Opinião

Isenção de renda sobre beneficiários de previdência privada decorrentes de morte do titular

Autor

  • é juiz federal do Rio Grande do Norte. Doutor e mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) do Instituto Potiguar de Processo Civil (IPPC) e do TRE-RN (biênio 2017-2019).

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5 de junho de 2025, 20h38

Este artigo discute a incidência de imposto de renda sobre valores recebidos por terceiros a partir de entidades de previdência privada, no caso de morte do participante.

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A Lei Complementar nº 109/2001 trata do Regime de Previdência Complementar (RPC) e dá outras providências. Ali, estão previstos os planos de benefícios de entidades fechadas (operados pelas entidades fechadas de previdência complementar — EFPCs) e de entidades abertas (operado pelas entidades abertas de previdência complementar — EAPCs — e seguradoras do ramo vida).

Cada segmento possui suas especificidades e características, sendo fiscalizados por órgãos de governo dedicados: o fechado pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) e o aberto pela Superintendência de Seguros Privados (Susep). O RPC tem por objetivo principal instituir e executar planos de benefícios de caráter previdenciário.

A Lei nº 11.053/2004 dispõe sobre a tributação dos planos de benefícios de caráter previdenciário e dá outras providências. Ali, prevê-se a tributação progressiva ou regressiva (mediante uma tabela com alíquotas próprias) dos planos na modalidade PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) e na modalidade VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre). No PGBL, o valor das contribuições pode ser deduzido da base de cálculo do imposto de renda, com o limite de 12% da renda bruta anual.

O benefício fiscal é concedido apenas para aqueles que fazem a declaração completa e também contribuem para algum regime previdenciário público. Por outro lado, no momento do resgate ou no recebimento da renda, será cobrado imposto sobre o valor total depositado mais o rendimento acumulado ao longo dos anos. Já no VGBL, as contribuições não são deduzidas do imposto de renda anual. A incidência de imposto, em caso de resgate ou pagamento de renda, ocorrerá apenas sobre o rendimento das aplicações.

Rege o Código Tributário Nacional:

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
§ 1º A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. (Incluído pela LCP nº 104, de 2001)

Já a Lei nº 7.713/88 prevê:

Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas:
(…)
VII – os seguros recebidos de entidades de previdência privada decorrentes de morte ou invalidez permanente do participante.

Isenção de imposto

Há, portanto, isenção de imposto de renda sobre os seguros recebidos de entidades de previdência privada decorrentes de morte ou invalidez permanente do participante. Não há idêntica previsão quanto ao pagamento de planos de previdência privada na modalidade PGBL e VGBL.

Por ocasião do Tema 1.114 da Repercussão Geral, o STF precisou enfrentar a natureza jurídica dos valores recebidos por beneficiário de plano de previdência em decorrência de morte do titular. A discussão deu-se à luz do imposto de transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos (ITCMD). Reconheceu-se como de seguro [1]:

“É inconstitucional a incidência do imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD) sobre o repasse aos beneficiários de valores e direitos relativos ao plano vida gerador de benefício livre (VGBL) ou ao plano gerador de benefício livre (PGBL) na hipótese de morte do titular do plano.”

(STF, Pleno, RE 1363013, rel. Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 16-12-2024, Tema 1214 da Repercussão Geral – Mérito DJe-s/n divulg 07-01-2025 PUBLIC 08-01-2025).

O colegiado, à unanimidade, seguiu o voto do relator, que entendeu serem os planos de previdência, tanto na modalidade VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre), como na de PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre), quando pagos aos beneficiários, em razão da morte do estipulante (no caso equiparando-se a sucessores), equivalentes a seguro de vida (artigo 794 do Código Civil e 76 e 79 da Lei nº 11.196/2005), de onde não incide o ITCMD.

