Sobre o artigo 7 dos tratados internacionais: questão a ser aprimorada
6 de junho de 2025, 18h26
É salutar, no campo da construção do conhecimento mais reflexivo, que antes de se pensar em oferecer repostas aos problemas que apresentamos às nossas meditações, examinemos as qualidades das perguntas que formulamos.
Este artigo tem a pretensão de analisar criticamente uma pergunta que se relaciona à aplicação do artigo 7 dos tratados para evitar a dupla tributação frente à legislação interna e demonstrar que pode ser aprimorada.
Como percurso, forneço os parâmetro da pergunta, para, então, avaliá-la, oferecendo, ao final, um novo questionamento.
A pergunta e suas premissas
Os tratados em matéria tributária prevalecem sobre a legislação interna, como se depreende do julgado no RE nº 100.105, relator ministro Moreira Alves, 2ª Turma, (DJ 27.04.1984).
Ademais, o artigo 7 das Convenções para eliminar a dupla tributação determina, em seu item 1, que:
“1. Os lucros de uma empresa de um estado contratante só são tributáveis nesse estado, a não ser que a empresa exerça sua atividade no outro estado contratante por meio de um estabelecimento permanente aí situado. Se a empresa exercer sua atividade na forma indicada, seus lucros serão tributáveis no outro estado, mas unicamente na medida em que forem atribuíveis a esse estabelecimento permanente.”
Dito isso, o artigo 74 da MP nº 2.158-35/01 — revogado pela Lei nº 12.973/14 que traz previsão semelhante — prescreve que os lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior serão considerados disponibilizados para a controladora ou coligada no Brasil na data do balanço no qual tiverem sido apurados.
Acrescento que o STF, no RE 541.090/SC, embora também tenha julgado o tema na ADI 2.588, sem conclusão sobre esse quesito, decidiu que é constitucional a tributação, na data da disponibilização dos balanços, dos lucros de controladas do exterior. O argumento é que há disponibilidade da renda haja vista ser reconhecida, no país, contabilmente, pelo Método de Equivalência Patrimonial (MEP). Não vou examinar, aqui, se é efetivamente o resultado do MEP que é alvo da tributação na Tributação de Bases Universais e tomarei esse aspecto como premissa para fins de argumentação.
Diante dos ingredientes, a pergunta que tem sido feita é: o resultado do MEP, reconhecido no país, deve ser associado a uma disponibilidade da renda da investidora, de modo que se trata de um “lucro brasileiro” e não sujeito à aplicação do tratado, ou representa uma grandeza que é lucro da empresa do exterior, e, portanto, sujeita à aplicação do artigo 7? Caso se opte pela segunda alternativa, não se estaria violando o que decidiu o STF nos julgados acima?
Com quais instrumentos posso reivindicar a empreitada de desconstruir tal pergunta? Vamos pensar, juntos, sobre isso.
Desconstrução
Tenhamos que o MEP é um modo de contabilizar investimentos relevantes em pessoas jurídicas. Pressupõe que o primeiro reconhecimento se dê pelo custo e aquisição e os subsequentes com ajustes que reflitam a participação do investidor nos ativos líquidos da investida. No CPC 18 (R3) isso é dito:
“Método da equivalência patrimonial é o método de contabilização por meio do qual o investimento é inicialmente reconhecido pelo custo e, a partir daí, é ajustado para refletir a alteração pós-aquisição na participação do investidor sobre os ativos líquidos da investida. As receitas ou as despesas do investidor incluem sua participação nos lucros ou prejuízos da investida, e os outros resultados abrangentes do investidor incluem a sua participação em outros resultados abrangentes da investida.” (…)
Pensemos nessa palavra “refletir”. O MEP pressupõe o reflexo da participação do investidor no ativo líquido da investida. Esse signo “refletir” me faz pensar na relação entre luz, lua e sol.
