O direito do amigo
7 de junho de 2025, 6h09
Democracia é um modelo de Estado em que o cidadão é o centro da atividade estatal, que sempre deve visar ao interesse público e a coletividade. No cerne do que vem a se entender como democracia, há o pressuposto de que o ser humano é livre para decidir, se expressar, se deslocar e diversas outras liberdades, incluindo as elencadas no artigo 5º da Constituição.

Como forte contribuinte ao processo democrático temos o jornalismo, que possibilita a livre circulação de ideias entre os cidadãos. Em muitos casos, os jornais dispõem de um aparato empresarial que suporta esta atividade informativa, fornecendo maior credibilidade às informações passadas. Do ponto de vista jurídico, a atividade jornalística pode ser exercida por qualquer cidadão (ADPF 130, do Supremo Tribunal Federal), desde que se identifique a autoria.
Entrementes, é possível que tanto cidadão como entidades excedam os seus limites e incorram em ato ilícito. Estes atos ilícitos estão dispersos no direito brasileiro, podendo citar os crimes contra a honra e os direitos de imagem.
Em caso de violação, possibilita-se ao ofendido solicitar a resposta ou a reparação do dano mediante seu direito de ação em que o objetivo é a correção da mensagem, punição do emissor e reparação dos danos causados. Entretanto, até mesmo este direito de ação se demonstra restrito e deve ser exigido com cautela. Em julgamento recente, o Supremo Tribunal Federal (STF) se manifestou sobre o assédio judicial praticado a fim de silenciar o mensageiro. Assim, foi reconhecido que o ajuizamento de várias ações em locais diferentes é prática abusiva por meio da ADI 6792, o qual a ementa diz que:
[…]Por maioria, foi fixada a seguinte tese de julgamento: “1. Constitui assédio judicial comprometedor da liberdade de expressão o ajuizamento de inúmeras ações a respeito dos mesmos fatos, em comarcas diversas, com o intuito ou o efeito de constranger jornalista ou órgão de imprensa, dificultar sua defesa ou torná-la excessivamente onerosa; 2. Caracterizado o assédio judicial, a parte demandada poderá requerer a reunião de todas as ações no foro de seu domicílio;3. A responsabilidade civil de jornalistas ou de órgãos de imprensa somente estará configurada em caso inequívoco de dolo ou de culpa grave (evidente negligência profissional na apuração dos fatos)”[…]
Julgamento isonômico
Ainda, parte-se da perspectiva de julgamento justo e isonômico como consequência de um Estado democrático de direitos. Desta forma, o autor deve ser julgado pelo seus atos praticados, devendo ser considerados fatores jurídicos já existentes no momento do julgamento. Logo, a problemática se desenvolve quando o Estado deixa de seguir as regras anteriormente estabelecidas e passa a julgar os cidadãos de maneira diversas.
Em 2018, um advogado foi condenado a pagar indenização a desembargadora por representação junto ao CNJ, o qual trazemos trecho da notícia:
Representar contra juiz no Conselho Nacional de Justiça é ofensa grave o suficiente para afastar a imunidade do advogado que faz isso. Pelo menos de acordo com a 1ª Turma Recursal do Rio de Janeiro. O colegiado condenou um advogado a indenizar em R$ 20 mil a juíza Elizabete Alves de Aguiar por ele ter feito acusações em representação administrativa julgada improcedente pelo órgão.
Indignado com a atuação da juíza em um caso em que trabalhou, o advogado apresentou reclamação disciplinar contra ela no CNJ alegando que ela errou e agiu com irresponsabilidade funcional. O requerimento foi negado. A juíza sentiu-se ofendida com as acusações e moveu ação de indenização contra o profissional. O pedido foi negado em primeira instância, mas o recurso dela foi acolhido.
Em caso recente, jornal é condenado a pagar R$ 600.000,00 por dano moral à juíza ao informar o ganho da magistrada sem a contextualização da informação repassada por meio da descrição minuciosa das verbas salariais. Em trecho da sentença do procedimento cível n.º 1409-45.2024.8.21.0001/RS foi registrado que:
“Ainda que a jornalista estivesse ciente desses dados oficiais – fornecidos através de nota pública – optou deliberadamente por omitir tais informações em suas colunas principais, apresentando as cifras como remuneração ordinária, e não como indenizações extraordinárias. Em lugar de esclarecer, criou-se uma narrativa enviesada e sensacionalista que associava a autora à figura de suposto privilégio imoral ou injustificado, fomentando a incompreensão do público leigo. Portanto, promoveu a desinformação de conteúdo público atinente à chefe de Poder à época da divulgação.”
Em outro caso, foi verificado por meio do Habeas Corpus nº 83996 do STF o trancamento da ação penal em que fora noticiado:
[…] Thomas foi acusado de praticar ato obsceno, previsto no artigo 233 do Código Penal.
O diretor reagiu a vaias do público do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, que assistia, em outubro de 2003, a uma montagem da ópera Tristão e Isolda. Gerald Thomas baixou as calças, mostrou as nádegas para a platéia e simulou ato de masturbação. [..]
Obviamente, cada um destes casos geram questionamentos sobre a isonomia do julgamento exercido. Em que pese qualquer cidadão poder acionar o Estado diante da possibilidade de ofensa aos seus direitos, pode-se observar que para determinados indivíduos o resultado pode variar, a depender do status social de uma das partes. Assim, cria-se o direito do amigo, em que se é analisado a pessoa do sujeito e não a situação jurídica apresentada.
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Fontes
MELLO, Mateus. Jornal e colunista são condenados a pagar R$ 600 mil a desembargadora do RS, acesso em 03/06/2025 e disponível aqui
ADI 6792. Superior Tribunal Federal. Relator: Min. Rosa Weber, Publicado no DJE em 04/04/2025, disponível aqui
RODAS, Sergio. Advogado é condenado a indenizar juíza por ter representado contra ela no CNJ. Acesso em 03/06/2025 e disponível aqui
CONJUR. Gerald Thomas consegue arquivar processo por atentado ao pudor. Acesso em 03/06/2025 e disponível aqui
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