primeiro passo: o peticionário deve descrever “circunstâncias históricas (background circumstances) para apoiar a suspeição de que a ré é uma empregadora incomum, que tem uma história de discriminação contra membros da maioria”.

O juiz federal e o colegiado do tribunal de recursos concluíram que a funcionária não cumpriu essa exigência ao mover a ação contra sua empregadora. Por isso, decidiram pelo trancamento do processo.

Não há distinção entre grupos de indivíduos

A Suprema Corte, no entanto, teve outro entendimento e remeteu o processo para os tribunais inferiores para julgamento do caso de discriminação reversa. A decisão unânime da corte declara que houve uma má interpretação do Título VII da Lei dos Direitos Civis de 1964.

“Esse dispositivo da lei não estabelece uma distinção entre peticionários categorizados como membros de grupo majoritário ou de grupo minoritário. Em vez disso, o dispositivo apenas torna ilegal a prática de recusar emprego ou demitir qualquer indivíduo ou, de outra forma, discriminar qualquer indivíduo, com respeito a seu salário, termos e condições de emprego, por causa da raça, cor, religião, sexo ou nacionalidade de tal indivíduo. A lei se foca em indivíduos, não em grupos”, diz o voto.

“Ao estabelecer as mesmas proteções para todos os indivíduos, sem levar em conta se ele é membro de um grupo minoritário ou majoritário, o Congresso não deixou espaço para as cortes imporem exigências especiais só para peticionários de grupos majoritários. A regra das ‘circunstâncias históricas’ viola esse princípio básico.”

“A regra das “circunstâncias históricas” também ignora nossa instrução para evitar aplicações inflexíveis do primeiro princípio do precedente McDonnell Douglas. Este tribunal explicou repetidamente que os requisitos precisos de um caso prima facie podem variar, dependendo do contexto, e nunca foram concebidos para serem rígidos, mecanizados ou ritualísticos”, conclui o voto.

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