É o caso de resgatar essa específica legislação, para tornar mais claro o raciocínio:

Código Civil.
“Art. 794. No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.”
Lei nº 11.196/05:
“Art. 76. As entidades abertas de previdência complementar e as sociedades seguradoras poderão, a partir de 1º de janeiro de 2006, constituir fundos de investimento, com patrimônio segregado, vinculados exclusivamente a planos de previdência complementar ou a seguros de vida com cláusula de cobertura por sobrevivência, estruturados na modalidade de contribuição variável, por elas comercializados e administrados.
(…)
Art. 79. No caso de morte do participante ou segurado dos planos e seguros de que trata o art. 76 desta Lei, os seus beneficiários poderão optar pelo resgate das quotas ou pelo recebimento de benefício de caráter continuado previsto em contrato, independentemente da abertura de inventário ou procedimento semelhante.”

Assim, concluiu o relator:

“Em suma, compartilho do entendimento do douto Procurador-Geral da República, para quem o PGBL e o VGBL, quando contratados em favor dos próprios titulares, garantem ‘ao assistido/segurado [titular] o pagamento de renda complementar à da aposentadoria”; e, no que diz respeito às importâncias vertidas aos beneficiários, o PGBL e o VGBL “passam a cumprir finalidade acessória e a funcionar como verdadeiro seguro de pessoa/vida’”.

Da mesma forma, o STJ: REsp n. 1.963.482/RS, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 16/11/2021, DJe de 19/11/2021).

Imposto de renda

Resta saber se o Tema 1.114 da Repercussão Geral é aplicável ao imposto de renda, sendo essa a questão nevrálgica deste artigo.

Para tanto, de mister analisar o Tema Representativo de Controvérsia nº 366 do STJ. Nele, tratou-se a não incidência do imposto sobre a renda em relação à complementação do benefício de pensão recebida de entidades de previdência privada nas quais havia contribuição do beneficiário e do empregador (EFPC), em razão da morte do participante ou contribuinte do fundo de assistência, considerando-se o disposto no artigo 32 da Lei nº 9.250/95, que alterou o artigo 6º, VII, ‘a’, da Lei nº 7.713/88, fixou a seguinte tese:

“A complementação da pensão recebida de entidades de previdência privada, em decorrência da morte do participante ou contribuinte do fundo de assistência, quer a título de benefício quer de seguro, não sofre a incidência do Imposto de Renda apenas sob a égide da Lei 7.713/88, art. 6º, VII, “a”, que restou revogado pela Lei 9.250/95, a qual, retornando ao regime anterior, previu a incidência do imposto de renda no momento da percepção do benefício.”

Importante transcrever alguns trechos da ementa do julgado acima de relatoria do ministro Luiz Fux:

“8. Em suma, revelam-se os seguintes regimes jurídicos de direito público a regerem os benefícios recebidos dos fundos de previdência privada:
(i) sob a égide da Lei 4.506/64, em que havia a incidência do imposto de renda no momento do recebimento da pensão ou aposentadoria complementar;
(ii) sob o pálio da Lei 7.713/88, a não-incidência da exação dava-se no momento do recebimento, em razão da tributação por ocasião do aporte;
(iii) após a vigência da Lei 9.250/95, em que, retornando à sistemática da Lei 4.506/64, há a não-incidência do tributo apenas sobre o valor do benefício de complementação de aposentadoria ou pensão e o do resgate de contribuições que, proporcionalmente, corresponderem às parcelas de contribuições efetuadas no período de 01.01.1989 a 31.12.1995, cujo ônus tenha sido exclusivamente do participante do plano de previdência privada.”

Primeiro, cumpre observar que, se a questão respeitou acerca da repercussão das contribuições feitas entre 1º de janeiro de 1989 e 31 de dezembro de 1995 para fins de isenção de imposto de renda, na redação original do inciso VII do artigo 6º da Lei nº 7.713/88 (relativamente ao valor correspondente às contribuições cujo ônus tenha sido do participante, desde que os rendimentos e ganhos de capital produzidos pelo patrimônio da entidade tenham sido tributados na fonte). Segundo, mesmo que assim não fosse, e que se entendesse que caberia a incidência do imposto de renda, ainda que não se tratasse especificamente da matéria versada no Tema Representativo de Controvérsia nº 366 do STJ, a ratio decidendi do Tema nº 1.114 da Repercussão Geral do STF demandaria uma revisitação.

