Licitações e Contratos

Licitação e economia colaborativa

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  • é doutor em Direito Administrativo mestre em Direito e políticas públicas ex-procurador do estado do Amapá bacharel em administração sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

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6 de junho de 2025, 10h17

A expansão da economia colaborativa no setor privado tem se tornado cada vez mais frequente. O consumo consciente, vinculado à ideia de acesso ao bem de forma plural, oportuniza a aquisição de itens mais acessíveis, tendenciando potencial dimensão da logística reversa.

Se, no segundo setor (iniciativa privada), a utilização consciente de bens de consumo passou a ser corriqueira, é necessário questionar se a aquisição de bens usados pela administração pública pode ser interpretada como uma nova vertente, viável não apenas em momentos sinteticamente críticos, em que a escassez de produtos novos aponte para tal caminho.

Inicialmente, destacamos que não é comum a compra de bens usados pela administração pública. Licita-se sempre a aquisição de bens novos, cujo padrão é estabelecido em estudos preliminares com viabilidades de garantias. De forma excepcional, o Brasil produz alguma vertigem para fugir à regra.

Tome-se como exemplo a previsão contida na Lei nº 13.979/2020, que dispôs sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, cujo artigo 4º-A preconiza que “a aquisição ou contratação de bens e serviços, inclusive de engenharia, a que se refere o caput do art. 4º desta Lei, não se restringe a equipamentos novos, desde que o fornecedor se responsabilize pelas plenas condições de uso e de funcionamento do objeto contratado”.

Na verdade, muito embora a Lei nº 14.133/2021 não disponha sobre o tema de forma específica, não há, de forma expressada, restrições à aquisição de bens usados. Mesmo assim, a regra é que as licitações geralmente priorizam a aquisição de bens novos [1].

Em precioso trabalho sobre o tema [2], escrito anteriormente à promulgação da Lei nº 13.979/20, o professor Aniello Parziale chama a atenção para alguns pontos de relevante interesse quanto à aquisição de bens usados por parte da administração pública:

“Com efeito, esclareça-se que os motivos que acarretam à Administração Pública  deliberar pela aquisição de um bem usado podem repousar sobre diversos fatos, a exemplo (1.) da falta de recursos públicos necessários para aquisição do objeto novo, diante do orçamento reduzido de algumas Administrações; (2.) da ausência de tempo para aguardar a entrega do objeto, executado sob encomenda, diante de necessidade administrativa a ser suprida de forma imediata, e (3.) da falta do bem novo no mercado correlato, em decorrência da demanda aquecida ou da descontinuidade do mesmo” [3].

Economicidade, eficiência e sustentabilidade

Por razões inequívocas, os bens usados que podem ser adquiridos são apenas os chamados bens de consumo duráveis, o que atrai o conceito de economia colaborativa. Importa revelar, todavia, que, no plano prático, o atendimento a tais condições não é facilmente verificável.

Guilherme Carvalho tarja

Isso porque, invariavelmente, quase sempre remanescerá ao administrador público a dúvida quanto à aquisição de um produto já usado. Logicamente, tal aquisição tende a ser mais viável apenas quando inexistentes bens novos. A opção da administração, em havendo ambas as possibilidades, ainda que o fornecedor garanta suas condições de funcionamento, exige ampla fundamentação e motivação plausível.

Portanto, para que seja possível a obtenção de bens usados, preponderarão outros fatores, sobretudo o preço. Daí que o atendimento aos princípios da economicidade e eficiência administrativa é de imprescindível observação prática.

A avaliação do gestor público, ponderando entre custos e benefícios, deve ser o ponto central da decisão a ser tomada. Por isso, a economicidade prepondera. Quanto a este ponto, precisas as lições de Lúcia Valle Figueiredo:

“Podemos dizer que economicidade é a relação entre custos e benefícios. Aliás, em qualquer forma de administração o binômio custo-benefício é observado. Haveria irrazoabilidade se o custo fosse desproporcional ao benefício. E, atualmente, a eficiência reforça a economicidade” [4].

Pensemos no seguinte exemplo. Um ente licitante, que dispõe de recursos escassos, tem a possibilidade de adquirir mais produtos usados do que novos. Diante de tal cenário, para fins de atendimento às necessidades do administrado, é mais razoável, desde que haja justificação prévia, a aquisição de bens usados, quando suficientemente atendidos os interesses da administração pública.

Para além disso – e este é o ponto mais relevante para este debate –, a viabilidade de aquisição de bens usados não se vincula somente a questões orçamentárias, podendo encenar uma nova vertente de compras públicas sustentáveis, que atendam os princípios da vantajosidade e do desenvolvimento nacional sustentável, melhorando a produtividade com a redução de custos.

De tal modo, é preciso que sejam observados novos mecanismos que norteiam as compras públicas, de forma colaborativa e com olhares voltados à redução de despesas. Seguindo esta linha, para a aquisição de bens usados, os três elementos da economia colaborativa (elemento social, econômico e tecnológico) devem, necessariamente, ser observados, criando modelos mais eficientes de cooperação entre a Administração Pública e o contratado.

A vantajosidade almejada pelo legislador ao longo da Lei nº 14.133/2021 não pode ser reduzida a uma simples questão ambiental restrita a conceitos limitados à economia verde e de ciclo de vida do objeto.

O alcance de novas oportunidades de aquisições pela administração pública, que fujam de standards corriqueiramente preestabelecidos, pode se tornar uma nova propensão, cuja vantajosidade perpassa pela justificativa do gestor público, priorizando a melhor aquisição se e quando respeitadas as particularidades das necessidades do ente contratante.

 


[1] Joel Niebuhr destaca que a definição do objeto é atividade discricionária da administração, competindo “ao agente público avaliar o que o interesse público demanda obter mediante contrato para desenvolver satisfatoriamente as atividades administrativas”. NIEBUHR, Joel de Menezes. Regime emergencial de contratação pública para o enfrentamento à pandemia de Covid-19. Belo Horizonte: Fórum,2020. p. 103.

[2] PARZIALE, Aniello dos Reis. A aquisição de bens usados pela administração pública. Fórum Administrativo, Belo Horizonte, v.18, n. 209, p. 9-14, jul., 2018.

[3] PARZIALE, Aniello dos Reis. A aquisição de bens usados pela administração pública. Fórum Administrativo Belo Horizonte, v.18, n. 209, p. 9-14, jul., 2018. p. 10.

[4] FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 8 ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 367.

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  • é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e políticas públicas, ex-procurador do estado do Amapá, bacharel em administração e sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

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