Entre a contenção e o ativismo: virtudes passivas e ativas da jurisdição constitucional
7 de junho de 2025, 8h00
À luz do debate contemporâneo sobre o papel do Supremo Tribunal Federal, é possível reencontrar um antigo dilema do constitucionalismo: qual a função de uma Suprema Corte em sociedades pluralistas e em permanente mutação? A resposta, longe de ser binária, passa por reconhecer que o Poder Judiciário exerce papéis simultaneamente ativos e passivos, sendo tanto protagonista quanto guardião do tempo institucional.
Entre lacunas e interpretações
Existe grande indagação doutrinária e discussão filosófica intensa acerca do tema quando se coloca a antítese entre usurpação das competências políticas historicamente reconhecidas ao Poder Legislativo pelo Poder Judiciário.
Parece certo, e nisso revela-se adequada e pertinente as lições de Mauro Capelletti, que mesmo o uso mais simples e preciso da linguagem legislativa sempre deixa, de qualquer modo, lacunas que devem ser preenchidas pelo juiz, e sempre permite ambiguidades e incertezas que, em última análise, devem ser resolvidas pela via judicial. Contudo, qual o limite entre interpretar e substituir o processo democrático legítimo?
A virtude passiva de uma Suprema Corte
Ao defender as chamadas “virtudes passivas”, Bickel não propunha a omissão, mas sim uma estratégia institucional de contenção e maturidade. Uma Suprema Corte, por essa perspectiva, deve saber quando agir e quando recuar, não apenas por razões técnicas, mas também para proteger sua própria legitimidade e sustentar o processo deliberativo da democracia.
Do mesmo modo, Ginsburg e Dixon (2011) demonstram que não decidir é uma forma eficaz de preservar a estabilidade constitucional em contextos de incerteza ou elevada polarização, utilizando-se de mecanismos que delegam soluções ao tempo e ao amadurecimento institucional.
Alexander Bickel sustenta que em muitos casos uma Suprema Corte precisa preservar sua autoridade evitando julgar casos que ainda não estão maduros o suficiente para uma decisão definitiva. A Corte não decide tudo que pode. Decide o que deve, e no tempo certo. Assim, a não decisão é, em si, uma forma de decisão constitucional.
Essa postura encontra eco nos estudos de Tom Ginsburg e Rosalind Dixon, que analisam a postergação de decisões como técnica de desenho constitucional. Em Deciding Not to Decide, os autores mostram que, muitas vezes, deixar de decidir é uma forma de proteger o processo constitucional contra erros prematuros ou consequências irremediáveis.

Marcela Bocayuva
O mecanismo permite lidar com a incerteza, reduzir custos à luz de uma lógica econômica e dar tempo à sociedade para amadurecer soluções. Assim como o legislador constituinte pode postergar uma definição, também pode (e deve) o Supremo administrar o tempo das decisões, especialmente diante de valores em transformação ou dissensos profundos.
A virtude ativa de uma Suprema Corte
É possível conceber uma Suprema Corte verdadeiramente comprometida com a Constituição sem considerar seu papel ativo na concretização de direitos fundamentais? O ativismo constitucional propõe justamente isso: assumir que a ação judicial afirmativa não é uma exceção, mas parte integrante da prática do poder no Estado constitucional.
Longe de representar usurpação das funções legislativas, trata-se do reconhecimento de que o texto constitucional, por mais técnico e preciso que seja, sempre conterá lacunas e ambiguidades. Mauro Capelletti já advertia que até mesmo a linguagem legislativa mais precisa inevitavelmente deixa espaços que exigem preenchimento judicial.
Frente a esses espaços, cabe ao Poder Judiciário agir com um olhar comprometido com a eficácia dos direitos fundamentais, com uma metodologia voltada à concretização do constitucionalismo substancial.
Se toda forma de poder no Estado democrático carrega consigo uma dimensão de responsabilidade ativa, por que com as Supremas Cortes seria diferente? A virtude ativa, nesse sentido, não é apenas legítima, muitas vezes ela é necessária.
Conclusão
As cortes são chamadas a decidir, mas também a zelar pela integridade da democracia deliberativa. Saber quando decidir e quando não decidir é uma das maiores virtudes institucionais à luz de uma lógica constitucional.
Na intersecção entre Capelletti, Bickel e Ginsburg, encontra-se a compreensão de que o tempo é ferramenta essencial do constitucionalismo. Se é verdade que a concretização dos direitos fundamentais exige uma virtude ativa por parte das Cortes, é igualmente indispensável reconhecer que, em contextos de incerteza, a contenção pode ser a expressão mais elevada de respeito à democracia deliberativa.
Referências
CAPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Tradução de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 1993.
BICKEL, Alexander M. The passive virtues. Harvard Law Review, v. 75, p. 40-79, 1961.
DIXON, Rosalind; GINSBURG, Tom. Decidir não decidir: a postergação na elaboração constitucional. Tradução livre. Texto original: Deciding Not to Decide: Deferral in Constitutional Design. Publicado originalmente na University of Chicago Public Law Working Paper No. 350, 2011.
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