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Natureza de seguro

Dessa forma, os planos de previdência privada PGBL ou VGBL, por terem a natureza de seguro (Tema 1.114 da Repercussão Geral do STF, sobre ITCMD) e que não há como justificar uma natureza jurídica distinta por se tratar de outro tributo (imposto de renda), estão inseridos na isenção do artigo 6º, VII da 7.713/88. Enquadram-se na hipótese de incidência e fato gerador ensejadores da tributação. Ocorre que a própria norma isenta, concretamente, da tributação, de forma a afastar a tributação a título de imposto de renda quando o titular do plano falece e os valores revertem para os beneficiários estipulados.

E nesse condão tem decidido, por exemplo, o TRF da 5ª Região, já sob a premissa estabelecida no Tema nº 1.114 da Repercussão Geral do STF: Processo nº 08067468320234058400, Apelação Cível, Desembargador Federal Frederico Wildson da Silva Dantas, 7ª Turma, julgamento: 05/03/2024; Processo n. 08142056620234058100, Apelação / Remessa Necessária, Desembargador Federal André Luis Maia Tobias Granja (Convocado), 6ª Turma, julgamento: 11/03/2025.

A essa altura, já é dado concluir que, seja decorrente de PGBL, seja de VGBL, a percepção dos valores por terceiros, em face da morte do titular, enquadra-se como seguro (artigo 794 do Código Civil e 76 e 79 da Lei nº 11.196/2005, Tema 1.114 do STF) e, como tal, isento do imposto de renda (artigo 6º, VII, da Lei nº 7.713/88).

 


[1] “EMENTA Recurso extraordinário. Direito tributário. ITCMD. Vida gerador de benefício livre (VGBL) e plano gerador de benefício livre (PGBL). Falecimento do titular. Repasse aos beneficiários de direitos e valores relativos aos citados planos. Inexistência de fato gerador do imposto. Diferimento do imposto. Possibilidade.

  1. Estabelece o texto constitucional que compete aos estados e ao Distrito Federal instituir o imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos (ITCMD).
  2. O VGBL e o PGBL cumprem sua função principal, atuando na cobertura por sobrevivência, na hipótese de o próprio titular gozar do capital segurado ou do benefício.
  3. No caso de morte do titular dos planos VGBL e PGBL, o repasse aos beneficiários de valores e direitos, os quais não integram a herança do de cujus (art. 794 do Código Civil e art. 79 da Lei nº 11.196/05), não constitui fato gerador do ITCMD.
  4. Está no âmbito de conformação do legislador estadual instituir caso de diferimento do recolhimento de parte do ITCMD para momento posterior ao da ocorrência do fato gerador do imposto.
  5. Recurso extraordinário da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) ao qual se nega seguimento; recurso extraordinário da Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados, de Capitalização e de Previdência Complementar Aberta (FENASEG) provido, declarando-se a inconstitucionalidade da incidência do ITCMD disciplinada no art. 23 e no art. 13, inciso II e parágrafo único, da Lei Estadual nº 7.174/15 sobre o repasse aos beneficiários de valores e direitos relativos ao plano gerador de benefício livre (PGBL) na hipótese de morte do titular do plano; recurso extraordinário do Estado do Rio de Janeiro parcialmente provido, declarando-se a constitucionalidade do art. 42 da referida lei estadual.
  6. Foi fixada a seguinte tese: “É inconstitucional a incidência do imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD) sobre o repasse aos beneficiários de valores e direitos relativos ao plano vida gerador de benefício livre (VGBL) ou ao plano gerador de benefício livre (PGBL) na hipótese de morte do titular do plano”.

(STF, Pleno, RE 1363013, rel. Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 16-12-2024, Tema 1214 da Repercussão Geral – Mérito DJe-s/n divulg 07-01-2025 PUBLIC 08-01-2025).

Autores

  • é juiz federal presidente da Turma Recursal da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte. Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Potiguar de Processo Civil (IPPC).

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