Ensinam os astrônomos que a superfície da lua reflete a luz do sol, tornando-a iluminada. Em reportagem à Globo Nordeste, o professor Diego Mendonça explica que “a lua não emite luz, não tem luz própria. Quando olhamos o céu e a vemos brilhante e imponente, olhamos na verdade o sol na Lua. O sol é fonte de luz primária, um corpo luminoso. A lua é fonte secundária, um corpo iluminado”.
O que pretendo dizer com essa imagem? Pelo MEP, reflete-se no resultado a participação do investidor nos lucros da investida. O resultado do MEP da investidora está para a luz da lua, assim como o da investida está para a luz do sol. Portanto, a grandeza captada é resultado contábil da investidora sem deixar de ser reflexo do lucro da investida.

Se assim é, a pergunta “o resultado do MEP é um lucro da investidora ou da investida?”, para que se conclua, na primeira hipótese, que o artigo 7 do tratado não é aplicável (sob o fundamento de que o tratado não protege o “lucro brasileiro”) e, na segunda hipótese, que seria aplicável (já que seria um lucro do exterior), é um falso problema porque, na verdade, há o mesmo resultado que deixa marca nas duas empresas, na investida como fonte que ilumina, na investidora como mero reflexo da primeira. O dilema “com o MEP, existe disponibilidade da renda para a empresa brasileira?” não afasta que o lucro capturado pela técnica é mero reflexo do obtido no exterior.
Parece-me que a pergunta fundamental, assim, é outra: é saber se o artigo 7 do tratado pressupõe uma proteção objetiva do lucro ou se apenas impede a empresa do exterior de ser tributada no Brasil. Se há alcance objetivo, o reflexo do lucro do exterior na contabilidade da investidora não poderia ser tributado no Brasil; se é subjetivo, apenas protegendo a pessoa jurídica do exterior, então a tributação no país seria possível sem agredir o tratado.
A resposta não pressupõe exame do conceito constitucional de renda, ou de julgados que versaram sobre tal conceito, mas que se adentre, sim, no conteúdo do artigo 7 dos tratados.
Em meu ponto de vista, a linha objetiva é mais convincente. O texto diz: “Os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só são tributáveis nesse Estado (…)” . A vedação alcança a tributação do próprio lucro e seus reflexos não deveriam ser onerados [1].
Ademais, tradicionalmente, os critérios de conexão adotados pelos países para tributação da renda são o local da fonte ou do estabelecimento, não havendo sentido em uma tributação extraterritorial que tenha como sujeito passivo uma pessoa jurídica sem conexão territorial com o país. Assim, essa visão subjetiva faria, do artigo 7, norma de pouco efeito prático, o que não é o melhor modo de se interpretar normas, especialmente, quando se lida com o princípio da boa-fé nas relações internacionais.
Essa visão objetiva foi acatada pelo ministro Napoleão Nunes Maia Filho no REsp 1.325.709-RJ, ao sustentar que a “sistemática adotada pela Fazenda Pública, de adicionar o lucro obtido pela empresa controladora na tributação daquele mesmo lucro” contrasta com o disposto nas Convenções Internacionais, em julgado da 1ª Turma da 1ª Seção do STJ. Recentemente, no AgInt nos EDcl no Recurso Especial nº 1633513 – SC, a ministra Regina Helena Consta, acompanhada unanimemente pelos ministros da 1ª Turma, chegou a conclusão semelhante.
Onde estamos? O debate sobre o alcance do artigo 7 dos tratados não se resolve com a questão da materialidade constitucional da renda. Ele envolve a discussão sobre o conteúdo desse dispositivo. Em minha perspectiva, ao impedir a tributação dos lucros do exterior, veda a oneração do lucro-reflexo que é a imagem espelhada, nas investidoras, dos resultados das investidas.
[1] Sobre o caráter objetivo do artigo 7º, vide: SCHOUERI, Luís Eduardo. Lucros no Exterior e Acordos de Bitributação. Reflexões sobre a Solução de Consulta Interna n. 18/2013. In Revista Dialética de Direito Tributário, n. 219, p. 76.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!