Opinião

Marco regulatório da energia nuclear precisa de revisão ampla

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8 de junho de 2025, 9h21

O marco regulatório brasileiro para a energia nuclear está estruturado em torno de rígidas diretrizes constitucionais e um complexo conjunto de leis e normas infralegais. A Constituição de 1988 determina que toda atividade nuclear seja exclusivamente pacífica, sob monopólio estatal, especialmente quanto ao ciclo do combustível nuclear, abrangendo pesquisa, lavra, enriquecimento, reprocessamento, industrialização e comércio de minérios nucleares. Tal monopólio, entretanto, vem sendo flexibilizado em casos específicos, como na produção de radioisótopos médicos por meio das Emendas Constitucionais nº 49/2006 e nº 118/2022.

Trabalhador em usina

Do ponto de vista infraconstitucional, o setor é regulamentado por diversas leis importantes como a Lei nº 4.118/1962 (criação da Cnen e monopólio nuclear), Lei nº 6.189/1974 (reestruturação do setor), Lei nº 6.453/1977 (responsabilidade civil e criminal), Lei nº 7.781/1989 (criação das estatais atuais, INB e Eletronuclear), Lei nº 10.308/2001 (gerenciamento de rejeitos radioativos), e a Lei nº 12.731/2012 (Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro — Sipron).

O setor nuclear brasileiro é regulado atualmente pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), que acumula funções regulatórias e de promoção de pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Contudo, visando melhores práticas internacionais, foi criada a Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN), pela Lei nº 14.222/2021, ainda em processo de consolidação.

Entre as principais questões em revisão estão: a necessidade de maior participação privada na geração nuclear via mecanismos como Parcerias Público-Privadas (PPPs), especialmente para novos projetos como Angra 3 e pequenos reatores modulares (SMR); a regulamentação da mineração de urânio, flexibilizada recentemente pela Lei nº 14.514/2022, permitindo contratações privadas sob fiscalização estatal; e a atualização das regras de responsabilidade civil por danos nucleares, que precisam se adequar aos padrões internacionais atuais.

Também há necessidade de aprimorar a segurança nuclear e proteção radiológica, fortalecendo a independência da ANSN e atualizando normas técnicas à luz de referências internacionais como a Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea). Aspectos como proteção física contra ações ilícitas e segurança cibernética carecem de legislação específica.

Na preparação para emergências nucleares, propõe-se a criação de um fundo específico para assegurar recursos imediatos em situações críticas, com obrigações claras para operadores em casos de acidentes, incluindo cobertura financeira ampla e atualizada.

Finalmente, para incentivar a inovação tecnológica e a sustentabilidade do setor, sugere-se instituir instrumentos legais robustos de apoio à pesquisa, desenvolvimento e inovação, incluindo parcerias entre academia, indústria e governo, assegurando autonomia tecnológica ao país.

Assim, o marco regulatório da energia nuclear no Brasil precisa de uma revisão ampla para adequar-se aos desafios contemporâneos, assegurar segurança jurídica e ambiental, incentivar investimentos privados e fortalecer a governança setorial.

Autores

  • é doutor em Engenharia Naval e Oceânica pela USP e mestre em Engenharia Nuclear pela Universidade de Paris XI, é CEO da Eletrobrás Eletronuclear, membro do Grupo Permanentede Assessoria em Energia Nuclear do Diretor Geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), membro do Conselho de Representantes da World Nuclear Association (WNA.) Foi presidente da Seção Latino-Americana da Sociedade Nuclear Americana. Diretor Técnico-Comercial da Amazônia Azul Tecnologias de Defesa SA — AMAZUL, assistente da Presidência da Eletrobrás Eletronuclear e coordenador do Programa de Propulsão Nuclear do Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP).

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