Inconstitucionalidade da incidência do IOF nas operações de 'risco sacado'
5 de junho de 2025, 18h26

O governo federal publicou o Decreto nº 12.466/2025, que alterou de forma significativa a incidência do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e as respectivas alíquotas. Dentre as alterações realizadas pelo referido decreto, o tema do presente artigo de opinião diz respeito à inserção do §23 no artigo 2º do Decreto nº 6.303/2007, que passou a se considerar como operação de crédito “a operação de antecipação de pagamentos a fornecedores e demais financiamentos a fornecedores (“forfait” ou “risco sacado”).
Utilizando-se as palavras de Geraldo Ataliba (1973, p. 51) [1], o decreto estabeleceu uma nova “hipótese de incidência” ao IOF que, em nosso entender, é inconstitucional, formal e materialmente.
A Constituição, em seu artigo 153, inciso V, estabelece competir à União a instituição de impostos sobre “operações de crédito”. Para se efetivar a instituição do imposto, o artigo 150, inciso I, igualmente da Constituição, estabelece a necessidade de existência de lei para que se possa exigir tributos — o que se denomina doutrinariamente como princípio da legalidade tributária.
A compreensão existente — e uníssona na doutrina — é de que a instituição de novos tributos demanda lei em sentido estrito e, no caso do IOF, ainda que se argumente sobre a sua natureza extrafiscal, não é diferente.
O Supremo Tribunal Federal possui tranquilo posicionamento de que “somente lei em sentido estrito é instrumento hábil para a criação e majoração de novos tributos” e que a “legalidade tributária é verdadeiro direito fundamental dos contribuintes, que não admite flexibilidade” [2].
Seguindo-se a linha de raciocínio aqui exposta, Leandro Paulsen (2022, p. 146) [3] aponta que:
“Mesmo a integração, pelo Executivo, da norma tributária estabelecida por lei, só se viabiliza nos casos em que a Constituição expressamente traz atenuações à legalidade. Para alguns poucos tributos marcadamente extrafiscais (…) o art. 153, §1º, da Constituição permite ao Executivo que gradue as alíquotas nas condições e limites estabelecidos por lei. Essas hipóteses reforçam o entendimento de que, em todos os demais casos, nem sequer atenuação seria possível, cabendo ao Executivo limitar-se ao seu papel de editar os regulamentos para a fiel execução da lei” (grifo do articulista).
Atualmente, a lei que institui o IOF é a Lei nº 5.143/1966, que regulamenta a cobrança, especifica a base do cálculo, os responsáveis tributários e outros temas essenciais. Por sua vez, decretos regulamentadores, por se tratarem de atos infralegais, não possuem a aptidão de instituir novas hipóteses de incidências, regulamentando-se a lei além do que por ela foi previsto e aqui surge a inconstitucionalidade formal: apenas a lei em sentido estrito poderia estabelecer que as operações denominadas de “risco sacado” passam a ser consideradas como operações de crédito para fins de incidência do IOF.
A inconstitucionalidade material, por sua vez, é observada em duas vertentes.

A operação denominada de “risco sacado” pode ser conceituada, de forma simples, como sendo uma antecipação de recebíveis mediante deságio, geralmente de determinada pessoa jurídica por outra. É largamente utilizada, por empresários de pequeno e médio porte, para melhor gerenciamento do fluxo de caixa, pois oferece liquidez imediata a obrigações futuras. Em muitos casos, é a única maneira que uma empresa de pequeno ou médio porte possui de se manter viva e competitiva no mercado
Para Mateus Pontalti (2024, p. 554) [4], a operação de crédito que permite a tributação do IOF “ocorre quando alguém efetua uma prestação presente em troca de uma promessa de prestação futura”.
É importante ressaltar, assim, que as operações de “risco sacado” não se amoldam ao conceito de operações de crédito que permitam a incidência do IOF, pois não há uma prestação em troca de uma promessa de prestação futura.
Aquele que cede o seu crédito mediante “risco sacado” não se torna, em regra, coobrigado pelo pagamento da dívida nele transcrita (artigo 296 do Código Civil).
Não se trata, a rigor, de uma operação de crédito, pois não envolve uma promessa de prestação futura por parte do cedente e, portanto, não se encontra presente, do ponto de vista constitucional, a hipótese de incidência para a cobrança do tributo.
Inteiramente inconstitucional
Em outro norte, a Constituição, em seu artigo 170, inciso IV, estabelece como princípio da ordem econômica o “tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País”.
A previsão de nova hipótese de incidência para o caso de antecipação de recebíveis (risco sacado), inadvertidamente, acaba por tributar — ainda mais — as empresas de pequeno porte, pois são elas que, a rigor, mais dependem do instituto para gerenciamento de fluxo de caixa e manutenção da sua atividade produtiva.
Portanto, concluímos que a inserção do §23 no artigo 2º do Decreto nº 6.303/2007 pelo Decreto nº 12.466/2025 é inteiramente inconstitucional, formal e materialmente.
[1] ATABALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973, p. 51.
[2] (STF – AgR RE: 959274 SC – SANTA CATARINA 5002072-94 .2013.4.04.7201, relator.: min Rosa Weber, Data de Julgamento: 29/08/2017, 1ª Turma, Data de Publicação: DJe-234 13-10-2017).
[3] PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. 13. ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2022, p. 146.
[4] PONTALTI, Mateus. Manual de Direito Tributário. – 5.ed., rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora JusPodivm, 2024, p. 554.
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